sábado, 29 de dezembro de 2007

a melhor maneira para nunca deixar embrutecer a imaginação é despojar-se de tudo o que aparecer nela. Assim que chega uma ideia, deite-se ela nesse instante cá para fora. As novas ideias não surgem de mentes cheias de ideias, mas de mentes vazias de qualquer ideia. Uma mente cheia de ideias não pode albergar mais nenhuma; uma mente sempre vazia é capaz de albergar qualquer ideia, e manter-se sempre fresca e jovem exactamente como a mais transparente água se adapta ao recipiente para onde corre.
o videoclip é algo magnífico: atrai muito mais do que a simples música, ou a simples imagem. Há algo de indescritível na junção entre a sucessão de várias imagens e a harmonia dos sons que faz com que a mensagem que cada um desses compassos transporta se eleve muito acima das nossas cabeças, para voar lá longe. Talvez seja porque a sua dimensão significante é ampliada de uma forma incomensurável, talvez seja isso possível pela junção da vibração da música, da vibração da palavra - que como a música é também uma vibração do ar - , pela sucessão da imagem na sua vertente mais simbólica e transcendente.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

cleaning up the mess before the new year


and watch out what you Left behind, Zero7
tenho um grande apreço por aqueles que não acreditam em deuses, ou num deus qualquer; o único deus em que se deve acreditar é aquele que está dentro de nós.
há certas alturas em que me chateia ir dormir. É frustrante o haver tanta coisa para descobrir na vida e o nosso corpo cansado arrastar-nos todos os dias e de uma forma irresistível para o mundo dos sonhos...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Os Banqueiros Anarquistas

brevemente: a continuação do conto filosófico de Fernando Pessoa O Banqueiro Anarquista vai mostrar que, de facto, o único regime social que pode ser o verdadeiro Ideal a atingir é o regime anarquista, e o único meio de consegui-lo é tornando-se um anarquista prático, ou seja, um banqueiro anarquista.


pequeno excerto:

- É isso mesmo, como vai V. impedir que haja competição entre cada um desses verdadeiros anarquistas se todos se aplicam no seu comércio capitalista?
O banqueiro olhou para mim com os olhos a brilhar. O brilho pareceu vago por um momento, mas depressa se dissipou e o seu discurso de novo fluía no rio das suas palavras.
- Como já lhe expliquei essa situação não é possível. O único modo de um grande número de pessoas se tornarem anarquistas práticos era se as ficções sociais desaparecessem bruscamente, se não por completo pelo menos em parte; mas ainda assim de uma forma tão visível (pode-se dizer) que a mudança fosse dessa natureza. Ora, como também já lhe mostrei, as ficções sociais tendem a manter-se ao longo do tempo porque quem nasce com a vida facilitada não quer abdicar dela e favorecer aqueles que não têm as oportunidades sociais para se desenvolverem por si. Esta situação resulta imediatamente da existência das ficções sociais, e a nossa história social mostra-nos que este enraizamento das ficções é profundo: V. bem vê que cada revolução não acabou com as ficções sociais, apenas substituiu umas a outras.
Parou por um momento e soltou um grande novelo de fumo a ganhar fôlego para o que aí vinha.
- Note bem: é que até agora limitei-me a explicar o caminho que levei até me tornar um anarquista prático, mas não lhe expliquei como é que as outras pessoas podiam chegar também a anarquistas práticos como eu.
- Ora, mas V. disse-me que, pelas próprias características do seu sistema, não podia ajudar os outros no seu caminho contra as ficções sociais.
- Tem razão, homem. Pela própria natureza do processo anarquista que lhe expliquei, ajudar os outros é reconhecer-lhes a incapacidade de se ajudarem a si próprios, e portanto é o caminho errado a seguir. Mas nada me diz, ainda assim, que não posso eu, banqueiro anarquista – verdadeiramente anarquista, grande açambarcador, se V. quiser –, imaginar como poderá vir a ser o processo pelo qual os outros se transformarão em anarquistas práticos como eu.

domingo, 23 de dezembro de 2007

tratar toda a gente como igual
é coisa bem anormal
quando todos entre si são o desigual
Quiseram ler a Bíblia
como um livro de História:
acabaram sem glória
a procurar em livros de Geografia
onde ia o Éden que se ouvia
lá longe no eco da memória

