segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Teoria da Comunicação ou Jornalismo?

Parece-me que faz muito pouco sentido tirar um curso de Jornalismo (não é Jornalismo, é Ciências da Comunicação*) para se poder ser jornalista. Ao jornalista não se pedem muitas coisas: tem de escrever em bom português e saber ser o mais claro possível, e tem de saber sintetizar e ser conciso - tem de ir direito à questão. Visto assim, até nem parece muito (aprender a ler, escrever e contar é um dos requisitos para o ensino secundário). O curso só pode ser eminentemente prático. Então o que falta? Falta aprender a estruturar as várias formas de notícia, como funcionam os meandros do Jornalismo e a organização das redacções. Ah, e - claro - a ter um sentido fortemente crítico, e especialmente no que toca a fontes. Dou razão a algo que ouvi do Baptista Bastos há muito tempo: alguém com um curso de História dava um bom jornalista (se repararem, todos os requisitos para ser um bom historiador - excepto os pormenores mais técnicos do jornalismo - são os requisitos para se ser um bom jornalista). Nunca é demais lembrar, e especialmente hoje em dia, que a importantíssima distinção entre fontes primárias e secundárias é algo que devia ser central a um jornalista. Mas vou ainda mais longe que o Baptista Bastos. Acho que qualquer pessoa com um 1º ciclo de Bolonha pode dar um óptimo jornalista, e explico porquê. Aos jornalistas é exigido que saibam tudo sobre a actualidade noticiável. Ora, este pedido é simplesmente idiota. Não é possível a alguém perceber tudo sobre todos os temas da nossa actualidade!! Para se ter um jornalismo de qualidade em que cada notícia apresenta a informação que é mais importante de cada situação, é preciso que quem a faz seja um especialista na matéria. Ora, só existem especialistas depois de haver uma especialização. Por essa razão é que um curso de Jornalismo (aqui sim, Jornalismo; nada de teorias da comunicação) bem estruturado teria de ser sempre um 2º ciclo de Bolonha. Apenas isso. Assim, pessoas que se especializam em Biologia, ou História, ou Economia, ou Filosofia, ou Política, ou Sociologia, ou Literatura, ou outra, num 1º ciclo de Bolonha, aprenderiam, se assim o entenderem, e em apenas dois anos (que chega perfeitamente para a aprendizagem), num 2º ciclo de Bolonha, a construir notícias e a escrever claro acerca da sua especialização.

NOTA:
Apesar de achar isto, não concordo que se acabe de vez com a teoria da comunicação. Simplesmente, o seu lugar no jornalismo é bastante restrito. Essas cadeiras de teoria da comunicação seriam facilmente repartidas entre departamentos de linguística, filosofia, sociologia e literatura. A cada coisa o seu lugar.



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*Note-se o que o cientificismo da nossa época fez às áreas do saber que não são - e é bom repetir aqui, não são - científicas: tudo aquilo que pôde ser feito para tornar algo que não é científico em algo que se aproxima do científico foi feito - colar o rótulo 'científico' em alguma coisa é mais de meio caminho andado para legitimar essa coisa sem se dar ao trabalho de dar uma justificação minimamente lógica para o fazer. Outra noção errada que esta nomenclatura arrasta é a noção de que as notícias podem ser objectivas. Não há uma só notícia que seja objectiva (uma notícia é uma perspectiva, uma selecção dos factos que são, para um dado jornalista, mais relevantes), e especialmente no mundo em que vivemos, tão sujeito a pressões sensacionalistas (quase sempre de base capitalista) e de poder/autoridade (quem manda no que sai no jornal é o grupo económico que o comprou). Na verdade, este nome tão científico para um curso de letras está de acordo com a concepção (errada, pois claro) de que ele tem de ser um curso de teoria da comunicação, e não de jornalismo.

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