sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Mitologia da Saudade II

APOLOGIA AO SEBASTIANISMO

Mas qual é o papel importante do mito sebastianista neste aspecto? Primeiro que tudo é necessário distinguir as duas vertentes do mito: a vertente exotérica e a vertente esotérica. Entendido de forma exotérica, este mito não passa de mais um mito messiânico, de uma crença estática na vinda de alguma personalidade ou pessoa que, há muito desaparecida do panorama português, possa, de novo, levantar a sua chama. A crença no aparecimento de um cavaleiro armado que cavalga um dorso branco numa manhã de nevoeiro não é só irrisória, mas também profundamente ignorante e, devemos dizê-lo com toda a clareza, completamente estúpida pela ausência de inteligência que apresenta. Uma crença deste tipo só poderá ser comparável à crença daquilo que se chama "o príncipe encantado", que é aquele ser perfeito que irá salvar das garras de uma madrasta odiosa alguma princesa bem formosa. O problema nesta consideração do mito é exactamente o facto daquilo que existe de eterno no mito ser completamente trucidado. É, na verdade, uma ausência de análise que faz, neste campo e mas também noutros, fazer descer o mito à categoria de acontecimento físico. Viver pensando que um dia irá aparecer um homem com uma armadura montado num cavalo branco numa noite de nevoeiro é troçar da sua própria inteligência. Assim, para mostrar aos cientistas do nosso tempo que o que interessa no Mito, no verdadeiro Mito, é o seu carácter eterno ou arquetípico, simbólico, é preciso, e nunca será demais, notar que entender que o significado de um mito, seja este ou qualquer outro, seja exactamente aquele que a maior parte das pessoas atribui ao significado de cada uma das palavras que os homens utilizam para expressar esse mito não passa de uma análise descuidada, redutora e que corrompe pervertidamente o verdadeiro significado - o significado simbólico - do Mito.

A ausência de discernimento que leva a elaborar tão fantasiosas e estúpidas acepções ao significado do Mito só se pode justificar com uma total ausência de inteligência por parte de quem elabora tais análises. Primeiro que tudo, o mito sebastianista tem a sua origem em tempos remotos, e não no nosso tempo, e portanto só será desvirtuoso atribuir significados correntes a mitos ou situações que só fazem sentido (isto é, que só estão perfeitamente contextualizadas) nos seus próprios tempo e espaço. O primeiro procedimento será, então, pensar como alguém que viveu na época em que esse Mito terá surgido sob a sua face sebastianista. E o que significa pensar como alguém dessa época? Significa sobretudo estudar esse contexto histórico e tentar descobrir quais as redes de associação de ideias que poderiam existir na mente de uma pessoa que vivesse nesse mesmo contexto. Aqui, essas redes de associação de ideias referem-se tanto aos objectos físicos, do quotidiano, como aos termos empregues para os designar; e mais importante que isso, referem-se sobretudo às associações mentais signo-significado que eram atribuídas. No caso de um mito que é discorrido em textos e registos escritos, utilizando a linguagem escrita, ou seja, as palavras, é então necessário fazer o levantamento conceptual dos termos empregues na descrição do mito: identificar as palavras utilizadas e tentar encontrar quais os sentidos ou significados que eram atribuídos a cada uma dessas palavras. Mas a exegese de um texto, seja ele qual for, não se pode basear somente em palavras, visto que estas se encontram organizadas em frases, e estas em corpos de texto mais ou menos complexos, de ordem superior. É, portanto, necessário ainda tentar encontrar qual o sentido ou significado de cada uma das frases do texto escrito, e de cada um dos parágrafos, até que se chegue ao sentido ou significado de todo o texto. É preciso clarificar também outro aspecto: é que esta interpretação não parte da soma de significados consoante os termos empregues. Esta interpretação parte, isso sim, da procura da emergência de novos sentidos ou significados pela colocação de determinados conjuntos de palavras em proximidade ou à distância uns dos outros. Aplicando o conceito da Ecologia de princípio emergente, é necessário reconhecer se existem (e a investigação neste campo da Semiótica parece mostrar-nos que a máxima gestaltista de que o todo é muito mais do que a mera soma das partes se verifica, veja-se o exemplo de textos como os de Umberto Eco) significados diferentes dos normalmente associados a cada uma das palavras utilizadas de forma isolada. O conjunto desses princípios emergentes, a que podemos chamar efeitos de sentido (são os princípios que se subentendem a partir de um texto e que têm como objectivo criar uma nova constelação de significados que se eleve para além da mais habitual ou corriqueira acepção), é que são o verdadeiro objecto de estudo para o historiador do Mito ou da Religião. Há, portanto, que primeiro saber compreender (saber ler) a linguagem que é utilizada para escrever cada palavra do texto. Depois, é necessário saber qual o significado que a cada palavra, naquele contexto histórico, se lhe atribuía. Em seguida, é preciso procurar os princípios que emergem do posicionamento de determinadas palavras ao redor de outras. Depois, os princípio que emergem da localização de determinados conjuntos de palavras, e de frases inteiras, em consonância com outras. Finalmente, é preciso encontrar qual o sentido emergente do texto, qual o seu objectivo, qual o seu papel, qual a sua importância global. O verdadeiro significado do mito sebastianista só se pode compreender quando elevamos a nossa interpretação até aos níveis mais cimeiros da rede de associações conceptuais que é criada pelo texto.

O que aqui se defende, neste aspecto, é que quanto mais nos aproximamos dessa rede de associações conceptuais, mais deixamos de focar a nossa atenção no objecto físico que constitui o suporte para a palavra (ou seja, aquilo que a palavra nomeia) e mais focamos a nossa atenção no objecto conceptual que está ou que foi pretendido estar por quem elaborou um determinado texto. Com uma exegese deste tipo é possível chegar, caso ele exista, ao significado atemporal (que escapa completamente ao domínio do tempo) e aespacial (que escapa completamente ao domínio do espaço) do texto, a Ideia Pura, ou o Conceito Puro. E é aí que tudo se revela (se houver alguma coisa para se revelar, bem entendido. Se um texto não possui essa dimensão supra-temporal e supra-espacial, diremos um significado simbólico ou arquetípico, esta análise não faz sentido algum. Da mesma maneira, a exegese só poderá ir até onde o autor, consciente ou inconscientemente, levou o texto, e caso ele não tenha chegado até este nível de riqueza conceptual, então qualquer análise de ordem igual ou superior é irrisória.).

Portanto, sendo o Mito verdadeiro e autêntico da ordem do puramente conceptual, ou sabendo que a sua existência só é possível pela existência de um plano de interpretação simbólica (em que os objectos físicos ou palavras são apenas suporte para associar a cada um deles um conceito puro, uma ideia puramente conceptual), essa é a única forma verdadeiramente válida de interpretar o verdadeiro significado (não é mais que chegar até esse significado) pela exegese do texto. É aqui que reside toda a importância do Mito, e neste caso particular do Mito Sebastianista.
não espero nada, apenas faço.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

everything ends


















... but everything lasts

está muito na moda falar clinicamente em famílias disfuncionais. A verdade é que é o próprio conceito de família que é disfuncional porque estão a nascer todos os dias novos tipos de família.
Sinto um horror à possibilidade de inconsciência após a consciência. Ou talvez seja tudo farsa - se tanto a inconsciência como a consciência não nos pertencerem - ou se a consciência que pensamos possuir for apenas um outro tipo menos ofuscado de inconsciência.

Mitologia da Saudade I

APOLOGIA À SAUDADE

Qual é a verdadeira importância e significado da saudade que é tão nossa, que é tão portuguesa? Há que distinguir os significados exotérico e esotérico. A saudade, que é entendida como o fado, para a maior parte dos portugueses, é a definição exotérica. A saudade enquanto sofrimento, enquanto destino inevitável, enquanto saga sofrida e de sofrimento. A perpetuação do sofrimento pela perda de algo mais, seja pela morte, seja pelo esquecimento, seja pelas vicissitudes da vida. A saudade no seu aspecto mais negativo, o do sofrimento perpétuo. Este é o pólo exactamente oposto daquilo que realmente significa a saudade. Entendida esotericamente, a saudade é o sentimento indefinível mas inteligível para nós, para os do nosso mundo, de que houve um tempo de abundância e de plena paz, houve um tempo do Ser e do Espírito, houve em tempos que não existem e em espaços que não o ocupam um tempo do Sopro que fazia com que a Potência e o Acto fossem Um e a mesma coisa. A verdadeira saudade é essa memória ancestral, arquetípica, uma autêntica memória do Céu das Ideias de onde tudo proveio, como diria Platão. Mas a saudade não é só isso. Para além do carácter estático de memória, aquilo que já foi, e para além do carácter dinâmico de sofrimento presente (pela inexistência da plenitude que em tempos idos houve), e que é hoje tão presente, há ainda um pequeno núcleo, um embrião frágil de esperança, da esperança que nos leva a pensar, a falar, e sobretudo a sentir, um mundo melhor, um futuro em que esse sofrimento tenha o seu derradeiro fim, e onde possamos novamente casar a Matéria com a Ideia, para sempre. E como se essa ideia de saudade, da verdadeira saudade, não fosse suficiente para manter a chama do Mito viva, e para que possamos andar para a frente, sempre para a frente e para cima, houve por força que gravar na pedra da história de Portugal esse mito sebastianista, que não é mais que uma projecção nas brumas da memória do futuro, o futuro que reencontra o passado, e que se cumpre no presente. Diremos, e sem sombra de dúvida, que Portugal está fundado sobre o Mito, e que Portugal é o próprio Mito, e que de outra maneira não poderia ser, porque Portugal nasceu no preciso momento em que essa saudade foi sentida de outra maneira, não da maneira exotérica, nem somente da maneira esotérica, mas sim quando uma foi casada com outra, e quando, por diversos agentes, neste ou naquele campo, Portugal foi cumprido. A Ideia foi certamente anterior à sua consubstanciação, mas essa mesma consubstanciação é que tornou possível a realidade do Sonho. E é por isso que nunca nós, portugueses, nos cansamos de sonhar - é que se o Sonho que já foi sonhado já se cumpriu porque não se poderão cumprir os outros Sonhos Futuros?