Quiseram ler a Bíblia
como um livro de Matemática:
a equação saíu estática
e por mais vento que lhe desse
e sustento que aprouvesse
a solução era errática

Quiseram ler a Bíblia
com um fervor de Religião:
enfiaram um novo Jesus
no centro de uma velha cruz
e sem lhe dar perdão

Mas a Bíblia não é nada disso,
não é música para encher chouriço:
o que viram era só o que em vós havia,
e que de vossa voz ao tropeção saía,
na Bíblia o que vive é o sentido
não o escrito, ou o postiço,
mas o vívido e crescido,
o fruto amadurecido
da Árvore do Conhecimento
que só se tem quando não é colhido,
analisado, esquartejado ou dissolvido,
é aquele que está em todo o lado:
o Espírito Santo renascido.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

o que é que eu sou?
- uma pessoa que procura, nada mais.
Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes
Para não pensar em cousa nenhuma,
Para nem me sentir viver,
Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido.

Alberto Caeiro

it has to end to begin

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

a razão que faz os surfistas serem pessoas mais francas que as outras pessoas está na água. A convivência com a água durante maiores períodos de tempo faz com que uma maior quantidade das suas emoções seja depurada, e portanto que se apresente mais límpida aos olhos de quem a vê. A água purifica porque permite dissolver não só o açúcar ou sal, mas sobretudo os comprimentos de onda que correspondem às emoções. As suas propriedades são realmente extraordinárias. Ela não só purifica, de alguma forma, talvez mesmo por ser tão especial, e quando se encontra em grandes quantidades, ao interferir com os comprimentos de onda que emitimos, mas também permite transportá-los a todos. Pela água as emoções dissolvem-se e passam por osmose de uns surfistas para outros. É por isso que eles se entendem tão bem, ambos se deram à água, e a água a ambos deu tanto do que são. Por outro lado, também há a adaptação do surfista à água: o surfista, para que possa surfar convenientemente, tem que ser a água que surfa, tem que se transformar na água que passa, para que possa assim acompanhá-la verdadeiramente. Como consequência, aprende a ser fluido como ela. E assim tão fluido que se consegue adaptar a qualquer recipiente onde se coloque. É muito interessante esta relação do surfista com a água, todos deviam ser o surfista na água como o surfista na vida.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Conselho do dia

Deixa-os cagar à vontade, mas tem cuidado: não vás tu comer o que eles cagam.

I saw you



numb?

nothing's gonna change my world



Fiona Apple

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

amanhã é outro dia.
Hoje estou de costas voltadas para o mundo.
detesto todos aqueles que só têm matemática na cabeça, na cabeça não há só matemática: tudo é e não é ao mesmo tempo, sobre todos os seus infinitos aspectos.

idadescidadesdivindades

domingo, 16 de dezembro de 2007

a vida é

a vida é amar, amar, amar

sábado, 15 de dezembro de 2007

na cabeça temos duas máquinas
e cada uma pesa em nós de modo distinto
uma máquina é a máquina pensante,
a matemática das engrenagens que
enferruja as nossas juntas. A outra
não é máquina, porque nem sequer
máquina se pode chamar.
É só ar que passa. É só ar
que nos leva sempre a errar.
E é por isso que gosto tanto
e que de tanto gostar nunca me canso,
porque viver é sempre errar.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

o fácil só parece difícil quando é pouco claro.
a minha vida é uma luta constante contra a ignorância.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

a imaginação é a mãe da ciência

NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA: JORNALISTA DO PÚBLICO DESCOBRE OS GENES DA PRETALHADA

Numa notícia bombástica e nada sensacionalista publicada pelo jornal de altíssima qualidade Público, agora com as cores da moda para atrair traças que se encandeiem facilmente, diz que:


16 por cento dos genes do cientista são de origem negra
Afinal, o Nobel James Watson tem genes negros


(façam o favor de consultar aqui)



