domingo, 29 de junho de 2008
declamar, dizer, interpretar
Os poemas não podem ser declamados nem ditos. Os poemas devem ser interpretados. A declamação é coisa de serões na corte real, e já não está adaptada ao nosso tempo. O dizer um poema tira-lhe a sua individualidade. O poema só pode ser transmitido de uma forma genuína às pessoas quando é interpretado. Quem lê o poema, para o ler bem, isto é, para dar às palavras a significação que o autor lhes deu, tem de outrar-se, tem de despersonalizar-se, tem de sentir o significado do poema como o sentiu o autor quando o escreveu. O poema é como uma peça de teatro: só é genuíno quando é genuína a representação que dela fazem os actores. Os actores são meramente um veículo pelo qual flui a mensagem. Os autores têm que se apagar tanto quanto possível para que sobrevenha a voz e a intenção do poeta. Só assim o poema se faz vida. Quando se interpreta um poema, dá-se vida ao poema. Dá-se a interpretação pessoal, do actor que lhe confere a vida; mas sempre e somente para lhe emprestar a sua voz e o seu coração para sentir algo como outro o sentiu. O poema tem de ser inteligível como ao autor lhe foi inteligível. Esta tarefa é extremamente difícil e eleva a um novo patamar a capacidade de entrega que o actor tem de ter para que possa transmitir correctamente a mensagem do poema. O que interessa num poema, o que é realmente importante, é a sua mensagem. Assim, tudo o que permita ao ouvinte, ao espectador, melhor apreender a mensagem do poema conta. O actor tem de tornar o autor inteligível. Não o pode simplificar ou complexificar: tem de apresentá-lo tal como ele é. E apresentá-lo tal como ele é só quer dizer uma coisa: conhecer a biografia do autor. Para compreender a mensagem do autor é imprescindível conhecer a sua vida. A obra do autor é a sua vida, e a sua vida é a sua obra. São indissociáveis. O autor e o poeta são uma e a mesma coisa. São nomes diferentes que chamamos à mesma substância. Conhecer a circunstância que rodeia um poeta é conhecer a circunstância que rodeia um poema. Conhecer o íntimo do poeta é conhecer o íntimo do poema. O poeta é o poema, e o poema é o poeta. O maior poeta é aquele que se confunde com o seu poema.
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