domingo, 16 de março de 2008
Exegese pessoana
Ainda estamos muito longe de conhecer Pessoa se continuarmos a querer analisar os seus poemas de um ponto de vista meramente literário. Diz-se meramente não para menosprezar esse ponto de vista que nasce da crítica literária aos próprios textos que Pessoa escreveu, mas antes para menosprezar a atitude extremamente redutora que alguns críticos têm quando reduzem a vida e, enfim - também podemos dizer - , a obra do poeta àquilo que o próprio poeta escreveu. Continuaremos a não compreender Pessoa se não olharmos com cuidado, com um olhar demorado e crítico, para as circunstâncias históricas que o cercaram e para - sobretudo - a sua própria história de vida. Não há nada de mais errado em analisar a obra de Caeiro, por exemplo, seguindo todos os textos que ele escreveu. E é errado porque entre alguns desses textos escreveu Reis e escreveu Campos e etc. outros textos que, cronologicamente dispostos, permitem ter - aí, sim! - uma visão histórica, evolutiva, do desenvolvimento mental, ou psicológico, do nosso Pessoa. Só quando nos deparamos com pequenas excepções - a do "dia triunfal" de Pessoa, como ele próprio o chamou - , ou seja, quando a escritura dos poemas segue realmente uma ordem cronológica, é que podemos pensar em encontrar alguma linha de orientação, algum fio condutor, alguma verdadeira análise, crítica e interpretação significante daquilo que julgamos ter sido Pessoa segundo os critérios que hoje usamos. Agostinho da Silva clarificou um ponto que nos parece ser extremamente importante: podemos traçar a psicologia - e os textos - dos heterónimos de Pessoa, em todas as suas multiplicidades; mas não podemos ainda, contudo, ter uma ideia clara e bem definida de quem foi, na realidade, Fernando Pessoa - esse Fernando Pessoa que se movia pelas ruas de Lisboa e que escreveu tantos textos que hoje podemos contemplar e saudar à vontade. Assim, e no sentido de resolver esta questão, propõe-se o seguinte: uma vez inventariados todos os poemas de Pessoa, ponham-se os textos todos por ordem cronológica. É certo que muitos deles são dispersos, que podem não ter data, e que podem até mesmo ter atribuição incerta a um ou a outro heterónimo; mas ainda assim, daqueles que se conhece alguma coisa, trate-se de ordenar aquilo que eles são. Procure-se Pessoa de acordo com a inspiração que lhe batia em cada instante. Tente-se reconstruir o que terá sido a vida de Pessoa - coisa que, num rigor científico, nos não é possível fazer - , mas pelo menos a partir da ordem pela qual os poemas nasceram em si (ou desceram até si). Independentemente da sua origem ortónima, heterónima ou semi-heterónima. É preciso uma verdadeira exegese pessoana.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário