segunda-feira, 30 de junho de 2008

o ser humano desenvolve-se tanto mais depressa quanto maior é o desenvolvimento da sua capacidade de pensar num sentido abstracto

Missão: Soltar-se O Desassossego

espantar faz-me existir

Afirma Pereira

Não sei o que é, mas este videoclip tem qualquer coisa que o faz maior que a canção. Talvez seja a maneira como foi captado o brilho que há na simplicidade do senhor Pereira, uma simplicidade muito portuguesa que Tabucchi tão bem soube captar, digna de um Italo Calvino. Talvez seja o senhor Pereira um parente afastado do senhor Palomar.



Dulce Pontes dá voz à história do senhor Pereira

domingo, 29 de junho de 2008

declamar, dizer, interpretar

Os poemas não podem ser declamados nem ditos. Os poemas devem ser interpretados. A declamação é coisa de serões na corte real, e já não está adaptada ao nosso tempo. O dizer um poema tira-lhe a sua individualidade. O poema só pode ser transmitido de uma forma genuína às pessoas quando é interpretado. Quem lê o poema, para o ler bem, isto é, para dar às palavras a significação que o autor lhes deu, tem de outrar-se, tem de despersonalizar-se, tem de sentir o significado do poema como o sentiu o autor quando o escreveu. O poema é como uma peça de teatro: só é genuíno quando é genuína a representação que dela fazem os actores. Os actores são meramente um veículo pelo qual flui a mensagem. Os autores têm que se apagar tanto quanto possível para que sobrevenha a voz e a intenção do poeta. Só assim o poema se faz vida. Quando se interpreta um poema, dá-se vida ao poema. Dá-se a interpretação pessoal, do actor que lhe confere a vida; mas sempre e somente para lhe emprestar a sua voz e o seu coração para sentir algo como outro o sentiu. O poema tem de ser inteligível como ao autor lhe foi inteligível. Esta tarefa é extremamente difícil e eleva a um novo patamar a capacidade de entrega que o actor tem de ter para que possa transmitir correctamente a mensagem do poema. O que interessa num poema, o que é realmente importante, é a sua mensagem. Assim, tudo o que permita ao ouvinte, ao espectador, melhor apreender a mensagem do poema conta. O actor tem de tornar o autor inteligível. Não o pode simplificar ou complexificar: tem de apresentá-lo tal como ele é. E apresentá-lo tal como ele é só quer dizer uma coisa: conhecer a biografia do autor. Para compreender a mensagem do autor é imprescindível conhecer a sua vida. A obra do autor é a sua vida, e a sua vida é a sua obra. São indissociáveis. O autor e o poeta são uma e a mesma coisa. São nomes diferentes que chamamos à mesma substância. Conhecer a circunstância que rodeia um poeta é conhecer a circunstância que rodeia um poema. Conhecer o íntimo do poeta é conhecer o íntimo do poema. O poeta é o poema, e o poema é o poeta. O maior poeta é aquele que se confunde com o seu poema.

Os Deuses vendem quando dão

Àqueles a quem, não querendo mal, também especialmente não amam concedem os deuses uma vida fácil e benigna, que os faz, a eles e aos restantes, acreditar em protecção celeste; aos outros, porém, àqueles cuja carreira se vê essencial aos destinos do mundo, vendem os deuses, e bem caro, todos os dons de que os cumularam; e, porventura, o preço mais alto que reclamam da sua mercadoria é o de, a cada momento realmente importante da vida, nada disporem como que de maneira fatal, deixando que o seu amado possa, em plena liberdade, escolher o que mais é de seu agrado; e aqui a maior parte se perde: porque à chama que os tornaria celestes preferem a temperada medianidade que para sempre os prende à Terra.

Agostinho da Silva sostiene Um Fernando Pessoa
many things in life do fascinate me, but only very few people achieve it

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Anda agora a ver se começa...

Finalmente começam as pessoas a abrir os olhos para as questões verdadeiramente importantes. Finalmente são dados passos para uma pedagogia científica centrada na História da Ciência! Uma agradável surpresa da Culturgest. Só é pena não terem arranjado um título mais interessante e inteligente: mais importante do que não nos esquecermos é termos compreendido o que aprendemos. Se de facto aprendemos alguma coisa, então é impossível esquecê-lo.