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Portugal é o país onde se diz mal de tudo e onde se não faz nada para alterá-lo.
Pelo menos metade dos problemas no processo de aprendizagem académico seria resolvida se os docentes partissem não do seu ponto de vista, mas do ponto de vista dos seus alunos. Partir do ponto de vista do docente significa explicar um determinado conteúdo como se se já soubesse o que lá vai dentro. Partir do ponto de vista do aluno significa explicar um determinado conteúdo como se se não soubesse o que vai lá dentro. E isto faz toda a diferença. Primeiro, partir do ponto de vista do aluno requer um discurso bem fundamentado, articulado, coerente e lógico. É preciso referir e explicar cada passo, encadeando logicamente os assuntos tratados, de modo a que seja possível ao aluno compreender, por si próprio, qual a relação e a ligação entre os temas. Ensinar é como construir uma ponte entre aquilo que se sabe e aquilo que não se sabe. Sempre que se falha alguma tábua de madeira há sempre o risco crescente de se cair no abismo da ignorância. Só quando todas as tábuas estiverem bem pregadas tanto à estrutura da ponte como umas às outras se poderá chegar ao outro lado sem pôr em perigo a vida.
Meu destino é ser pintor de retratos
Mas mais que isso, é pintar com a mão
Nos pincéis molhados
Com aquilo que vai ao coração

Mas quando tento pintá-lo
Nessa parede de cartão
Do coração jorra um halo
Que se estende até à razão

Procurá-lo? Não procurá-lo?
Entretendo na teia infinita
Que faz desta dita maldita

Senti-lo ou enxergá-lo?
Quanto mais foco esse halo
Mais se difunde fé inaudita

Pensá-lo? Amá-lo.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

viver não é preciso, o que é preciso é ser grande.
Quanto mais bonito é o exterior de uma pessoa mais fácil e mais perigoso é para essa pessoa descurar o seu interior.

domingo, 26 de agosto de 2007

a melhor sensação do mundo

a sensação de frescura quando acabamos de lavar as mãos
a vida é demasiado curta para que possamos aprender e fazer tudo aquilo que queremos. Não é nenhuma constatação derrotista: é simplesmente um facto corroborado por um grande número de observações. De nada nos serve tentar fazer ou aprender tudo, primeiro porque nem tudo foi descoberto, e depois porque já muita coisa foi feita. A única fórmula para a vida, se é que possa haver uma, ou se é que se possa chamar a isso fórmula, é aprender com aquilo que nos acontece, e fazer aquilo que temos que fazer. Se não vamos conseguir ler todos os livros que já foram escritos no mundo, para quê tentar lê-los? Mais, há muitos livros maus, péssimos mesmo, que não adiantam absolutamente nada ao nosso processo de aprendizagem. Portanto, a única resposta possível é seleccionar. Escolher. O mais conscientemente ou inconscientemente possível. Suficientemente consciente para que saibamos que estamos a fazer uma escolha, e que essa escolha vai ter um conjunto de consequências que vão influenciar a nossa vida para sempre, e sabendo que essa escolha faz com que todas as outras escolhas possíveis deixem de ter significado real para nós. Suficientemente inconsciente para que não saibamos quais vão ser essas consequências, para que estejamos suficientemente abertos à novidade para que possamos escolher entre o maior leque possível de escolhas, para que possamos seleccionar não o que achamos ser melhor para nós mas o que vem ao nosso encontro. No fundo é muito simples: é seguir em frente sem olhar para trás.

sábado, 25 de agosto de 2007

Gnosioepistemologia das relações sociais

a partir da análise conceptual primeiramente divisada pela Professora Madalena Dionísio

Como conhecemos uma pessoa? Para abordar este complexo tema, vamos partir de um ponto de vista científico. Como tal, vamos chamar à pessoa o nosso "sistema", o objecto de estudo. À partida, o nosso sistema em estudo é-nos totalmente desconhecido se dele não tivermos tido sensação, mesmo que o sistema tenha produzido estímulos que tenham chegado até nós. Como tal, identificamos o nível de conhecimento que extraímos do nosso sistema, que foi zero, como o estado black-box, ou o estado caixa-negra. Sem nenhuma informação acerca da constituição do nosso sistema, ele é como que uma caixa-negra perante nós (usaremos esta metáfora ao longo da nossa análise).

As primeiras sensações que podemos ter do nosso sistema, da nossa caixa-negra, são as sensações que resultam da emissão permanente de estímulos pela nossa caixa-negra. Partimos do princípio que mesmo a mais negra das caixas (passemos a expressão) emite, pelo menos, um pequeno conjunto de estímulos que podem chegar até nós. Se a caixa-negra não emitir qualquer estímulo, então dever-se-á saltar esta parte da análise e seguir para a próxima.

Se, de facto, existe uma emissão permanente de algum tipo de estímulo, é por aí que devemos começar. Mas primeiro é necessário certificarmo-nos de que o estímulo é emitido sempre, isto é, mesmo na nossa ausência e de forma constante no espaço e no tempo. Utiliza-se a diversa tecnologia de sensores que já foi desenvolvida para registar estes estímulos.

Há que salvaguardar ainda a hipótese de que não tenhamos aparelhos suficientemente avançados que permitam registar todos os estímulos emitidos, tanto pela sua profusão (em quantidade) como pela sua natureza (em qualidade). Se tal é o caso (coisa que apenas podemos supor), então devemos eliminar da equação este tipo de considerações. Toda a análise realizada é apenas uma análise relativa, e nunca absoluta.

Para além disso, devemos ter em mente que se o sensor a utilizar é biológico, isto é, se somos nós próprios o sensor a utilizar, poderemos não captar os estímulos que escapam à nossa percepção sensorial. Assim, Poder-nos-ão escapar algum tipo de estímulos, ou então alguma ordem de estímulos pode não ter uma acção suficientemente estimuladora dos nossos sensores para que possamos sentir algo. Também estes casos devem ser eliminados da equação, pois baseiam-se em suposições que não podem ser quantificadas até ao momento em que forem operacionalizáveis.

Suponhamos que os primeiros estímulos que chegam até nós e nos provocam sensações são os estímulos visuais. Podemos aqui obter algum tipo de informação, informação quantitativa e qualitativa. Esta descrição é suficiente para que possamos classificar a nossa caixa-negra, mas não é ainda suficiente para que lhe possamos atribuir propriedades. Assim, os estímulos visuais podem apenas fornecer-nos informação acerca das qualidades que são permanentemente expressas pelo nosso sistema, e não sobre todas as propriedades do sistema. Aqui, teremos de passar à próxima etapa.

Até aqui a nossa análise baseou-se nas características permanentemente expressas pelo nosso sistema e que podemos captar. Se estas análises forem feitas durante um curto intervalo de tempo, poderemos considerar que o nosso sistema está praticamente inalterado ao longo de todo esse período de tempo. Atribuímos à nossa caixa-negra, assim, um estado de quasi-equilíbrio. A realização de medições durante um curto intervalo de tempo (curto o suficiente para que o sistema não altere nenhuma das suas propriedades visíveis) é importantíssima no passo que se segue.

Visto que a informação que podemos extrair da nossa caixa-negra numa situação de quasi-equilíbrio é extremamente limitada, somos forçados a efectuar estudos numa situação de não-equilíbrio. Uma situação de não-equilíbrio consiste na aplicação de um estímulo à nossa caixa-negra e medição posterior do efeito ou da resposta que o nosso sistema desenvolve nos instantes de tempo posteriores. Assume-se que qualquer alteração registada no nosso sistema em estudo se deve à aplicação do estímulo por nós imposto, seguindo uma lógica de causa-efeito.

Quanto maior for a quantidade e qualidade de estímulos aplicada à nossa caixa-negra maior será a quantidade de informação que dela podemos retirar, via a análise das suas respostas. Após a reunião de uma grande quantidade de respostas face a diferentes estímulos, poder-se-ão procurar padrões de simetria e correlações entre variáveis. Quando os padrões se verificam em uma grande extensão de resultados, e a correlação entre as variáveis é boa, então é possível construir leis que permitam explicar o funcionamento da nossa black-box. Só aí é possível compreender o mecanismo que leva ao desenvolvimento e formação da resposta e, consequentemente, atribuir propriedades que expliquem a constituição deste sistema.

Longos e aturados estudos científicos mostraram que a informação que podemos recolher a partir da imposição de estímulos e posterior verificação de respostas, ou seja, a partir de estudos numa situação de não-equilíbrio, é muito maior e mais rica que a informação que podemos recolher a partir de situações de quasi-equilíbrio. Eis aqui a prova lógica para que, em contexto social, primemos pela estimulação em extensas quantidade e qualidade de todas as nossas black-boxes.
Meus senhores, pense-se a Ciência também, não só os filmes ou os amores, mas pense-se como deve ser.
Aqueles gracejos já não eram novos para ele e agora lisonjeavam a sua tranquila e orgulhosa soberania. Agora, mais do que nunca, o seu estranho nome parecia-lhe uma profecia. O ar tépido e cinzento parecia-lhe tão intemporal, a sua própria disposição tão fluida e impessoal, que todas as épocas lhe pareciam uma só. Um momento antes, o fantasmo do antigo reino dos Viquingues tinha espreitado por entre a roupagem da cidade envolta em névoa. Agora, diante do nome do fabuloso criador, parecia-lhe escutar o rumor de vagas ondas e ver uma forma alada voar sobre as ondas e elevar-se lentamente nos ares. Que significaria aquilo? Seria uma bizarra iluminura a abrir uma página de um livro medieval de profecias e símbolos, um homem-falcão a voar sobre o mar em direcção ao sol, uma profecia do destino que nascera para cumprir e tinha vindo a seguir através das névoas da infância e da adolescência, um símbolo do artista a forjar de novo, na sua oficina, com o barro inerte da terra, um novo ser sublime, impalpável e imperecível?

O seu coração estremeceu; a sua respiração acelerou-se e um sopro audaz perpassou pelos seus membros, como se já estivesse a voar em direcção ao sol. O seu coração fremiu num êxtase de medo e a sua alma levantou voo. A sua alma pairava nos ares por lá do mundo e sabia que o seu corpo estava purificado por um sopro e liberto da incerteza, radioso e diluído no elemento do espírito. Um êxtase de voo deu brilho aos seus olhos e agitou a sua respiração e tornou trémulos, audazes e radiosos os seus membros arrebatados pelo vento.

Onde estava agora a sua adolescência? Onde estava a alma que se tinha mantido afastada do seu destino, para lamber sozinha a vergonha das suas feridas, e se refugiara na sua casa de miséria e subterfúgio, para se revestir de sudários desbotados e coroas de flores que murchavam mal lhes tocavam? E onde estava ele?

Estava sozinho. Estava livre, feliz e próximo do cerne selvagem da vida. Estava sozinho e jovem e predisposto e rebelde de coração, só, no meio do ar selvagem e das águas salobras, da colheita marinha de conchas e algas e da velada luz cinzenta e de figuras de crianças e raparigas envergando trajos alegres e de cores claras, e de vozes infantis e juvenis que se erguiam no ar.

A sua alma penetrava num mundo novo, fantástico, confuso, indistinto como um mundo submarino, atravessado por formas e seres nebulosos. Um mundo, um clarão ou uma flor? Bruxuleando e tremulando, tremulando e desdobrando-se, uma luz que irrompia, uma flor que nascia, estendia-se numa infindável sucessão de si própria, irrompendo, totalmente rubra, e desdobrando-se e desmaiando até ao mais pálido tom rosado, pétala a pétala, onda de luz a onda de luz, inundando os céus com os seus clarões suaves, cada um mais profundo que o anterior.

Ergueu-se lentamente e, recordando o êxtase do seu sonho, suspirou de alegria.


