a época em que vivemos ficará para a história por muitos motivos, certamente pelo nível de desenvolvimento da tecnologia a que chegámos, e certamente por muitos mais motivos; mas o que é certo é que não haverá melhor imagem para simbolizar o homem moderno que a figura do coelho branco da Alice no País das Maravilhas de Carroll. Escravo dos relógios de bolso, sempre sem tempo para si e para os outros, nervoso e impaciente como um viciado em coca, protocolar com as desprezantes e desprezíveis instâncias superiores, amorfo e dependente dos grandes senhores e das grandes potências governantes. Foi para isto que séculos e séculos de história se somaram uns aos outros, foi para podermos descansar neste admirável mundo novo de escravos que todas as revoluções, todas as manifestações; que todos os socialismos foram construídos. A vida no século XIX não era tão confortável, mas pelo menos não era tão difícil.
Quando passo pela estação de metro do Cais do Sodré em Lisboa, deparo-me sempre com uma cena que me faz sentir incrivelmente estúpido e inútil. O coelho branco lá está, a rir-se de mim e da existência escravizada em que vivo. Olha para o relógio e corre: sempre a esperança de não se atrasar, sempre a certeza de estar atrasado. Numa tiragem em série, como uma qualquer outra máquina, e sempre esterilizadamente igual, o coelho branco aparece. Corre, mas nunca sai do mesmo lugar.
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