Enquanto forem nosso presente os dias em que se dão supostas conferências em universidades de renome e de tantos doutos professores, enquanto continuar a inacessibilidade linguística a bloquear e mesmo a atrasar a subida das outras pessoas para fora da sarjeta em que vivem, enquanto o senhor Paulo Borges cuspir em cima do verdadeiro espírito de Agostinho refugiando-se nas suas filosofias caducas, nas ortografias, nas aritméticas, e nas cerimónias, este mundo, nem com toda a boa vontade que se arranje, irá a algum sítio.
Quis o senhor Paulo Borges dar uma conferência sobre "Ilusão e Criação em Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa", e nem sequer a conjução copulativa lhe valeu de alguma coisa para casar os dois poetas. Fica atestada e comprovada a sua capacidade para construir em gabinetes prestigiosos e bem atapetados magníficos tratados filosóficos, autênticas fortalezas inexpugnáveis com que brinda aqueles em que vibra mais alto no espírito o desejo de levantar Portugal. Fica atestada e comprovada a sua capacidade para ler em público, como se de um autómato se tratasse. É o sinal dos tempos. E pior nem sequer é bem isso; o pior é haver gente que ainda se dispõe a ouvir estalidos mecânicos e pré-programados que saem da sua boca. Haja bom-senso! Haja o espírito que não há! Se o senhor Paulo Borges tivesse aprendido alguma coisa com o Agostinho da Silva - lembre-se que o senhor Paulo Borges é, entre os seus trezentos e sessenta e quatro mil quatrocentos e dezanove cargos, Presidente duma Associação Cultural que dá por nome Agostinho da Silva - se o senhor Paulo Borges tivesse aprendido apenas uma pontinha daquilo que emanava do nosso Agostinho saberia certamente o que é a espontaneidade, e o que é conversar com os outros, e não vomitar algaraviadas insensíveis e desusadas. Hoje é um dia de luto, é um dia em que a educação volta a cair no abismo em que está mergulhada, em que a morte triunfa sobre a vida, em que Portugal falha, redondamente, e mais uma vez.
Será que falta a Portugal uma ditadura como no tempo de Agostinho para que as pessoas que vivem realmente a cultura sejam obrigadas a procurar o todo universal, a totalidade portuguesa, a totalidade lusa, fora de gabinetes e de cerimónias? Ou será que cada um só encontra aquilo que procura?
Vejo com muito cepticismo, sempre com desconfiança, e cada vez mais com desânimo, aquilo em que Portugal se está a transformar - aquilo em que estão a transformar Portugal. Que fique bem claro: isto NÃO É de maneira nenhuma o verdadeiro espírito agostiniano. Andam a atirar-nos areia para os olhos.
A dita conferência sobre ilusão e criação revelou-se quase completamente estéril, mecânica e enferrujada. Sobrou apenas a des-ilusão, que é como quem diz: a abolição da ilusão que nos estavam instalando na mente.
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2 comentários:
Estive realmente na dita conferência… No título, Fernando Pessoa, Teixeira de Pascoaes, ilusão, criação. Pareceu-me suficiente. Mais do que suficiente. Bom. Muito bom. Mas foi realmente uma pena o que aconteceu: as palavras lidas, numa velocidade que não nos permitia absorver, processar, nem metade do que se passava. Não por distracção, mas porque as palavras lidas, estavam apenas a ser lidas, e não chegavam até nós, naquele espaço já de si com pouca acústica. E nesta conferência, deveria ser importante fazer chegar as palavras, as ideias. Porque é importante pensar de trabalho de casa, é importante expor, é importante reflectir. Mas é muito mais importante (e cada vez mais importante), a partilha de ideias, a transmissão, o ensino, e sobretudo a aprendizagem e o cultivo de ideias…nas duas direcções. Porque Portugal precisa realmente de ideias, de gente com ideias, de gente que pensa ideias, de gente com vontade de pensar ideias, de gente que (por acaso) gostaria de meditar em ideias, de fomentar ideias, de formar ideias, de criar novas ideias novas. E acho que todos nós fomos lá para isso. Pelas palavras. Pelas ideias. Pela ilusão de ideias esperadas. Não era preciso (mais) ilusões, pela criação de (tão poucas) ideias.
o que é preciso é dar cultura a toda a gente, e talvez isso se faça muito mais rapidamente, e muito melhor, se se começar pela divulgação do que já há, seja português ou não. É que essas sementes que se semeiam nas mentes das pessoas podem depois, se convenientemente regadas por si próprias, e expostas ao sol, absorver os nutrientes que lhes permitam crescer e desenvolver-se, diversificar-se, e então fazer mais investigação, fazer mais estudos que procurem aprofundar essas áreas. É claro que precisamos de cultura literária, de revistas literárias, de linguagem erudita. Mas mais interessante que isso é tornar toda essa linguagem tão obsoleta acessível - acessível na forma, e não denegrindo de maneira nenhuma o brilho, o fulgor e a subtileza do conteúdo. A resposta, segundo creio, está na ciência - e por ciência se entenda a divulgação objectiva, científica e precisa, geométrica mesmo (não direi matemática, que me parece excessivo, mas geométrica), da realidade. Então, vamos lá embora; mas isso não se pode fazer em Lisboa: tem de se fazer em cada terra, em cada aldeia, em cada vila, e em cada cidade, em cada município. É de cada um deles que tem que nascer; ou por outra, é em cada um deles que se tem que criar alguma coisa. E criar alguma coisa é exactamente garantir a existência de três elementos fundamentais: 1) a existência da curiosidade inata e natural que nasce em cada um e que é o motor da descoberta; 2) a pessoa que ensine, que seja capaz de saciar, se não na totalidade pelo menos em parte, essa curiosidade que pré-existe; 3) o sítio onde se possa dar tudo isso e onde a pessoa que ensine possa ensinar à vontade todo aquele que deseje aprender. E só assim é que se vai para a frente, o resto é conversa ultrapassada.
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