Depois de tantos e aturados estudos sobre a sequência do material genético humano, uma jornalista descobriu que existem genes negros! Devo dizer que nem um geneticista poderia ter feito uma descoberta de tal calibre! Parabéns, estão todos de parabéns! Agora fica a dúvida: já que ele descobriu genes que são pretos, será que existem genes amarelos, vermelhos, verdes ou até mesmo cinzento-azulados? É urgente encetar esforços nesta área da coloração genética. Já estou mesmo a ver que nova tecnologia vai despontar dentro de pouco tempo: a pintura de genes. Quem só tem genes monocromáticos vai, certamente, querer fazer umas nuances de outras cores, algo monocromático está completamente fora de moda. Sugiro que façam bandas de duas cores diferentes, alternadas, que agora as riscas bicromáticas estão muito na moda. E fica sempre bem, claro.

Espera lá, ou será que a mulher queria dizer que encontraram os genes que fazem os pretos serem pretos e cheirarem a catinga e falarem aquele português assim muito à preto? Oh meu deus! Proclame-se imediatamente:


Jornalista do Público descobre o gene da pretalhada e mais adianta que James Watson, esse facínora do Nobel, espião americano de americanos para seu proveito próprio, tem genes da pretalhada a dar com um pau!


Ora isto é que dava uma bela notícia! Espero bem que a tecnologia de corte e costura de DNA se desenvolva o mais possível para eu ir tirar todo o resquício de genes de pretos que tiver, e substituir tudo por brancos. Bem, se calhar deixo uns quantos, e aproveito para meter uns genes de chineses, islandeses e brasileiros. A comunidade científica deve estar maravilhada: até hoje ninguém conseguira encontrar o gene dos pretos, mas parece que uma jornalista conseguiu o impensável: de uma assentada só descobriu isso tudo, e ainda por cima no James Watson. Proponho que se tire imediatamente o Nobel da Paz deste ano ao Al Gore e se dê a esta magnífica jornalista que honra todo o mau nome que a sua profissão tem, e também não admira: o capitalismo também consegue alcançar a tão badalada liberdade de imprensa que nos querem vender todos os dias. Mais uma vez, estão todos de parabéns!

grow up before losing the child in your eyes.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

por onde vou desfaço-me.

Tenho um grande apreço por quem não acredita em Deus.
Eu também não acredito nele.
Acredito nas pedras, na água, na luz que o sol me dá, na erva fresca da manhã
Mas não acredito em Deus.

Deus é uma ideia que as pessoas meteram na cabeça
quando não tinham nada para fazer e os olhos estavam cerrados
e cansados de tantas mentiras.

Mas pode ser que Deus seja uma ideia que as pessoas não meteram na cabeça
pela simples razão de que ela já na cabeça lhes tinha sido metida,
e isso já me faria pensar duas vezes.

Mas se Deus está na cabeça do homem, então
ou o homem ou alguém lhe teve que meter a ideia na cabeça
(se pensarmos que ter uma ideia na cabeça
implica que alguém lá tenha posto alguma coisa)
ou então a ideia sempre lá esteve,
e nesse caso ninguém podia lá meter ideia nenhuma
porque se ela sempre lá esteve, na cabeça,
(fosse a cabeça esta ou outra que desconhecemos)
então não existia o antes de haver a ideia
existia apenas a ideia, e nada mais.

Mas mesmo assim continuo a gostar de quem não acredita em Deus
nem sequer na ideia que têm na cabeça
porque esses procuram o que há na cabeça
antes de haver ideia alguma.
Só haverá pesar se a cabeça onde eles procuram
não passar também ela de uma ideia de cabeça
uma ideia que às vezes tem muitas outras
uma ideia que é sempre tida por muitos outros,
mas isso só se a cabeça for uma ideia.

Mas a ideia que tenho da cabeça, em si mesma, essa,
já é uma ideia de qualquer coisa,
e a ideia que tenho da cabeça é em nada diferente da ideia que tenho de Deus.
E não sei qual ideia é mais real que a outra.
Para mim, são as duas, tão reais
como qualquer outra coisa.