(um pequeno Retrato do Artista Quando Jovem por James Joyce)

simplesmente antónio


Teu nome António

Só aqui é bem chamado

Lá fora nunca foste António

Lá fora és sempre deturpado


Teu nome António

Só aqui é verdadeiro

Porque ficas cá António

Lá fora és sempre estrangeiro


Falar de mim é só pretexto

P'ra me ouvires a cantar

Falar de mim é só pretexto

P'ra me ouvires a cantar

Sempre tive esse defeito

De nunca me lamentar

Quando o mal já está feito

Porque havemos de lembrar


Teu nome António

Teu nome António


Não peças histórias como a tua

Não te quero repetir

Não peças histórias como a tua

Não te quero repetir

Sou como uma criança nua

Que ainda sabe sorrir

E a verdade nua e crua

Não é a mim que a vais ouvir


Teu nome António

Só aqui é bem chamado

Lá fora nunca foste António

Lá fora és sempre deturpado


Teu nome António

Só aqui é verdadeiro

Porque não ficas cá António

Lá fora és sempre estrangeiro


Talvez a voz com que me ouves

Me esteja a atraiçoar

Talvez a voz com que me ouves

Me esteja a atraiçoar

Não penses que me comoves

Porque eu quero é cantar

Não penses que me comoves

Porque eu quero é cantar


Teu nome António

Teu nome António

Teu nome António

Teu nome António


Ver o passado com os meus olhos

É filme que gosto de ver

É um desfilar de sonhos

Que me fazem esquecer

É um desfilar de sonhos

Que me fazem esquecer

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

pensamentos de sexta-feira

os melhores pensamentos são os pensamentos de sexta-feira
só se vive realmente a partir do momento em que se perde a cabeça.
o nosso único e melhor amigo somos nós próprios

a vida é isto

a vida é isto: um caderno aberto ao meio com uma página escrita e outra por escrever.
a vida devia ser como o sexo: sem pensar, deixar-se ir...
a solidão é a única coisa verdadeira na nossa vida. Tudo o resto é farsa ou mentira...

Expectativa

Existem três tipos de expectativas: a primeira, mais agreste e mais estéril das expectativas é a expectativa científica: a expectativa de alguém se comportar exactamente da maneira que prevíramos, isto é, exactamente como a imagem que temos na cabeça dessa pessoa.

O segundo tipo de expectativa é a expectativa social: a expectativa de fazer ou dizer coisas de tal forma a que sejamos aceites num grupo, esperando apenas agradar (isto é, dar prazer) a outras pessoas.

A mais velada e mais perigosa das expectativas, a terceira, é a expectativa artística: ultrapassadas as expectativas que nós projectámos nos outros e que os outros projectaram em nós, podemos ainda projectá-las em nós próprios ao incorrer no erro de ter a expectativa de que irá sempre surgir algo na nossa consciência, alguma ideia, para nos ajudar a avançar, a andar para a frente, a evoluir.

Ultrapassadas as três expectativas somos homens verdadeiramente livres.

loneliness is

sinto-me sozinho, e por isso procuro pessoas. O curioso é que depois estou com pessoas, mas continuo a sentir-me sozinho...

viver para dentro

viver para dentro de si é o caminho mais comprido, mais penoso e mais difícil de chegar a bom termo com alguma coisa no bolso. Mas é também aquele pelo qual podemos ganhar mais...

a verdade

a verdade é que tenho vivido a minha vida para dentro de mim.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A Termodinâmica da Vida

Os interessantes e supreendentes resultados da Termodinâmica mostraram-nos leis, padrões ou proporções incríveis que, de facto, governam a própria vida. O conceito de entropia é um deles. O conceito de entropia mostra que todos os sistemas evoluem no sentido de diminuirem a capacidade de eles próprios continuarem a mudar, portanto caminhando em direcção a uma maior estabilidade, a uma situação da qual já não há mais alteração. Aplicando esta interessante conclusão à vida humana, que poderemos determinar? Se todos os sistemas seguem seguem este princípio, então porque não também a própria vida?

Qual seria então a situação em que não poderia haver mais alteração, visto que não haveria mais nada a alterar? Teria de ser a liberdade total e isenta de quaisquer regras ou leis impostas pelos homens, e portanto a obediência às leis naturais, as leis da Natureza, que determinaram a compleição humana. Numa situação dessas o homem poderá desenvolver todo o seu potencial humano, isto é, tudo aquilo que é de acordo com a sua natureza, podendo então cumprir-se por completo.

Para mais fácil e comodamente nos referirmos a essa situação, analisemos que sistema poderia então servir esse estado de liberdade plena. De todos os que foram divisados até hoje, o anarquismo é o único que pode cumprir este objectivo, pois é, de todos, o único que proclama a liberdade total e livre de qualquer restrição imposta pelo homem. Portanto, passemos então a referirmo-nos a esta situação última por meio deste vocábulo.

Se a vida humana é também ela, ou pelo menos pode ser considerada como tal, um sistema termodinâmico, então está sujeita às leis derivadas pelos físicos, e isso já foi verificado até no domínio da Biologia; diremos então: e porque não aplicá-las à Sociologia? (É bom notar que da Biologia à Psicologia e da Psicologia à Sociologia vai um passo). Se podemos considerar a vida um sistema termodinâmico como outro qualquer, então um conjunto de vidas, diremos uma sociedade, também verificará as mesmas regras de que falámos. Assim, faz todo o sentido falar em anarquismo, já que é uma concepção de sociedade como outra qualquer, ainda que se pense aplicar a um domínio individual, pessoa a pessoa. (Deve-se ainda notar que a tónica da presente análise se centra na análise do indivíduo. Assim, mesmo salvaguardando a hipótese de um agregado sociológico possuir propriedades novas, que certamente as possui, os chamados princípios emergentes da Ecologia, é bom não perder de vista que, mesmo possuindo essas novas propriedades, cada um dos indivíduos não pode fugir às leis naturais, isto é, neste caso, à 2ª Lei da Termodinâmica, que mostra que a entropia universal tende sempre a aumentar. Fazendo um paralelismo biológico para ilustrar melhor o que se pretende mostrar, podemos dizer que, apesar de um conjunto de células em cooperação ou coordenadas entre si que forma um organismo biológico apresentar propriedades que escapam a cada uma das suas partes, a cada uma das suas células, cada uma delas segue, de facto, e assim como o organismo, esta 2ª Lei da Termodinâmica. É legítimo considerar um estado, não de equilíbrio mas de quasi-equilíbrio, para cada uma das células individuais de um organismo multicelular como o homem, visto que o aumento da sua complexidade pode parecer, tendo em conta uma perspectiva parcelar e temporalmente limitada, uma negação do princípio entrópico, ou também conhecido como um fenómeno de neguentropia. Porém, e como também já foi mostrado por alguns autores, a quantidade de energia térmica dissipada sob a forma de calor pelo organismo multicelular supera esse estado neguentrópico e permite a existência da vida, mesmo que esta se encontre altamente organizada e compartimentalizada. O que interessa relevar aqui é que a evolução dos sistemas, isto é, a sua mudança ao longo do tempo, é feita ao nível do todo que resulta da combinação das partes, e não apenas da soma das partes individualmente. Portanto, teremos que nos voltar para a consideração dos vários conjuntos que evoluem ao longo de grandes intervalos de tempo, como será em seguida explicitado).

Se estabelecemos então o anarquismo como a situação de, diremos assim, máxima entropia, ou a partir da qual não ocorre mais nenhuma mudança, então, pelo asseverado através da 2ª Lei da Termodinâmica, também a vida humana, colectivamente considerada, e portanto tratada como um grupo sociológico, caminha para uma situação de anarquismo. Esta afirmação, ainda que nos pareça despropositada, merece análise e reflexão cuidadas.

Primeiro, convém lembrar que a lei não é nenhuma lei cinética, e portanto não nos adianta nada acerca da velocidade a que ocorre esta mudança. Resta-nos supor que, se esta mudança ocorresse rapidamente, já estaríamos numa sociedade anarquista e, visto que não estamos, essa tese cai por terra. Assim, será mais prudente e próximo da verdade considerar que a cinética desta reacção, ou desta evolução, é lenta ou extremamente lenta. Mas só fará sentido considerarmos extremamente lenta esta cinética se desde o início da fundação da humanidade até aos nossos dias não houve nenhum passo em direcção à plena liberdade.

Para já, é necessário explicar porque é que este resultado pode nunca ter sido visto antes com esta clareza: primeiro porque ainda não se tinha desenvolvido a área da Termodinâmica; segundo, porque era necessário que passasse bastante tempo para reparar em possíveis padrões que se estivessem revelando, e já vimos que a cinética da reacção é lenta neste aspecto; terceiro, porque era necessário que estivesse bem presente na nossa memória em que consiste essa evolução ou essa mudança, ou, por outra, era necessário que tivéssemos acesso a essa informação, à história da humanidade; era necessário que ela estivesse suficientemente livre e acessível para que pudéssemos proceder convenientemente à procura dos padrões que pudessem levar-nos a concluir sobre o destino da humanidade. Acontece que, ou segundo parece, esta é a melhor altura da história da humanidade para fazê-lo, já que todos esses elementos enunciados convergem. Assim, é-nos possível hoje, melhor que nunca, traçar um perfil histórico acerca do destino da humanidade.

Esta análise é morosa e difícil porque requer uma visão de conjunto que consiga compreender, de uma vez só, a evolução das artes e das ciências numa perspectiva diacrónica e alargada. Antes de mais, é necessário estipular um ponto de partida por onde começar a análise. Em parte devido à profundidade da análise, mas sobretudo devido à nossa ainda existente ignorância acerca de todos os aspectos artístico-científicos da Antiguidade Clássica e culturas e eras posteriores, bem como de culturas não europeias, restringimos a nossa análise aos registos escritos e aos registos talhados na rocha, aqueles que mais garantias de autenticidade nos oferecem. Assim, optamos por começar pela Idade Média Europeia, que pode ser considerada como o embrião daquilo a que hoje se chama Europa.

(...)

A análise destes padrões mostra que, de facto, houve um aumento da liberdade pessoal e colectiva, isto é, tanto a nível familiar como a nível social. Estes padrões mostram que é possível que a mudança não seja extremamente lenta, caso contrário não seria possível detectá-la, mas sim que ela é apenas lenta. Contudo, ela ocorre, e podemos antever por breves instantes que não cessará de crescer, tanto pelo desenvolvimento da Arte (de novas formas de expressão artística, tanto pela mudança do conceito de Belo - comparar a Estética Aristotélica com a Estética Modernista - como pelo levantar da subserviência dessa expressão a algum sistema religioso - a Arte Sacra dá lugar ao Impressionismo - , social - o Impressionismo dá lugar ao Surrealismo - , cultural - Dadaísmo - , político - a Propaganda Nacional-Socialista dá origem à Publicidade - , etc.) como pelos novos desenvolvimentos científico-tecnológicos (a manufactura é substituída pela maquinização, os métodos qualitativos pelos métodos quantitativos, a invenção do livro, seguida do rádio, da televisão, e finalmente da internet, etc.). O campo que mais se tem desenvolvido nestas últimas eras é o da Tecnologia, e talvez estejamos mais próximos de uma era tecnológica da informação em que existirá a máxima liberdade informativa possível (de acesso à informação) - a Internet é já uma prova disso mesmo.