CONFERÊNCIA: Para que a gente nunca se esqueça de tudo o que aprendeu na escola
http://www.culturgest.pt/actual/para_a_gente.html

É já oficial, ao ponto de estar a ser estudado por especialistas de oito países europeus, em que se inclui Portugal: tal como está, o ensino secundário não consegue dar preparação científica aos alunos. Em grande medida, isto acontece porque os acontecimentos oferecidos não são postos em contexto, cobrem demasiados temas sem esforço de ligação entre eles, aparecem perante os alunos numa grande desorganização reforçada por desenhos, bandas desenhadas, fotos, diagramas, todos obviamente bem intencionados mas com tendência para criar ainda maior dispersão. Em consequência, os alunos acabam por decorar blocos de matéria para os testes, e tratam de esquecer-se dela logo a seguir. Sem a devida contextualização, o conhecimento não se fixa no cérebro. Ainda por cima, cria-se desde cedo o mau hábito de deixá-lo passar transitoriamente.No fim-de-semana de 20 a 22 de Junho, o CEHFC (Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência) propõe a reunião na Culturgest de cientistas portugueses de várias áreas ligadas à educação para discutir a situação presente. Pretende-se, entre outros aspectos, analisar seriamente os benefícios da introdução da História da Ciência nos currículos, não como um bonequinho exterior ao texto mas como um fio de Ariana no labirinto, que servirá de superstrutura para tornar o ensino da ciência mais proveitoso e maximizar os seus resultados. E para que o que se aprende não se desvaneça no dia seguinte ao teste.

sábado, 21 de junho de 2008

A vida é um fantasma,
Ter medo é ser humano.
Beber para o esquecer,
Isso é que é insano!

Como ler Pessoa

o poema da ceifeira

Ela canta, pobre ceifeira,/Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa,
e a sua voz, cheia/De alegre e anónima viuvez,//Ondula como um canto de ave/No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave/Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse/Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!/O que em mim sente stá pensando.
Derrama no meu coração/A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!/Ter a tua alegre inconsciência,/E a consciência disso!
Ó céu!/Ó campo! Ó canção!
A ciência/Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai/Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

Como ler Os Lusíadas

é simples:
Do que obraram os Antigos, despir-se tudo.
Ficar, só o ritmo - e o que é absoluto.


Não andam muito que no erguido cume/Se acharam,
onde um campo se esmaltava/De esmeraldas, rubis,
tais que presume/A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêm no ar,
que o lume/Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfícia, claramente.

Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto/De vários orbes,
que a Divina verga/Compôs,
e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,/Nunca s'ergue ou se abaxa,
e um mesmo rosto/Por toda a parte tem;
e em toda a parte/Começa e acaba,
enfim, por divina arte,//Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo,
comovido/De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa:
— "O transunto,
reduzido/Em pequeno volume,
aqui te dou/Do Mundo aos olhos teus,
pera que vejas/Por onde vás e irás
e o que desejas.

"Vês aqui a grande máquina do Mundo,/Etérea e elemental,

que fabricada/Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo/Globo e sua superfícia tão limada,
É Deus:
mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende




Esta prosa feita poesia é absolutamente extraordinária. O Ritmo, verdadeiro Mestre desta Obra, e também chefe que preside à Poesia, é quem dita o passo. Se Camões fora a escrever agora, sê-lo-ia sem embaraço. Rimando aqui e acolá para soar melhor ao ouvido; rimando acolá e aqui para da métrica antiga ficar conhecido, lá deu ele à pena o seu engenho. Fazia o que queria, e as ideias que na cabeça lhe apareciam poria claras, se não fosse a reverência ao Grego e ao Romano exigir, qual social contrato, que para a sua poesia fluir pelos salões de nobres e princesas, de reis e de burguesas, sem qualquer perigo de acossado, fosse escrever grandezas na forma esta em que era apreciado. Vieira tinha os Sermões, que de prosa são todos, prontos a declamar em salões, e a argumentar em estrado; mas o Pessoa também usou da poesia, e para que também a ele não o fizessem rogado, encaixava sua mestria num poema solto e simples - mas não apagado. Grande é a sapiência, que destes homens fez o engenho, de construir para agradar a outros, as obras suas em originais de antanho. Génio ou luas? Apenas empenho, vontade de transmitir a outros o ouro que neles vivia, com brilho tamanho.

Na Ilha dos Amores

A Deusa do Camões, e que guia Gama, liberta-o das leis do tempo e do espaço, e mostra-lhe a Grande Máquina Que Move o Mundo...


Não andam muito que no erguido cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfícia, claramente.

Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nunca s'ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
Por toda a parte tem; e em toda a parte
Começa e acaba, enfim, por divina arte,

Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: — "O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.

"Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfícia tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende

(...)

"Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
E tornando a contar-te das profundas
Obras da Mão Divina veneranda,
Debaxo deste círculo onde as mundas
Almas divinas gozam, que não anda,
Outro corre, tão leve e tão ligeiro
Que não se enxerga: é o Móbile primeiro.


Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões

quarta-feira, 18 de junho de 2008

deprived from the natural presence of others, men grow bitter and in bitterness surround themselves building the most hideous illusions about the nature of the world.
Poems must be interpreted in order to unravel their beauty and to become reunited with them. Any poem who is just read as though it were a mere prose loses all the beauty and significance it would have once had.

electrosensuality

Goldfrapp

O público quer compreender e apreender num só dia, num minuto apenas, o que o artista levou anos a aprender.

Paul Gauguin

terça-feira, 17 de junho de 2008

a maior parte das pessoas tem um horror ao silêncio tão grande que procuram desesperadamente e a todo o momento qualquer coisa para manter entretida a cabeça. Na verdade, este horror ao silêncio é mais um horror a si próprio porque é no silêncio que melhor nos podemos escutar. Como a maior parte das pessoas não gosta daquilo que é, ou acha por alguma aberração do capitalismo que não deve dispender tempo em algo que seja menor que produzir alguma coisa, o silêncio é muito maltratado e asfixiado pela banal conversa de todos os dias. As pessoas não sabem o que é ouvir-se e compreender-se na sua plenitude, e ouvir o mundo - para entender o que ele a todo o custo nos tenta dizer.

Correlações II

(ca. 1894) Paul Gauguin

...Eu passei pela miséria extrema, isto é tive fome, tive frio e sofri tudo o que daí resulta. Mas tudo isso é um nada, um quase nada a que nos habituamos, e com determinação acabamos por nos rir disso. Mas o que na miséria é terrível, é que ela estorva o trabalho e o desenvolvimento das faculdades intelectuais.


(1943) Abraham Maslow

(1) There are at least five sets of goals, which we may call basic needs. These are briefly physiological, safety, love, 'esteem, and self-actualization. In addition, we are motivated by the desire to achieve or maintain the various conditions upon which these basic satisfactions rest and by certain more intellectual desires.

(2) These basic goals are related to each other, being arranged in a hierarchy of prepotency. This means that the most prepotent goal will monopolize consciousness and will tend of itself to organize the recruitment of the various capacities of the organism. The less prepotent needs are minimized, even forgotten or denied. But when a need is fairly well satisfied, the next prepotent ('higher') need emerges, in turn to dominate the counscious life and to serve as the center of organization of behaviour, since gratified needs are not active motivators.

aforismo do dia

especialmente dedicado a todas as mulheres (e sobretudo às portuguesas) para que elas consigam abrir os olhos para a realidade:


...A mulher quer ser livre. Está no seu direito. E decerto não é o homem que a impede de o ser. No dia em que a sua honra não se situar apenas abaixo do umbigo, ela será livre. E talvez então o seu comportamento seja melhor.

Paul Gauguin

segunda-feira, 16 de junho de 2008

para agir, escolhe-se o momento. A ideia que surge na mente deve ser imediatamente posta em prática pelo meio que nos esteja mais acessível. Se a ideia não é imediatamente concretizada, a vontade dispersa-se de tal modo que a ideia se torna apenas numa memória esquecida a um canto da imaginação.
O sonho é grande e a vida pequena.
Aquilo que se concretiza é apenas a ínfima parte do que se sonha.
O fruto só amadurece se a árvore for bem tratada, e por isso a concretização só se dá quando existem a vontade e os meios.
A vontade nasce de cada um, e é ela que move a obra.
Quando várias vontades colaboram para um fim comum, ainda que diferentes as vontades complementam-se - é desse jogo que nasce algo novo.
Os meios são os instrumentos pelos quais a vontade se concretiza na obra.
Sem a matéria-prima para ser trabalhada, a obra não passa de sonho.

Assim, a contribuição individual e separada de cada interveniente é capaz de criar grandes obras, mas apenas quando o momento é oportuno e os materiais estão à disposição em vontades receptivas.

terça-feira, 10 de junho de 2008

a vida é uma artimanha que as pessoas inventaram para arranjar uma maneira de fugir a esse peso terrível que é o trabalho.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

endless forms most beautiful and most wonderful have been and are being evolved

Darwin
nenhuma revista literária mudou ou mudará o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas.