terça-feira, 27 de maio de 2008
As caras dos enfezados. A cidade é um monte de enfermos, cada qual com a sua tara. Têm os olhos cavados, olhar mortiço e amorfo, tez pálida de quem vê o sol por uma frincha, temperamento nervoso de quem está a ser continuamente observado. As senhoras dirigem olhares de reprimenda para quem se descuida a pousar o olhar nos atributos que não têm, os senhores são graves e austeros como medricas flamejantes que lutam para impôr uma fachada. As crianças são as únicas que se aproveitam, e isto só é verdade para aquelas que não foram ainda tocadas pela televisão, esse néctar dos deuses moderno que anestesia tudo o que mexe. Se ainda não se tornaram birrentas e mimadas por culpa dos pais que não têm tempo para elas, ainda atiçam a brasa viva que brilha nos seus olhos. O mais incrível é que, assim como os adultos desviam quem para eles ousa olhar - quando não submetem ao observador um ar cínico de reprimenda - , até algumas crianças, as decerto mais maltratadas pelo mundo, lhes seguem o exemplo. Tristes e mortiços são os tempos da nossa ordem democrática que neutraliza quaisquer diferenças individuais que ressurjam do âmago de cada um. Safam-se uns poucos adolescentes (temos que usar este termo senão, dizem-nos os nossos sábios psicólogos, acometemos qualquer um a mil traumas insuperáveis e deformadores), adolescentes que, quando não inseguros ou nervosos ou instáveis nos caminhos desventurosos da sua saudável construção da personalidade, deixam de ligar às regras bacocas daquela coisa a que tão púdica e esterilizadamente resolveram chamar sociedade. São os sinais dos tempos que a nós nos cabe interpretar.
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