Com tantos e tão grandes avanços, quem sabe o que o futuro nos reserva?

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Fenomenologia cerebral

O problema e ponto forte do nosso cérebro é que ele é preguiçoso demais para ver os objectos um a um, separados no espaço e no tempo, e prefere então encontrar padrões, associações, cadeias, ligações, para melhor armazenar a informação que capta e compreender algo que, em si, é incompreensível - a vida.

Diários

O que são Diários? São ideias espalhadas ao vento, à espera de alguém que lhes pegue e lhes dê algum bom uso.

Epifanias

Deixei de depender dos outros a partir do momento em que perguntei: porque é que tenho que ser sempre eu a começar uma conversa?

Artista

Artista é aquele que vê aquilo que os outros apenas olham.

TV

Televisão: "A caixinha que mudou o mundo". Um perfeito disparate. Quem mudou o mundo não foi uma máquina, fomos nós.

O que é a arte?

O que é a arte? Ultimamente tenho andado às voltas com esta pergunta. Será que é arte aquela sucata que vemos exposta num museu qualquer? É claro que não. A verdadeira arte é algo único, é algo completo porque tem um sentido. A arte enquanto prazer puramente estético não é nada. Se não existe profundidade, então ela é fútil e bem pode ser queimada. O que é importante na arte é o facto de ela transportar uma mensagem, de estar lá por um motivo. De ter um objectivo. De não ser estéril. De ser uma ocupação válida de alguém. De valer os subsídios que (ainda) lhe pagam. Para que servem os poetas, os escritores e os artistas senão para papar subsídios ao governo? Todo o artista é uma sanguessuga do governo em que se encontra. Mas é preciso ir mais longe que isso. Esse esforço, esse empenho, esse dinheiro, têm que ser justificados! Criar algo é fazer algo novo, algo que nunca ninguém fez, algo que acrescenta à vida mais do que o que ela já tem, que faz as pessoas verem o mundo de outra forma, que faz as pessoas sentirem-se inspiradas e criar também... Isso sim é que é criar. Isso sim é que é ser artista. O resto é só paisagem. O resto é publicidade a meio de um filme, quando o que interessa é o filme que estamos a vendo e não os produtos que nos tentam vender. Ser artista é dar sem querer vender, e vender como quem dá. Outra coisa é ser um autêntico chupista. Porque é que é importante haver pintores, e escritores, e escultores, e fotógrafos, e todo o tipo de artistas? Porque são eles que fazem andar o mundo. O mundo avança pelas ideias, e só é possível avançar se houver ideias novas que superem as velhas. Por isso é preciso haver artistas. Para se poder andar para a frente, e andar para a frente é sonhar. O mundo é a única coisa que existe que está assente nas nuvens, e não em ferro ou madeira ou aço. Todas as descobertas, todos os avanços, tudo o que nós temos hoje se deve aos artistas, porque foi o facto de terem sonhado e de terem mostrado aos outros o que era o sonho e o que podiam fazer para concretizá-lo que que fez com que chegássemos onde chegámos. O mundo não é feito pelas pessoas, o mundo é feito pelos poetas. E aqueles raros que conseguem passar de poeta a poema passam a ser o próprio mundo, que é a maior honra e a maior bênção que um poeta pode ser.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

a poesia é um furacão

Porque é que as pessoas
Têm um gosto imenso
Em meter acento no cu
E especialmente quando nu
Será prazer de incenso?

Pois que assentem o cu onde quiserem
No despido ou no nu
Ou onde couberem
Que eu uso o meu assim
Nu
O cu com que nasci

E tu
Que olhas assim para mim
Vai mugir essa língua mal assentada
Para algum jornal ou revista afectada
Que eu cá continuo aqui
Nu
E só com o cu à mostra
Que a mim ninguém me entala aí.

Receita Para Uma Vida Perfeitamente Normal

Eu não cresci em Lisboa.
Nem sequer tive tempo para viver em cidades grandes.
Ainda fui nascer numa, sabe-se lá porquê, quem sabe por engano.
Ou porque me queriam mostrar primeiro aquilo que não sou nem nunca serei para que não andasse a meter ideias na cabeça.
O meu pai não é nenhum diplomata. Ou grande comerciante. Não tem mais dinheiro que um ajudante.
Não é advogado, ou doutor. Não é artista ou chupista, e também não é escritor.
É um homem. E é quanto baste.
Não há por aí muitos assim, para falar verdade.
Só conheço príncipes e doutores.
Minha mãe também não é duquesa. Ou marquesa. Ou menina de louvores.
Não é professora universitária. Nem sequer como o meu pai bancária.
Só professora de pequenos terrores.
Aqueles que os pais já não educam e que são facilmente descartados na escola.
Esses é que são os verdadeiros horrores.
Mas também não é artista, ou chupista.
É uma mulher. E mais nada.
Porque para mãe não se pode ser criada. Talvez um pouco, mas sem abusar.
O que é preciso é saber dar de mamar. E isso ela sabe.
Por isso nasci eu.
Filho de nenhum matemático, e de nenhuma senhora de letras.
Apenas de um funcionário, de uma mulher de rendas pretas.
Não nasci em berço de ouro, só desinfectado.
Rodeado por aqueles que me amam. Ou que me fazem sentir-me amado.
O que já é outro tanto.
Mas também não tenho grande cuidado.
Vivi em pequeno num apartamento. Bem que podia ser alugado.
Mas tinha tecto e alento. E às vezes era apertado.
O que pode nem ser assim tão mau. Se se tiver cuidado.
Mas também não me apoquento.
Nem sequer com a escola que frequentei, e muito menos com a que frequento.
Também não fui grande doutor, apenas curioso. Por natureza.
Quis ela me prendar com a empresa de sonhar em ser doutor.
Mas não,
Que a franqueza deixei de lado no prato. Passei-a à mãe.
Ela bem que o não queria. Mas teve que ouvir.
Uns são com e outros são sem.
Mas nem a escola nem os colegas.
Nem o sítio me serviam.
Tinha o pé grande ou o sapato apertado,
A verdade é que não me ouviam. E nem sequer eu.
Mas andava lá, sempre pelo estrado
ou pelo passeio. Num passeio desengonçado,
sem ficar cheio.
Fosse ou não fosse atestado.
E mesmo sem o saber sem freio.
Que agora já foi arrancado.
Não estudei em nenhum Liceu Camões ou Pedro Nunes.
Nem fui colega do Mário Soares.
Tinha como companheiros a merda e o cagares.
E assim é que ia andando.
De alguns só tinha espanto.
Fiz amigos e inimigos. É sempre bom ter as coisas equilibradas.
Apaixonei-me por doutos e mendigos. E mandei-os à merda.
Que é o que se deve fazer quando nos cagam em cima.
Meti-lhes os culhões pelo cu acima. E ainda lhes soube a azedo.
Fiquei eu cheio de peninha, até tenho cara de galinha.
Se não podem com o andar, atirem-se da ponte abaixo!
Mas não façam cara de vítima. Ou de pobre coitado.
Que isso é coisa que não existe.
E com a boca aberta e o cu mais relaxado,
Lá fui endireitando a minha vida.
Não gosto de café, ou de drogas, ou de serões de veneração.
Prefiro o conforto de estar sozinho. Sem etiquetas e sem vinho.
Só com o gosto da minha podridão.
Ele é muito mais quentinho. E ainda dá para lavar a mão.
Que falam? De dificuldades? Mas vocês sempre dormiram em berço de ouro,
E cagaram em penico de prata,
E falaram do alto da gravata,
Foram colegas do Mário Soares e do Saramago,
Beberam cafés e andaram ao estalo,
Foram filhos de artistas de rua e de estrada,
E agora acham que não têm as curtas vistas
Mais vistas que as da minha entrada?
Vão-se foder sua cambada de chupistas!
Vocês não valem é nada!
Sabem lá o que é o Alentejo!
Quando o calor nos bate na face e o corpo destila de prazer,
Sabem lá o que é acordar com o ar fresco no olhar quando só apetece foder
Pintam uns riscos e são donos do mundo,
Mas que merda é que comem ao pequeno-almoço?
Vocês são as imagens que têm de vocês próprios
Aquelas que não envelhecem, só fazem é doer.
Matem-se todos, obnóxios.
Nunca souberam nem sabem o que é viver.

E se não gostarem destes despropósitos
Porque não nasci, não cresci, não estudei, não fumei
como vocês
Peguem neste rolos de palavras em enxurrada
Abram o rego que vos sulca a entrada
Metam-no no cu e sangrem de prazer.
Ainda vos hei-de ir todos ao cu
E hão-de pedir mais mesmo sem querer!


a Mestre Luiz Pacheco

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Uma fotografia
Não há nada de mais não-real.
Uma fotografia é uma coisa que já passou
Mas que ficou gravada num papel brilhante e sedoso
Já não existe para lá do momento que passou.

Mas se eu a vejo agora com os meus olhos
É porque esse papel existe,
E essas cores que estão gravadas nesse papel.
É essa a razão de existir a fotografia.
Mas se ela não existe e o seu papel e as suas cores existem
Por que razão as consigo ver?
Se as vejo é porque vejo o papel e as cores, e não o que já não existe.
Vejo apenas o que existe, e não o que já passou.

a Mestre Caeiro
a minha vida é ver
a minha vida não, viver é ver
por isso nunca me canso de ver
e mesmo que me cansasse, não poderia viver de outro modo

a Mestre Caeiro
Devíamos mudar o sentido das palavras
Para que não víssemos as palavras, mas apenas as coisas.
E celebrar a morte como a vida das pessoas,
Porque a morte é como a vida, nada mais que uma mudança.
Uma mudança para uma coisa que não se sabe
E que não vale a pena pensar.
Como quando quem nasce não sabe o que vai ser no futuro
Porque não lhe puseram na cabeça nenhuma ideia de futuro
Nem sabem o que é morrer ou viver.

para Mestre Caeiro

domingo, 19 de agosto de 2007

Qundo a erva crescer em cima da minha sepultura,
Seja esse o sinal para me esquecerem de todo.
A Natureza nunca se recorda, e por isso é bela.
E se tiverem a necessidade doentia de «interpretar» a erva verde sobre a minha sepultura,
Digam que eu continuo a verdecer e a ser natural.

