O mundo em que vivemos nunca deixou de estar numa ditadura, e devemos dizer que hoje a ditadura é bem mais perigosa do que aquela que existia durante os regimes feudais. De facto, nessa altura as pessoas tinham pelo menos a consciência de quem mandava, de que havia alguém a quem apontar o dedo, alguém a quem pedir responsabilidades. A tirania da opressão estava muito mais ao nível da sobrecarga de trabalho, para além dos impostos sobre o comércio. A ditadura económica é talvez a única que nos acompanha até aos dias de hoje, e que tem crescido mais. Mas não é dessa que falamos. Estamos a referir-nos à tirania política que sempre houve sobre os homens. Parece que os senhores que governam este mundo, ou que pelo menos têm pretensas intenções de o governar, aprenderam uma coisa com todos os períodos revolucionários: dantes, as revoluções faziam-se, e eram fervorosas (sejam as causas justas ou não, sejam a sua aplicação justa ou não; tudo isso será outra conversa), e levavam os homens à forca, ou à guilhotina, ou à faca. A exploração desumana era algo óbvio, e facilmente compreensível por um qualquer camponês, mesmo se ele não tivesse estudado coisa nenhuma durante a sua vida.
Mas há agora outra forma de ditadura, muito mais subtil, e portanto mais perigosa, que é a ditadura anestesiante. Primeiro, as pessoas são anestesiadas até deixarem de ter consciência daquilo que são, e depois os governos podem fazer tudo. Dantes, tínhamos reis ou príncipes a quem apontar o dedo; agora, que temos nós? Deixou de haver Monarquia para haver República, e agora, quando as coisas correm mal, a culpa é de quem? É da República? E quem é que é a República? É do Governo? E quem é que é o Governo? A culpa é naturalmente daqueles que, sob o nome amorfo de "Governo" dirigem isto ou aquilo segundo os seus interesses pessoais. São os ministros? Mas se agora somos mais comandados a partir da Europa que do nosso próprio país?!... A meta a atingir, o Santo Graal do século XXI, não é mais, como fora no passado, a evolução da humanidade - a evolução cultural -, mas apenas o melhoramento económico, a descida das taxas de juro, o aumento do PIB, a aproximação às estatísticas europeias. Qualquer diferença, qualquer ponta de individualidade, qualquer rasgo de genialidade ou de inconformismo é não só nefasto como um alvo a abater.
Já não podemos apontar o dedo a ninguém, só a instituições-fachada que não representam coisa nenhuma. Não se pedem responsabilidades àqueles que andam a brincar com o mundo para seu proveito próprio. A burocratização de todos os domínios da vida pública é a nova ditadura. A burocratização dos meios de comunicação, o excesso de informação desnecessária, sensacionalista, aviltante: tudo isso anestesia os sentidos da humanidade como um grande ópio. Hoje, a televisão é que é o ópio do povo. No vazio mental em que estamos atolados já nem há forças para ter um qualquer sentimento religioso, ou sequer místico. E a ditadura é muito mais perigosa: assim, já não há hipótese de se fazerem revoluções e de jorrar sangue. Andam todos anestesiados, todos adormecidos-em-pé. Agora, para se fazer uma nova revolução, é preciso ter cultura. A nova revolução não pode ser compreendida por um camponês que nunca teve contacto com a cultura. E é por isso que a nova ditadura da informação, e sobretudo da desinformação, resulta tão bem. Nunca uma ditadura resultou tão bem na história da humanidade mais recente. Para acabar com ela, só há uma solução: dar cultura às pessoas, diremos cultivar o desassossego como a única forma de destruir por completo qualquer resquício de ficção social que por enquanto ainda existir. Já não vamos lá com armas, nem com bombas; só podemos lutar com livros e palestras, com a pedagogia e a ciência, com a filosofia e com a matemática; e ainda com a fé e com a religião. E, assim que as pessoas começarem a pensar, está feita a revolução. Sem qualquer derramamento de sangue, instantaneamente. A próxima revolução é a revolução mental. E uma vez feita, será impossível voltar atrás.
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