quinta-feira, 21 de maio de 2009

fazer história - e por história entenda-se o registo daquilo que aconteceu - é procurar padrões no meio de todos os registos sociais, culturais, políticos, económicos, tecnológicos, psicológicos, científicos e naturais a que temos acesso. Portanto, a historiação tem uma semelhança essencial com a atitude científica; e não há melhor maneira de desenvolver essa capacidade historiadora senão estudando o método da ciência pelo qual se correspondem correlações a padrões.
a mente não é uma, é múltipla. Evolui, ao mesmo tempo, em todas as direcções. Multiplica-se interminavelmente criando paradoxos como matemáticas. Não há unidade alguma na mente, apenas diversidade. A mente especializa-se, ao mesmo tempo, em direcções contrárias. Cada especialização da mente possui uma existência individual e independente. Cada nova criação é um novo criador. Cada criador é uma nova fonte de criação.

domingo, 17 de maio de 2009

se vivêssemos num mundo ideal, até a historiação como processo cuja única finalidade é o deleite intelectual seria válida; mas como há tanto para fazer neste mundo até a historiação tem de servir uma orientação: tem de ser útil para melhorar a condição em que vivemos, para propagar e defender os valores em que acreditamos. O processo de historiação deve ser crítico e procurar o que realmente aconteceu, mas os temas que são escolhidos para serem o alvo da investigação devem estar cuidadosamente orientados para uma finalidade prática. Quem disse que a história não serve para nada?

A verdade é que aquilo que se acaba escrevendo resvala sempre para uma situação em que se dá maior importância a determinados aspectos em detrimento de outros, mesmo se caímos em excessos. A questão aqui é que esses excessos, se não são nada importantes para mostrar o que realmente aconteceu ou acontece, são já extremamente importantes para defender as ideias que nos parecem mais válidas no mundo em que vivemos. E não há mal nenhum nisso se o ideal que nos anima é o de levar o mundo a cumprir-se verdadeiramente. O nosso excesso é a única propaganda que merece viver - tem um sentido muito mais elevado do que os interesses capitalistas e mesquinhos da publicidade.

Tudo o Que é Sólido se Dissolve no Ar

domingo, 10 de maio de 2009

A maior coisa que Pessoa fez foi ter sido o que foi.
Eu vivo para mim,
E dentro da minha cabeça.
Quem não sabe o que isso é,
Feche os olhos e arrefeça

Pela termodinâmica simples
De que é feita a equação.
Meu ser é só sensação,
E o trabalho abjecto e simples

Que levo na vida amarra-me,
Como um peso que me devora.
Quando grito é de revolta,
mas o destino agarra-me.

(Eu desespero a toda a hora...)
Sinto-me enlatado -
Estou farto! É desta
Que me vou embora.
Criar é, para mim, na maior parte dos casos, criticar o que os outros criaram. Se é certo que o conjunto de pessoas a que chamamos sociedade nos trata sempre de uma forma coerciva, impedindo que expressemos o nosso único e verdadeiro potencial, não será menos certo que, pelo menos até certo ponto, necessitemos inexoravelmente de um outro, de alguém diferente de nós a partir do qual nos demarcamos como parcela de universo completamente distinta e diferenciada de tudo o resto. Para mim, a crítica é a forma de depuração mais elevada que existe; e criticar é sobretudo procurar as falhas e os erros para os reparar. Às vezes, quando os erros nos parecem gritantes e destituídos do mais leve traço de sentido, a crítica tem de ser feroz e contundente; mas a verdade é que não há outra maneira de chegar até uma boa e eficaz solução. A melhor forma de conquistar alguém parece ser pelo riso e pelo ridículo; e é por isso que reduzir algo à sua forma mais ridícula, ou expôr a face mais risível de um aspecto, é a melhor forma de criticar e contagiar os outros com a crítica. Num mundo em que todos aceitam tudo o que lhes impingem sem perguntas, a única resposta à altura é criticar.
é preciso ter os pés assentes na terra, mas os olhos sempre na imensidão do mar.

sábado, 2 de maio de 2009

o tempo só voa porque passamos a vida inteira a trabalhar.
existe hoje em dia uma imensa e intensa promiscuidade entre o cinema e os livros. (e atenção que não estamos a falar de literatura, estamos a falar de livros.) Golpes de marketing sucessivos em que o lançamento de certos livros acontece à medida que certos filmes são lançados são uma poderosa técnica que se tem apurado ao longo destes últimos anos. A parte boa, que é aquilo que nunca devemos perder de vista, é que podemos muito mais facilmente aprender alguma coisa sobre um dado tema. Oxalá que os livros que nunca chegam a filme não passem, em nome dos outros, a ser esquecidos.

Tell all the Truth but tell it slant

Tell all the Truth but tell it slant -
Success in a Circuit lies
Too bright for our infirm Delight
The Truth's superb surprise
As lightning to the children eased
With explanation kind
The Truth must dazzle gradually
Or every man be blind

Emily Dickinson



Este poema é perfeito. Claro como a água, diz tudo o que é preciso. Quero agradecer à magnífica Lynn Margulis pela sua interessantíssima conferência e pelo grande sentido poético com que nos brindou, e a mim especialmente, ao dar a conhecer a Emily.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

a época em que vivemos ficará para a história por muitos motivos, certamente pelo nível de desenvolvimento da tecnologia a que chegámos, e certamente por muitos mais motivos; mas o que é certo é que não haverá melhor imagem para simbolizar o homem moderno que a figura do coelho branco da Alice no País das Maravilhas de Carroll. Escravo dos relógios de bolso, sempre sem tempo para si e para os outros, nervoso e impaciente como um viciado em coca, protocolar com as desprezantes e desprezíveis instâncias superiores, amorfo e dependente dos grandes senhores e das grandes potências governantes. Foi para isto que séculos e séculos de história se somaram uns aos outros, foi para podermos descansar neste admirável mundo novo de escravos que todas as revoluções, todas as manifestações; que todos os socialismos foram construídos. A vida no século XIX não era tão confortável, mas pelo menos não era tão difícil.


















Quando passo pela estação de metro do Cais do Sodré em Lisboa, deparo-me sempre com uma cena que me faz sentir incrivelmente estúpido e inútil. O coelho branco lá está, a rir-se de mim e da existência escravizada em que vivo. Olha para o relógio e corre: sempre a esperança de não se atrasar, sempre a certeza de estar atrasado. Numa tiragem em série, como uma qualquer outra máquina, e sempre esterilizadamente igual, o coelho branco aparece. Corre, mas nunca sai do mesmo lugar.
Em nome do Lucro, da Civilização, e do Progresso, transformaram o homem numa máquina.
ATENÇÃO!

PROPOSTA DE REVISÃO:


Dadas as actuais e prolongadas condições em que ainda teimam em meter os trabalhadores, propõe-se que, por uma questão de coerência, o dia 1 de Maio se passe a chamar DIA DO PRECÁRIO.
Não se iludam: no mundo em que vivemos é impossível ser cientista e qualquer outra coisa ao mesmo tempo.