Mestre Caeiro

Retrato do Verdadeiro Poeta

(...)
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

pela mão do Mestre Alberto Caeiro

Carta Aberta a Todos os Falhados

Parabéns por serem os falhados.
Parabéns por serem aqueles que irão remexer-se na merda que hão-de cagar em cima dos outros.
Parabéns por não serem interessantes.
Parabéns por não saberem se hão-de vestir um vestido verde ou preto ou amarelo a condizer com os sapatos.
Parabéns por não saberem em que dia vão marcar férias para um país estrangeiro.
Parabéns por não conseguirem fazer mais nada senão pensar em vocês.
Parabéns por foderem todos sem perguntar se eles querem foder convosco.
Parabéns por não poderem esperar que a empregada que tem enxaquecas e é mãe solteira e faz horas extraordinárias no restaurante de cinco estrelas onde vão comer tenha alguns minutos para ela.
Parabéns por usarem o mundo como tapete de entrada para limpar os pés sujos.
Parabéns por jogarem bilhar com os olhos das outras pessoas.
Parabéns por acharem que são o centro do mundo (by the way, no centro do mundo só existe merda a ferver em caldos fumegantes).
Parabéns por mijarem de pé enquanto fazem o pino em cima de alguém.
Parabéns por desperdiçarem um milionésimo da vossa fortuna com os pobres e serem vistos como os benfeitores do mundo.
E parabéns por tudo.
Nada vai alterar nem uma única linha daquilo que fizeram, tudo o que foi feito está feito e não pode voltar atrás.
E vocês vão ter que viver com isso até ao fim das vossas vidas.
Até que enlouqueçam, morram ou se matem.
Ninguém se safa desta vida (No one gets away from this life).
E vocês muito menos.
recordo uma vez ter assistido a algo surreal (e isso não significa que não pareça real, significa sim que foi tão real que explicava tudo). Tinha ido a um local bastante comercial, em que punham algumas pessoas num palco a entreter convidados que se empanturravam de marisco. Na verdade não sou grande apreciador de marisco. E quando passei por esse sítio onde estava um mar de gente, todos cuidadosamente dispostos em mesas redondas, ou mesmo que não fossem dizer mesa redonda fica sempre bem, estavam uns gajos, e sim, gajos é a palavra certa, a tocar qualquer coisa, e aqui qualquer coisa também assenta bem. Notava-se que esses gajos eram portugueses, e notava-se também, bastante bem, porque estavam a cantar em inglês, o que mostra que gostam mais do que é estrangeiro do que o que é nacional, mesmo que o que seja estrangeiro seja uma autêntica merda. De qualquer maneira, eles lá estavam a tocar algum pop/rock ou rock alternativo e bastante comercial (sim, como é que é possível fazer alguma coisa como essa?) e ninguém lhes estava a prestar atenção. A meu ver parece-me a atitude certa, eles não eram propriamente bons, apenas uns sósias mal-amanhados de qualquer coisa que ninguém sabe o que é, a berrar como um bando de ovelhas. E, seguindo essa longa tradição portuguesa de fazer figuras tristes e de venerar o estrangeiro (não são adoráveis aquelas palavras allgarve... nem por um momento lembram uma aberração da natureza lusa...), no final da actuação, ou da coisa que ali estavam fazendo, puseram-se a berrar, como fazem os estrangeiros, claro, e a chamar nomes às pessoas. O espectáculo era digno de ver. Mas o espectáculo não era o que os gajos estavam a dar, era o que o que o público estava a dar. Ignoravam-nos completamente. Nessa altura pensei que eles estavam a ser muito mal educados para com uma banda que ainda agora estaria a começar e que precisava de um incentivo moral (e financeiro, provavelmente) para se lançar no vetusto panorama musical português. Não estava propriamente errado, apenas era um pouco ingénuo, mas isso todas as crianças o são. Não me lembro se os aplaudi no fim, mas talvez o tenha feito. Pura compaixão, compreende-se. Sempre fui muito dado a sentir o sentimento dos outros como meu. Enfim, os gajos lá foram embora. Foi engraçado. E triste ao mesmo tempo. Sim, também é verdade que levo as coisas muito a sério. Mas o surreal foi ter havido uma troca de banda (de banda ou de bando?) para outros gajos (sempre gajos) estrangeiros horrorosos, piores ainda do que os primeiros. E eram piores não só porque eram estrangeiros, mas porque ainda eram mais comerciais. Eis que, no meio de toda aquela estranheza, uma coisa fantástica e fabulosa acontece: os estrangeiros põem-se a tocar e a cantar aquela sua música, tão conhecida de todo o sítio, tão badalada, e tão comercial, e as pessoas, lentamente, começaram a emergir da sua letargia colectiva e a dançar de forma autómata ao som daquela música (daqueles sons). Mas pior que isso, começou uma autêntica enxurrada humana para ver os estrangeiros e aqueles estranhos sons que produziam já embalados e digeridos para fácil e prático consumo de massas. Como passarinhos recém-nascidos, os portugueses e não-portugueses que ali se encontravam, e de certeza que seriam mais os não-portugueses porque estavam a venerar o que era estrangeiro, começavam a digerir a papinha que os segundos gajos vomitavam (regurgitar aqui talvez fique esteticamente mais atraente). Achei que a cena era um pavor. Na verdade era hilariante. Profundamente irónica, não é? Profundamente estúpida. Como toda a estupidez que ainda resiste em Portugal e em todo o mundo.

Prémio Vamos Lá Abrir Os Olhos

Ora o que é um anarquista? É um revoltado contra a injustiça de nascermos desiguais socialmente - no fundo é só isto. E de aí resulta, como é de ver, a revolta contra as convenções sociais que tornam essa desigualdade possível. O que lhe estou indicando agora é o caminho psicológico, isto é, como é que a gente se torna anarquista; já vamos à parte teórica do assunto. Por agora, compreenda você bem qual seria a revolta de um tipo inteligente nas minhas circunstâncias. O que é que ele vê pelo mundo? Um nasce filho de um milionário, protegido desde o berço contra aqueles infortúnios - e não são poucos - que o dinheiro pode evitar ou atenuar; outro nasce miserável, a ser, quando criança, uma boca a mais numa família onde as bocas são de sobra para o comer que pode haver. Um nasce conde ou marquês, e tem por isso a consideração de toda a gente, faça ele o que fizer; outro nasce assim como eu, e tem que andar direitinho como um prumo para ser ao menos tratado como gente. Uns nascem em tais condições que podem estudar, viajar, instruir-se - tornar-se (pode-se dizer) mais inteligentes que outros que naturalmente o são mais. E assim por diante, em tudo...

As injustiças da Natureza, vá: não as podemos evitar. Agora as da sociedade e das suas convenções - essas por que não evitá-las? Aceito - não tenho mesmo outro remédio - que um homem seja superior a mim por o que a Natureza lhe deu - o talento, a força, a energia; não aceito que ele seja meu superior por qualidades postiças, com que não saiu do ventre da mãe, mas que lhe aconteceram por bambúrrio logo que ele apareceu cá fora - a riqueza, a posição social, a vida facilitada, etc. Foi da revolta que lhe estou figurando por estas considerações que nasceu o meu anarquismo de então - o anarquismo que, já lhe disse, mantenho hoje sem alteração nenhuma.

a sabedoria de Fernando Pessoa enquanto O Banqueiro Anarquista

o homem superior

One should always be in love. That is the reason one should never marry.

In this world there are only two tragedies. One is not getting what one wants, and the other is getting it.

We are all in the gutter, but some of us are looking at the stars.

There is no sin except stupidity.

I have nothing to declare but my genius.

One should always play fairly when one has the winning cards.

A little sincerity is a dangerous thing, and a great deal of it is absolutely fatal.

Always forgive your enemies; nothing annoys them so much.

America is the only country that went from barbarism to decadence without civilization in between.

Consistency is the last refuge of the unimaginative.

Genius is born - not paid.

If you want to tell people the truth, make them laugh, otherwise they'll kill you.


by Sir Oscar Wilde
o homem superior esgrime a sinestesia contra a anestesia

objectivo final: a sinestesia total

oh sr. Michael Bublé, eu sei que o sr. até nem canta mal, a voz é doce apesar de soar a normal, mas por favor por favor não tente ser o que não é, não tente imitar o Frank Sinatra que lhe fica mal

Breve História Do Futuro

Vivemos na era da overdose de informação. Quando antes falávamos de inacessibilidade cultural a todos, hoje temos um excesso de informação a atravessar-nos todos os dias. Só poderemos superar esta situação de dois modos: ou diminuindo a parcela de informação em trânsito todos os dias ou aumentando a nossa capacidade perceptiva para que possamos assimilar e acomodar essa informação. Que solução será a melhor? Ainda que possamos discordar de outros pontos, a verdade é que existe, de facto, um limite físico para a nossa capacidade perceptiva, isto é, para a quantidade de informação que podemos percepcionar num dado momento. Para além de esta restrição sensorial (e é bom notar que se trata de uma restrição que é devido à configuração que possuem os nossos sentidos; exemplos: os nossos olhos só conseguem ver um dado número de imagens por segundo, só são estimulados num intervalo de alguns comprimentos de onda, só conseguimos ouvir determinadas frequências, etc.), há também que ter em consideração a forma como armazenamos a informação. Na verdade, nem toda a informação é armazenada, ou pelo menos nem toda a informação é armazenada da mesma forma. Há que ter em conta a dinâmica da formação da memória que está associada à captação e armazenamento desta e ao seu esquecimento. Os estudos na área da neurobiologia que foram até então realizados apontam um resultado interessante: recordamos mais facilmente aquilo que já recordámos previamente mais vezes. Assim, parece existir uma hierarquia de memórias, não só ao nível da sua captação, visto que seleccionamos aquilo que é mais importante de entre o que é menos importante, e há portanto desde o momento da captação uma polarização dessa informação (aspecto qualitativo), mas também quanto à frequência com que recordamos uma determinada memória (aspecto quantitativo). Os estudos nesta área mostram que o processo de esquecimento consiste não na eliminação da memória, mas sim na construção de um véu de inacessibilidade a essa memória. A natureza dessa inacessibilidade é desconhecida, mas o que parece é que a memória é remetida para as zonas insconscientes da mente humana. Estas são as características da mente humana que nos limitam a uma plena consciência daquilo que armazenamos como memória. Portanto, o aumento da capacidade perceptiva humana está limitado à partida. O percurso mais simples parece ser então o de diminuir a quantidade de informação que chega até nós. Recusando manter a mente sempre ocupada com alguma coisa talvez possamos ter mais tempo para poder recordar mais memórias, e assim aumentar a nossa capacidade perceptiva. Este é o caminho mais fácil e que pode ser trilhado por um maior número de pessoas, e nos próximos tempos será aquele que irá ser privilegiado. Contudo, é preciso notar que, para que não haja uma perda de qualidade na menor quantidade de informação que chega até nós, é necessário que exista uma depuração dessa mesma informação; isto é, a informação que poderá ser percepcionada terá que ser seleccionada, e criteriosamente, para que apenas a informação relevante (ou seja, a informação que nos permite fazer alguma coisa, que nos permite ser aquilo que somos) possa ser captada. Aqui, o papel de todos os meios de comunicação que foram até hoje inventados vai ser essencial. Toda a fartura e superabundância de informação vai ser útil, já que existe tanta informação que cada pessoa terá inevitavelmente que escolher qual a informação a que pretende aceder. Assim, num autêntico processo de transmutação alquímica, aquilo que era defeito passará a ser uma virtude. Esta situação continuará a extremar-se até atingir o ponto em que determinado tipo de informação é preferido em detrimento de outro. Essa valoração diferencial vai levar ao colapso das estruturas informativas, visto que irá deixar de existir quem as apoie e suporte a sua acção. O terreno informativo vai, assim, resvalar e assistir-se-á à derradeira polarização da informação. Enquanto decorre esta crise muita coisa irá mudar no que toca ao modo de organização social. Mas o curioso é que esta depuração, o meio mais rápido de evolução social, vai tornar-se paradoxalmente no meio mais lento de evolução individual. O desaparecimento de determinadas instâncias informativas irá limitar a liberdade de escolha individual, e pode até dar origem a uma ditadura de informação. Assim, esta não poderá ser a única resposta para a evolução da humanidade. Será preciso então aumentar a capacidade perceptiva, isto é, adaptá-la ao novo mundo de informação. Aumentando a capacidade perceptiva (e é bom notar que este se trata de um processo individual, que se dirige não à sociedade enquanto agregado sociológico, mas só e apenas a cada elemento, à pessoa), haverá capacidade para percepcionar tanto a mesma informação que existe, e portanto para exercer uma escolha dessa informação mais consciente, como para percepcionar ainda mais informação, aumentando portanto ambos os aspectos qualitativo e quantitativo. Eis que chegámos ao ponto em que Pessoa chegou: o seu manifesto futurista (e far-nos-á bem dizer futurista visto que se trata de uma história acerca daquilo que se passará no futuro) indica claramente que "não existem curas sociais", e a única maneira de poder aumentar exponencialmente a nossa capacidade perceptiva (ou pelo menos aumentá-la até um ponto que se aproxima de um andamento exponencial) é despersonalizarmo-nos personalizando-nos, ou seja, sermos capazes de nos despirmos da pessoa, dessa máscara que é a nossa, e nos podermos vestir com outras máscaras e até com outros fatos, para que possamos sentir o mundo não só de mais do que uma maneira, mas sim de todas as maneiras. Portanto, não só irá aparecer um supra-Camões, como também referiu Pessoa, mas irão aparecer vários supra-Camões que, numa época de informação generalizada, vão conseguir sentir o mundo de maneiras tão várias e distintas umas das outras que irão desenvolver a sua percepção até onde nenhum outro homem a conseguiu desenvolver. Esses supra-Camões terão o estatuto de Budas autênticos, para falar de acordo com a tradição oriental, ou então o estatuto de Génios esclarecidos, para falar de acordo com a tradição ocidental, visto que dominarão, se não todas, grande parte das áreas do conhecimento humano e conseguirão, sozinhos, e repito, sem qualquer ajuda de outras pessoas, e apenas graças à sua mais ampla capacidade perceptiva, fazer, eles próprios, andar o mundo inteiro. E mais, como já noutras ocasiões da História, irão ser respeitados como ninguém até hoje foi, visto que a sua inteligência ultrapassará todas as expectativas que todos os outros homens possam alguma vez ter sonhado para a inteligência humana. E quando esse dia chegar, teremos na terra o céu e no céu a terra, o em cima como o em baixo, cumprida a Era dos Mil Budas.
A estrutura da mente é tal que o pensamento não segue nenhuma regra rígida ou fixa quer no tempo quer no espaço. O pensamento transcende ambos, já que não se detém por nenhum deles. Por isso, só a nossa capacidade em travá-lo é que determina até onde vamos. Se não impusermos nenhuma peia ao seu avanço, então ele irá para onde quiser. A sua face é a de um anjo, e a sua natureza é como a pomba do Espírito Santo. Esta época em que vivemos é perfeita para que possamos levantar as imposições ou não nos darmos ao trabalho de fabricá-las na nossa mente. Se vivemos num tempo de revelia estética face às regras estabelecidas, então que façamos tudo para aproveitar isso pelo melhor. Não é?

Ciência do Futuro

Qual é a fronteira entre o físico e o não físico (ou o mais-que-físico)? A Biologia. É ela a Ciência do Futuro.
De nada vale ter ideias geniais se elas não são trabalhadas. A perfeição não existe num estado bruto, apenas se revela se a pedra tosca for lapidada. Só aí a verdadeira beleza acontece. Por isso é preciso trabalhar, e trabalhar muito. Não há outra forma para se ser o que se é.
there's no such thing as getting out of the closet.

Analisemos o que esta expressão implica: expôr a sua vida amorosa e/ou sexual em público, isto é, num contexto social. This is a perfect nonsense. Se os homens heterossexuais não expõe a sua vida amorosa e/ou sexual em público, então porque haveria um homem homossexual de o fazer? O mesmo se aplica às mulheres. Esse erro social não é mais que uma tentativa para conseguir controlar, limitar ou demarcar o não demarcável, como se se estivesse a conter uma doença, como a propagação de um vírus. Ainda se vê muito a aversão à homossexualidade, dirão homofobia alguns, e bem, porque se trata da fobia ao ser a que se é semelhante, a outro ser humano! No fundo, a psicanálise deste comportamento revela que estamos perante uma extrema insegurança face à própria sexualidade, e isso mostra que andamos fugindo dela. A nossa herança cultural de influência judaico-cristã instalou nas mentes dos nossos pais (e, por sua vez, nas nossas mentes, por via da educação que deles recebemos) a noção de que existem regras rigorosas e provas pesadíssimas, flagelos e buréis a suportar, e que os instintos naturais, isto é, os instintos que de nós provêm, aqueles de que a natureza nos dotou, são malignos, ou imprevisíveis, e devem, portanto, ser controlados. O que é uma ideia totalmente errada. Devemos, antes de mais, obedecer aos nossos instintos, e isso significa ouvir o que é da nossa verdadeira natureza e não lhe negar lugar na nossa vida. Porque foi a própria natureza que nos fez seres humanos, e se esses instintos naturais (e naturais porque são comuns a todos os homens) deixaríamos de ser humanos. Todas as racionalizações são insuficientes porque todas as racionalizações induzem algo, e criar uma regra é uniformizar algo que não é uniformizável; que é vário e mutante por natureza, e que não pode nem deve aspirar-se a ser controlado.

sábado, 18 de agosto de 2007

Expectativa Social

O que é a Expectativa Social?
Como a etimologia da palavra refere, exspectare significa olhar para o que está do lado de fora. A referência a socius designa companheiro, a ideia que está associada à presença de um outro. Portanto, a expectativa social não é mais que o olhar do outro para o que está do lado de fora. Mas que significado se pretende atribuir a esta expressão? Vejamos então. Se correspondermos este conceito ao objecto que mais próximo está de nós, isto é, nós próprios, então poderemos concluir que sempre que a expectativa social recai sobre nós, alguém (um outro que não nós) se limita a olhar para o que está do nosso lado de fora. Mas dizer que somos olhados por fora implica pressupor que possa existir também um lado de dentro. Das duas, uma: ou o que existe apenas existe como casca exterior, e portanto desprovida de qualquer substância interior, e assim, visto ser esta casca extremamente mutável e inexoravelmente desagregante, devido à usura do tempo, então após a morte não existe absolutamente nada a não ser um punhado de partículas que deram em tempos forma ao corpo; ou o que existe existe como face dual, exteriorizando-se por uma casca que, à semelhança do exosqueleto de artrópodes, vai sendo descartada quando a substância interior já não mais se consegue mover como pode dentro dela. Se existe, de facto, uma substância interior, esta pode ser de dois tipos: ou é perecível como a carapaça externa, e desta dizemos perecível visto que está sujeita a uma desagregação contínua no tempo; ou é imperecível, e permanece sem princípio nem fim transcendendo as leis do espaço e do tempo. O arquétipo ou padrão universal que nos pode auxiliar nesta tarefa é o facto de que, pelo menos, tudo aparenta ser dual, de tal forma que para todos os conceitos existe uma negação desse mesmo conceito que, não apresentando uma diferença substancial em relação ao primeiro, complementa ainda assim o segundo. Da forma exterior já dissemos que terá forçosamente que ser perecível; da substância interior teremos que recorrer a outra observação de natureza menos concreta, mas também não menos clara. Que poderemos dizer nós dessa substância interior? É verdade que existe pelo menos uma parte dessa substância que tem uma natureza mutável, para não concluir já perecível. Se pelo menos uma parte dessa substância muda no tempo e no espaço, então não a poderemos considerar permanente. Será ela mais uma forma do impermanente. E será que a poderemos considerar perecível? Se dizemos que é mutável a sua natureza, então estamos também dizendo que um estado ou forma em que se encontra essa parte se desagrega, visto que pode deixar de existir, e é ainda capaz de reagregar-se, visto que dela podemos ter sinal de novo, mesmo após ter deixado de se encontrar em nós agregada. Portanto, diremos dela que é perecível, ainda que a sua taxa de desagregação e reagregação seja de ordem muito superior àquela que opera sobre a camada exterior. Mas poderá haver alguma parcela dessa substância interior que tem uma natureza permanente?

(continua)

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

a razão para a minha vida solitária é o facto de não suportar a expectativa social que as pessoas atiram para cima de mim.

domingo, 12 de agosto de 2007

ver para além daquilo que os outros vêem só pode ser considerado um dom, ver coisas onde elas não existem só pode ser mais uma forma de miséria.
quando se vêem as coisas que realmente existem tudo o resto deixa de parecer real.
não sei absolutamente nada.
a minha vida é uma sucessão de espantos nos quais constato que nada sei.
custa-me a crer que a maior parte da porção não codificante do DNA genómico de um organismo não tenha função alguma.

sábado, 11 de agosto de 2007

eu podia dar palmadinhas nas costas das pessoas para ver se elas arrotavam, mas prefiro que me vomitem em cima, não escrevo coisas para que as pessoas gostem delas, escrevo para que não gostem delas.

searching for my rumbo diferente

o belíssimo Diferente dos Gotan Project

(e melhor que isto só mesmo ouvir aqueles violinos ao vivo)

é incrível como a maior parte dos críticos só diz porcaria. Será assim tão difícil perceber que para criticar é preciso saber criticar? Quem fala sobre Pessoa, hiperboliza. Quem fala sobre Platão, romanceia. Quem fala sobre Agostinho da Silva, troça. Quem fala sobre Jesus, historiza. Já está na hora de fazer tiro-ao-alvo a todos esses críticos e de os despedir do cargo que não ocupam antes que sejam eles próprios a matar e deturpar quem faz coisas verdadeiramente originais.
De facto, parece-me bastante saudável falar em "cidadãos comuns". Sob pena de passar o pleunasmo, deve-se, contudo, preferir esta expressão à conhecida "somos todos cidadãos". Mas o que é que significa ser-se cidadão? Apenas e só ser habitante de uma cidade. E como as cidades de hoje são tão democráticas e socialistas, faz sentido associar a ideia de "coisa comum" ao conceito de cidadão. O cidadão hoje é a unidade básica da sociedade socializada, uma coisa comum não se distinguindo em nada de outro cidadão. Como robots numa fábrica. O desvio de atenção do conceito de pessoa para o de cidadão, a morte - não de deus - mas do indivíduo na sua dimensão singular e única faz com que esse "cidadão", esse "habitante de cidade" seja nem melhor nem pior que outro. Este erro sociológico que atribui a mesma importância a todos os indivíduos de uma sociedade ao priveligiar apenas o conjunto e não os únicos elementos fundamentais que realmente existem, que são as pessoas, e que não se podem somar matematicamente, asfixia a liberdade pessoal e aligeira a exegese que é possível fazer... aqui está o erro do socialismo, o erro da democracia, erros aliás bastante comuns nos dias que correm. A sociedade, em si, não existe, não tem qualquer existência própria. A única coisa que existe são várias pessoas, tremendamente distintas umas das outras, e cada uma delas única. E só sendo aquilo que se é sozinho, de facto, se poderá ter a plena liberdade para expressar tudo o que se é, livre de qualquer norma sociológica. É por isso que faz sentido falar em "cidadãos comuns" nos tempos que correm. E é também por isso que faz sentido abandonar essa aproximação mal generalizada.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

o grande problema da filosofia é tão somente este: quando as pessoas usam os conceitos não os definem de forma rigorosa à partida. E é isso que gera todas as confusões.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Aviso à Navegação

URGENTE!

PEDE-SE A QUEM ENCONTRAR O CÉREBRO FORAGIDO DE JOSÉ SARAMAGO QUE O ENTREGUE IMEDIATAMENTE ÀS AUTORIDADES COMPETENTES.

A RECOMPENSA CONSISTE NA RESTITUIÇÃO DA VERDADE A PORTUGAL E NO CUMPRIMENTO DA SUA IDENTIDADE NACIONAL.

E MAIS SE ADIANTA QUE SE CURARÁ SARAMAGO DESSA TERRÍVEL ENFERMIDADE QUE O ACOMETEU.

TRATA-SE DE UMA MISSÃO DE INTERESSE NACIONAL!

CONTAMOS CONTIGO PARA CHEGAR A BOM TERMO!

Prémio Meus Senhores, Vamos Lá A Ganhar Mais Dois Dedos De Testa

Diário de Notícias: Qual é o futuro de Portugal nesta península?

José Saramago: Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos.

citação cuidadosa e criteriosamente colhida da edição de 15.07.07 do Diário de Notícias


Vamos lá a ver o que é que me está a escapar... José Saramago, em plena pose de profeta, e, já agora, de falsa modéstia, acha que Portugal passará inexoravelmente a fazer parte de Espanha. Portanto, Portugal passará a ser mais uma futura província espanhola, exactamente igual às outras: uma que clama pela independência justa e merecida que não lhe é dada devido a uma postura de governação centralista e amedrontada com a perda de poder. Não sei porque chama Saramago Espanha a um conjunto de províncias distintas umas das outras pela língua, cultura e território que, para além de não se entenderem umas com as outras, só têm um objectivo importante: adquirir a sua independência, que aliás é merecida e justificada. Não fosse a Coroa espanhola e já tínhamos à volta uns cinco países ibéricos, para além de Portugal. Porque é que não é feita a psicanálise da Espanha que existe? Esse tão inflamado patriotismo que nela existe tem motivos plenamente válidos: primeiro, sobrevem a dor de corno de não terem conseguido, apesar de terem tentado, e bem, anexar Portugal ao seu território. Segundo, uma preocupação constante com a sua identidade cultural espartilhada por aquilo a que se chama "Espanha" leva quase até à loucura o seu nacionalismo (já desde Freud se sabe que quanto mais e com mais força se recalca algo, com mais força e tanto mais ressalta esse algo), ao ponto de se justificar com a morte as suas reivindicações. Terceiro, a própria identidade cultural espanhola é, à semelhança de Pessoa, vária e desordenada, fragmentada em diversas línguas e modos de vida culturalmente distintos (meus senhores, a História prova-o) que, no sentido da sua plena expressão e autêntica liberdade, necessitam de uma autonomia que lhes satisfaça essa imensa vontade de ser. Agora, nos tempos da globalização, vem um português desterrado em terras espanholas dizer aos portugueses de Portugal que eles aceitariam de livre vontade essa perversão que seria juntar azeite e água, coisas que não se misturam? Das duas uma, ou Saramago perdeu completamente o juízo, e é a demência que fala por ele, e nesse caso perdoemo-lhe o atrevimento, ou então Saramago esteve tanto tempo em Espanha que se esqueceu daquilo que é realmente Portugal, e daquilo que são realmente os portugueses. Os portugueses, isto é, os verdadeiros portugueses, nunca e jamais compactuariam com semelhante assassínio da liberdade individual de cada um. E muito menos compactuariam com esse sistema abjecto que é o Comunismo, de centralização total de poderes estatais e de coerção pretensamente não-capitalista que acaba por se transformar na pior ditadura que pode existir. Portanto, se o senhor José Saramago se deixar de tentar impôr aquilo que nunca Cunhal conseguiu, e ainda bem, e se dedicar à pesca, à agricultura, ou à escrita de alguma coisa realmente interessante, em português, já agora, se não for pedir muito, parece-me que o mundo ficaria a ganhar muito mais. Enquanto isso, tenha a honra de receber este Grande Prémio.
é preciso ser-se excêntrico para se andar centrado.

a única maneira de viver é render-se à natureza

a única maneira de viver é render-se à natureza, como Caeiro, sem querer, abandonando-se na relva imensa... que tarda em tudo e faz crescer, tudo no viver é natureza, queira-se o que se quer e faça-se o viver, tudo é pão e vinho sobre a mesa
as pessoas que não saem do seu lugar fazem-me muita confusão. Como é possível pensar que se sabe tudo de antemão? Não é possível viver vida nenhuma no mesmo sítio porque a alma nunca está parada. Move-se, mexe-se e remexe-se num movimento incessante em que tudo estremece como se nunca pudesse ser constante. É impossível parar, tudo está sempre a rolar. Mas, ainda assim, há pessoas que teimam em não avançar. Em enterrar-se na poltrona, ou ficar no seu palácio, viver no ócio impregnadas de opiáceo. Mas não é possível, e nem pode ser assim. Quem vive sem viver não sobrevive até ao fim. Mas e mais que isso, mais que isso que há que fazer? Nada, cada um vive o que vive. Cada um vive, e se não vive que deixe aos outros o viver.

the best show ever


quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Para ir pensando... II

E que tal sequenciar os genomas de todos os seres vivos que for possível encontrar, como defende o Sydney Brenner? Podia ser que sempre aprendêssemos alguma coisa utilizando os novos e interessantes métodos bio-informáticos...

Inteligência ou falta dela?

Dizer que a inteligência artificial existe é, para além de uma pura perda de tempo, uma das mentiras mais mal contadas do nosso século. As máquinas só serão inteligentes se, E SÓ SE, tiverem autonomia suficiente para poderem tomar decisões SOZINHAS, SEM O INTERMÉDIO DE UM SER HUMANO. Tudo o que escape a isso é apenas mais uma invenção humana, mais ou menos elaborada, mais ou menos polida. Portanto, quando se fala em construir andróides, sonha-se demasiado alto porque se pressupõe que é possível replicar, com circuitos electrónicos e outras peças mais ou menos orgânicas, toda a imensa e infinitamente complexa diversidade que é o ser humano. Nem sequer algo simples como a mobilidade motora é possível reproduzir como num ser humano, quanto mais coisas tão complexas e insondáveis como o pensamento, ou estados de espírito. Já é tempo de nos deixarmos de brincar ao aprendiz de feiticeiro e começarmos a fazer coisas realmente úteis, como sondas para investigar esse universo desconhecido que é a vida marinha a grandes profundidades.

Andróides do século XXI

Quem são? Os mórmones, claro. Os professores de Robótica do Instituto Superior Técnico deviam era passar a estudar esses neoandróides, decerto aprenderiam muito acerca do funcionamento de um andróide tão perfeito que até parece 100% humano. Eis aqui o futuro da Engenharia. E o melhor de tudo é que a replicação em série destas coisas meio-humanas não segue nenhumas leis de darwin, replica-se antes muito bem de uma forma lamarckiana, que é o melhor caminho para dominar o mundo.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

would you kiss me?

com quem partilhariam um banco de jardim assim?


a simple (who said that POP was simple?) Kiss me from Sixpence None The Richer
querem poesia? Metam as pessoas todas a dizer o que lhes passa pela cabeça quando não pensam. Eis poesia.
é possível que se deixássemos a mente completamente à solta, completamente à deriva pelo universo da loucura, era possível que quando começássemos a escrever não conseguíssemos parar.
um suicídio é apenas uma fuga a uma realidade com a qual não conseguimos viver

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Se a maior parte das pessoas no mundo tivesse relações homossexuais será que seria anormal ter relações heterossexuais?
o fascínio que há na relação heterossexual é o facto do corpo do outro ser um terreno plenamente desconhecido. Numa relação homossexual, o corpo é o mesmo, e como cada um conhece o seu corpo, melhor ou pior, sabe o que há a fazer para sentir prazer e para, sobretudo, fazer o outro sentir prazer. É essa a estranheza e o abismo que existe entre a relação homossexual e heterossexual. Eis o fascínio.
não é preciso ter heterónimos para sentir de maneira vária, o que é preciso é viajar.
surgir uma ideia é algo que não se explica. É como se não houvesse nada e, de repente, passasse a haver tudo, e tudo o que passa a haver faz sentido.
não sei como é possível para alguém ler um livro sem ter um dicionário ao pé. Há tanta coisa que não sei que não consigo perceber uma página de um livro sem ter de recorrer a um dicionário. Será bom ou mau? Bem, uma coisa sei: dá trabalho!
o artista escreve à noite porque só a noite lhe dá a calma de que necessita para poder ouvir-se a si próprio.

tudo é interpretação

domingo, 5 de agosto de 2007

Porque é que será que toda a gente gosta de Alberto Caeiro? Será que é por ele ser O Mestre?
Qual é o problema dos manuais escolares?

Os manuais escolares são construídos do ponto de vista de um adulto. ERRO! Porque o manual deve estar construído de tal forma que o leitor, A CRIANÇA, deva perceber facilmente o que lá está escrito. Além disso, a PRIMEIRA COISA QUE DEVE SER EXPLICADA é a fundação conceptual que orienta a construção do livro. ISTO É, NO CASO DAS CIÊNCIAS, O QUE É O MÉTODO EXPERIMENTAL, O QUE É O MÉTODO COMPARATIVO E POR QUE RAZÃO SE ESCOLHE UMA PERSPECTIVA ANALÍTICA EM VEZ DE UMA PERSPECTIVA SINTÉTICA. DE NADA VALE A APRENDIZAGEM QUE NÃO ESTÁ BEM FUNDAMENTADA, APENAS SERVE OS INTERESSES DE UMA APRENDIZAGEM POR MEMORIZAÇÃO CONTRIBUINDO SEM CESSAR PARA UM ATROFIO DA INTELIGÊNCIA E PARA PÉSSIMOS RESULTADOS ESCOLARES.
Que uma coisa fique bem assente, e de uma vez por todas:

NÃO EXISTEM GENES EGOÍSTAS, APENAS PESSOAS EGOÍSTAS

Os genes são tudo menos egoístas. Na verdade, os genes são o extremo oposto do egoísmo: o promíscuo.

PROCLAMA-SE, ASSIM,

A TEORIA DO GENE PROMÍSCUO
a literatura é a mais plena expressão da frase "tudo é uma biografia". Não existe verdadeira originalidade no mundo, ou como dizia noutro dia o Pedro Abrunhosa, nós somos todos os livros que já lemos, todos os filmes que já vimos, toda a música que já ouvimos, todas as mulheres que já amámos... Quando se trata de escrever, quem vence é a mente, e tudo o que nela existe. Quem vence é a informação que fomos armazenando ao longo da vida. Por isso é que os bons escritores só se fazem a partir, pelo menos, dos 40 anos. É preciso viver, é preciso ter informação, e depois também é preciso ter informação que seja importante, que seja relevante, para se poder escrever alguma coisa. Quem não sabe o que é a vida nunca poderá produzir alguma obra de arte que valha a pena chamar obra de arte. Há-de ser sempre e apenas uma descrição de uma sensação. Não. O que é preciso é trazer ao de cima a verdadeira originalidade, a originalidade que resulta de uma nova combinação de propriedades já existentes. Isso sim é a originalidade. Ou então somos todos uns papagaios a debitar coisas sem sentido. De facto, a maior parte das pessoas é apenas um reprodutor de memes. Poucas são aquelas que, de facto, criam novos memes. E são essas poucas que ficam na história - e as muitas que são esquecidas por ela.
a verdadeira mestria de Joyce está em ser verdadeiramente original: contar uma história do ponto de vista de uma criança, um pequeno oásis no meio do deserto púdico vitoriano, entre guerras de independência, políticas e religiosas, e a vida quotidiana de cada um. Contar uma história, que é a sua, como não podia deixar de ser, como a história é vivida, como a mente se move, daqui para ali, em associação livre de ideias, derrubando todos os cânones da lógica e da razão, da racionalidade, da explicação lógica e científica e perscrutando essa coisa estranha que é a sucessão de todos os estímulos que chegam até nós, ou, melhor dizendo, a sucessão de todas as sensações que nos percorrem.
Há uma coisa
Que as pessoas facilmente esquecem:
É que não devem falar
daquilo que não conhecem
a melhor maneira para ser um criador genial é ir para a área diametralmente oposta. Primeiro, não recebemos influências de outros criadores. Depois, ficamos tão fartos dessa coisa oposta que estamos com a cabeça sempre noutro sítio. E estar com a cabeça noutro sítio é fundamental para criar.
ainda bem que não fui para História. Havia de sair de lá tão sujo e empoeirado como todos aqueles calhamaços ambulantes.

ainda bem que não fui para Artes. Havia de ter uma overdose de estilo e ficar dependente das visões (os inner eyes) dos outros.

ainda bem que não fui para Política. É preciso justificar-me?

ainda bem que não fui para actor. Quem é que quer morrer à fome ou ser uma estrela na Tv?

ainda bem que não fui para Música. Havia de matar-me a trabalhar por uma arte que não é reconhecida em Portugal?

ainda bem que não fui para Fotografia. É tudo caríssimo, e havia de copiar o estilo a meio mundo.

ainda bem que não fui para escritor. Tudo o que fizesse iria soar-me a vagamente familiar, como tudo aquilo que já se escreveu.

ainda bem que não fui para monge. O Tibete agora anda anexado à China...

ainda bem que não fui para jornalista. Sensacionalismos? Ia para onde? Para o Público, não? Que nome tão socializado... Quer-me parecer que está a atingir o auge mais deprimente da Pop Art.

ainda bem que não fui para crítico. Havia de dizer mal de toda a gente.

ainda bem.
criar é inventar novas maneiras de expressar aquilo que os outros reprimem.

sábado, 4 de agosto de 2007

Provérbio do Dia

Até entre monges tibetanos a inveja cerra as fileiras.

Prémio Pior Coisa Do Mundo

um nortenho (sim, daqueles com aquela pronúncia engraçada) podre de bêbado a falar pelos cotovelos.
Problema: há uma coisa que sempre me fez uma confusão enorme. Se perguntarmos a uma mulher o que é um homem bonito, mesmo que ela não seja heterossexual temos uma resposta. E a resposta até é dado com o seu tacto. Se, por outro lado, perguntarmos a uma mulher o que é uma mulher bonita, mesmo que ela não seja homossexual temos também uma resposta. Se perguntarmos a um homem o que é uma mulher bonita, mesmo que ele seja homossexual temos uma resposta. E não é por causa disso que deixa de haver tacto na resposta. Agora, se perguntamos a um homem o que é um homem bonito, aí há uma clara divergência: se perguntarmos a um homossexual ele consegue responder, mas se perguntarmos a um heterossexual ele não consegue. Desculpem lá, mas há aqui algum pedaço de cérebro que falte nos homens e exista nas mulheres? A contemplação estética é assexual. A beleza é subjectiva, é certo. Mas pode-se pautar, por exemplo, pelo carácter de proporção e harmonia grego, ou por outro carácter qualquer. Mas esse carácter, em si, é assexual. Válido tanto para homens como para mulheres. É claro que o objecto em análise é sexual, é profundamente sexual porque a base da sua diferença é sexual. Mas isso não implica que se sinta atracção sexual pelo objecto de contemplação. São duas coisas bem diferentes. Claro que tudo o que dizemos ou fazemos é uma biografia, e gostamos apenas das coisas que são mais parecidas connosco, mas isso não quer dizer que sintamos atracção sexual pelo simples facto de contemplarmos esteticamente um objecto. A atracção sexual pode vir depois da contemplação estética, mas não é condição necessária.

Conclusão: há um medo social ferozmente enraizado no homem, sobretudo naqueles que são considerados os estereótipos do macho latino, em contemplar esteticamente objectos semelhantes a si, sobretudo quando se trata de uma auto-análise. O medo está exactamente na sua insegurança face à sua orientação sexual. Ou então simplesmente não gostam de quem são, do que vêem, e para onde vão.
e quem é que disse que os homens não sabem dar uns belos agudos, quando querem? E só não dão mais, e mais vezes, porque senão são rotulados de bichas doidas ou gays.

Black Holes And Revelations


quer-me parecer que nunca um nome assentou tão bem a uma banda.
há excesso de deus na boca das pessoas.
- Tinham razão! Tinham razão! Eles sempre tiveram razão! Deus e a moralidade e a religião estão sempre em primeiro lugar.
Mrs. Dedalus, notando a sua excitação, disse-lhe:
- Mrs. Riordan, não se dê ao trabalho de lhes responder.
- Deus e a religião em primeiro lugar! - exclamou Dante. - Deus e a religião antes do mundo.
Mr. Casey ergueu o punho fechado e deixou-o cair sobre a mesa, com estrondo.
- Muito bem, então - gritou com voz rouca. - Se é assim, não queremos Deus na Irlanda!
- John! John! - exclamou Mr. Dedalus, agarrando o seu convidado pela manga da sobrecasaca.
(...)
- A Irlanda não precisa de Deus! - exclamou ele. - Há excesso de Deus na Irlanda. Fora com Deus!

by James Joyce, from A Portrait of the Artist as a Young Man

Psicologia da Criança

Partindo da visão tripartida de Freud, Ego, Superego e Id, postula-se o seguinte:

- Sabendo que o Superego consiste nas regras que incorporam parte do nosso inconsciente durante o processo educativo,

ENTÃO,

Toda a criança nasce sem Superego, límpida e transparente como a água. Nem tão pouco apresenta sinais de Ego, já que este se constrói pela tensão Superego/Id,

LOGO,

Toda a criança é Id puro. É a arracionalidade pura sendo, sem haver lugar a todas as normas morais, religiosas, familiares, profissionais e sociais. São os Albertos Caeiros do mundo, a pureza não contaminada. São os seres humanos mais próximos da natureza.

A CRIANÇA É A MAIS PLENA EXPRESSÃO DO VERBO SER

a realidade não deprime, comprime

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Existem somente dois tipos de pessoas: as que vivem a vida com o dedo enfiado no buraco do cu e as que vivem a vida com o dedo apontado para o céu.

(vénia a Cesariny)

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Não será grande a pretensão de quem não nos conhece pensar que é capaz de nos conhecer melhor até que nós mesmos?

Métodos Para Se Ser Aceite Na Sociedade

Dar a entender que se sabe tudo, embora não se saiba nada. É o que toda a gente faz, não é verdade?

Manter o queixo sempre acima dos ombros e o nariz a apontar para o céu. Assim nunca se vê a merda que se pisa.

Ser simpático para toda a gente, mesmo que não o mereçam. Não devemos tratar sempre bem os outros, mesmo que nos parasitem?

Esquecer tudo o que é mais velho que o dia de hoje. Afinal, o que é velho não interessa.

Ser promíscuo. Toda a gente adora e ninguém se importa, há aliás inteiros cultos religiosos dedicados exclusivamente à Boa Maneira De Se Ser Promíscuo Com Estilo.

Brindar sorrisos amarelos com piadas sem graça. Ou piadas amarelas com sorrisos sem graça.

Rir das próprias piadas. Fica sempre bem.

Usar os outros para atingir os próprios fins. Afinal para que é que os outros servem?

Fugir ao compromisso. O compromisso é uma droga, gera dependência e ausência de liberdade.

Falar mal de toda a gente que respira, e sobretudo da que não respira (a que não se pode defender). Mas, claro, sempre na ausência dos ditos cujos.

Virar a casaca tão depressa como quem tira um coelho duma cartola. Agora até há daquelas casacas que se podem vestir dos dois lados - tão cómodo, não é?

Nunca pedir desculpa. Mesmo que se tenha errado. Afinal, quem sabe tudo nunca erra, não é verdade?

Mentir tão bem como quem diz verdade. Para que os outros nunca saibam quando se diz uma ou outra, isso deixa-os vulneráveis.

Saber parasitar os outros com estilo. E fazê-lo tão bem que os outros se sintam culpados se não estiverem a ser parasitados.


Cumpridas todas estas tarefas, aceite os nossos parabéns. Tornou-se um Verme Disforme e Merdoso Parasita De Toda a Sociedade, vulgarmente conhecido como V.I.P. (abreviatura deste título honorífico que significa Vermiforme Injurioso Parasítico)