Talvez as cabeças sejam só ideias,
e talvez as ideias sejam só o tudo
que nos é permitido conhecer.
Por isso, e ao contrário do que Caeiro diria,
não me volto para a realidade que está lá fora.
A realidade que está lá fora é igual à realidade que está cá dentro.
Tudo é uma grande ideia do todo,
e todos são pequenas ideias de tudo.
O que é real na nossa cabeça são as ideias, não o que está lá fora.
Lá fora está só o que está cá dentro,
e cá dentro está a ideia onde tudo mora.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Buracos

Fartou-se de rir
Silvestre Vitalício
quando lhe falaram
do buraco de ozono.

Como podem ser
tão supersticiosos?, perguntou.

Se o céu inteiro é um buraco!, argumentou.

Pecado é o Homem
usar seu vazio
para tapar esse altíssimo nada.

Mia Couto



Mia Couto é um dos maiores poetas vivos do nosso tempo que já passaram a perna há muito para lá do tempo. Tudo nele é poesia, até uma palavra inventada, se for, porque até ele veio, e até nós se mostra. Mas raros são aqueles que deixam de escrever poesia para se tornar nela. Mia Couto já há muito que deixou de ser poeta, agora, estendido, é todo poema.

domingo, 9 de dezembro de 2007

por vezes chego a ser tão claro que ninguém me entende.
os meus jornais são os blogues que vão escrevendo. Se a insenção jornalística é coisa que não existe, então prefiro ler notícias que se assumem à partida como completamente deturpadas pela centelha da imprevisibilidade que é o núcleo do ser.

sábado, 8 de dezembro de 2007

minh'alma é um barco vazio
vogando à vontade
rompendo o desafio

minh'alma é um barqueiro descontente
remando com o pensamento
num silêncio dormente

minh'alma é o claro lago mudo
que desfila pela frente
de água o meu sobretudo
cadente

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

a desgraça órfã é a eterna cruz. quando sabemos que outro alguém também sofre com aquilo que nos faz sofrer é como se o nosso sofrimento deixasse de doer tanto, a nossa mágoa já não pesasse como pesava. o sofrimento que é comum a vários partilha-se, a sua importância desvanece-se porque não é propriedade única e exclusiva de uma só pessoa, mas é como se esse grande sofrimento ficasse repartido por muitas cabeças, e o quociente fosse menos pesado que o dividendo. Mas ai daqueles que sofrem com a sua única, própria e exclusiva cruz. Esses, não podem partilhar o seu sofrimento com ninguém, visto que ninguém os compreende. E ninguém os compreende porque ninguém sofre da mesma maneira que eles. E porque não sofrem dessa mesma maneira, para eles é como se esse sofrimento não existisse. E se não é real para eles, então poucos ou nenhuns prestam atenção ao que ele verdadeiramente significa, para a pessoa que o tem, ou ao que ele poderia significar, se ele fosse também deles. É por isso que pesa mais a cruz que se carrega ao pescoço, a única que não pode ser partilhada.

mas há também algo de tesouro nessa cruz, é o facto de ser única. Como é única, e não encontra par, é rara e preciosa, e aquilo que ela significa tem um valor incalculável para nós. A nossa eterna pena é termos a visão tão turvada que não o conseguimos ver. A quem pede aos deuses uma vida alegre e despreocupada, os deuses dão uma vida cheia de prazeres, com que se contentem alegre e despreocupadamente. A quem procura tornar-se um deus vivo, dão os deuses provas e tormentos terríveis, ideias e visões tenebrosas, obstáculos duros e quase intransponíveis, para separar aqueles que são deuses tornando-se daqueles que querem ser deuses por direito próprio. Ninguém é deus pelo simples facto de respirar o mesmo ar que os deuses respiram. Quem quer ser deus, supere os obstáculos intransponíveis, supere-se a si mesmo, dê o salto para fora de dentro de si. Quando todos os obstáculos estiverem ultrapassados então chegaremos à conclusão de que todas essas provas não foram mais que correcções da nossa consciência para que pudesse melhor ver a grandeza que há nela, que sempre houve e que sempre haverá...
querem um projecto existencialista, tomem lá este:

Ser tudo de todas as maneiras
AO MESMO TEMPO E EM TODOS OS MOMENTOS.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007



needing a Twist of fate?

hoje não me apetece nada.

a vida é um monumento ao prazer

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

enquanto se matavam à espadeirada
fui semeando
e colhendo com a enxada
o meu lema é

Morra o Dantas, Pim!
quem fala mal de tudo só pode ter uma grande dor de corno na alma.
o maior prazer do mundo é o sentir um corpo colado ao nosso, extensão do pedaço de carne e sangue que somos, até que a matéria se faça luz.
a inveja, a acérrima inveja, e o egoísmo que dela nasce são aquilo que faz andar o mundo. É pela inveja que temos daquilo que os outros têm e que nós não temos que nos esforçamos a alcançar os nossos ideais somente com o desejo de ultrapassar os outros. O altruísmo é uma forma de egoísmo mais elevado, apenas assenta no maior prazer que podemos sentir por ajudar alguém. É outro vício da consciência, hedonista como qualquer outro, e tão banal enquanto comum a todos os que sentem, e a todos quanto sentes. Todos os seres buscam o prazer, é essa a prioridade máxima em qualquer caso, nem que seja na dor do sacrifício que fazem para alcançar um prazer maior.

domingo, 2 de dezembro de 2007

quem não sabe que o neo-realismo é o surrealismo do realismo enquanto super-realismo que não deixa de ser realista não faz nada que não tenha já sido feito até hoje.
amo objectivamente o subjectivo e, portanto, subjectivizo-me objectivamente em tantos sem sair do mesmo para que permaneça sempre o mesmo objectivo e sempre diferentemente subjectivo. Este caminho vai mais além do que o de Pessoa porque Pessoa subjectivizava-se objectivamente saindo de si e transportando-se para outros. Ora, nos tempos que correm, o que é necessário não é separar, visto que tanto há já separado, e que tanto se procura separar. Portanto, o único caminho verdadeiramente válido a seguir é o caminho da união, da reunião ou do casamento. Subjectivizar sem sair do mesmo sítio, já não físico ou psicológico, mas sem sair de si, sem procurar nomear em outros aquilo que se é. De uma vez por todas entenda-se: Pessoa nunca deixou de ser Pessoa quando era Reis, Caeiro, ou outros tantos. Pessoa foi sempre o mesmo Pessoa, apenas levava ao extremo a contemplação subjectivamente analítica que tinha de si mesmo. Mas isso obrigava, por processos que são inerentes a si próprio, a esquartejar conceptualmente aquilo que era, ou aquilo que sentia. O que falta entender, acima de tudo, é que hoje como ontem Pessoa nunca deixou de ser Pessoa, e cada Poeta que poetava era uma porção diferente do todo indissociável que Pessoa era. Pessoa era isso tudo ao mesmo tempo, apenas se partia na dimensão temporal e se paria na dimensão espacial para que melhor se pudesse entender, para que melhor pudesse ser entendido. Mas hoje isso já não chega. O que é preciso fazer, hoje, é juntar o espaço com o tempo, o um com o outro, o ser com o existir, a certeza com a incerteza. Disso, o que resultará, não se sabe. Nem pode ser nomeado, se é que se poderá nomear tal coisa. Se se pudesse, talvez se dissesse que era a coisa sendo, ela própria, e não sendo, ao mesmo tempo, e sobre todos os aspectos. E essa coisa é a vida, é o próprio universo, são os saltos quânticos entre lagoas de infinito. O que é preciso é transpôr-se essa lagoa nunca deixando, nem por um momento, de a ser, ela mesma, profunda e grande, grande e profunda. O que é preciso é deixar-se ir sendo, à vontade como quem vai boiando ao sabor da maré, arrastado pela corrente do momento. É abrir as comportas do pensamento e as portadas da chaminé. Deixar o fumo entrar e depois sair com ele, permanecendo sempre onde se está, em todo o lado e em parte nenhuma. Viver o paradoxo não como o paradoxo, em si, que se é, mas paradoxo sendo e não sendo ao mesmo tempo, ora presente ora ausente, sem noção de liberdade ou de dia futuro, sem noção de noite ou dia, de humanidade ou de bestialidade, sem qualquer noção desarticulada sobre o que quer que seja, apenas sendo e não sendo, fazendo e apagando, e estando sempre superior a tudo isso e no cerne da vida. Matar para viver, matar-se para deixar viver, viver para se ir matando e vivificando a realidade no sonho, ou sonhando com a realidade, deixando o sonho entregue a si mesmo. Sem horas, relógios, horários ou conceitos, e fazendo crer que cada um deles é importante quando o não é. Usar os instrumentos sendo os próprios instrumentos, tocar-se e soprar-se, percutir-se, e estando sempre a observar-se de fora, a observar-se como uma plateia gigantesca de ideias fervilhando cada uma para seu lado, todas juntas e todas diferentes, todas iguais e todas unas. Uma orquestra que se toca e se assiste a si própria ao mesmo tempo, falando em silêncio e em silêncio permanecendo. Com um pé no palco e outro na cadeira, e sem os dois pés no chão, com a cabeça sem ar a ser atravessada, sentindo e pensando, revolvendo o olhar em qualquer direcção. Desarmando os bandidos para usar as suas armas contra eles, para usar as suas armas contra nós e contra todos nós, para dar as armas aos outros para que os outros nos possam desarmar, para deixar-nos armados e desarmados, conscientes e inconscientes, a falar e a desconversar, sempre aos pares de cada conjunto ímpar. Nesta época em que cada coisa cada vez é mais incipiente, usar cada coisa para mostrar a sapiência, trocar as voltas ao mestre e ao mestrando, ensinar os professores a aprenderem para que os alunos aprendam consigo mesmo, e até que consiguem ensinar os professores sem deixarem de ser alunos. A maior virtude da vida é ser-se aquilo que se é sem saber, sem saber que se é, mas sabendo-o, ou melhor, sentindo-o como quem não sabe o que é sentir, mas que sente apenas sem precisar de sentir aquilo que vai percorrendo. Saber-se e desconhecer-se, liberdade de vendaval gritante pelas encostas do vento escorregando. Despersonalizar-se personalizando a sua imagem de síntese autoritária e permissiva a tudo. Desprender-se e prender-se a si, soltar as amarras da sua consciência para vigiar o inconsciente de cada vez que se liberta, e rir de si próprio a plenos pulmões, para chorar de si mais à vontade, sentir, sentir, sentir e sentir, o gosto da chuva, o sabor do vento, a idade da morte, o saber ao certo e ao incerto, ao vento e ao monte, à lua e ao sol, a tudo o que nos existe, nos assiste, por dentro como por fora, por fora como por dentro, de todas as maneiras e de todos os modos, nunca deixando de ser aquilo que é cá dentro e nunca deixando a sua pele de fora, armadura esquelética e férrea do interior exposto, exterior de placas e de camadas gordurosas inertes internas. O que há a fazer é casar o Pessoa com o António Botto, a Virginia Woolf com o Henrique VIII, o Newton com a Maria Montessori, Da Vinci com o Cesariny e Júlio Dantas com o Giordano Bruno.
uma grande vantagem na vida é ter uma memória muito grande. Assim sabemos quem fala verdade e quem fala mentira, quem diz e quem faz e quem faz sem dizer, ou quem diz sem fazer, quem diz o que dissémos e faz o que não fizemos, quando dizemos o que fazemos e quando dizemos aquilo que outros nos disseram. Toda a consciência do que é a vida passa pela memória daquilo que não existe mas que foi, daquilo que já passou e não acontece, daquilo que é a causa do agora e que já não tem substância própria.
a minha vida é um altar à ambiguidade, um culto ao subjectivo.
Cesário Verde foi o maior poeta do seu tempo porque foi o único que não via somente aquilo que queria, mas sobretudo aquilo que realmente havia diante dos seus olhos, que via a realidade tal como ela era, objectivamente, enquanto deambulava pelas ruas.
a publicidade é o lixo mental do nosso século. Ela instala-se no nosso cérebro, bem pronta a atacar quando menos esperamos. Esta nova forma de condicionamento neopavloviano procura criar redes de associações mentais que emparelhem estímulos neutros com sentimentos bons e agradáveis em relação aos produtos que se procuram vender. Os hipermercados estão construídos de tal forma que deixam a mente num estado dormente: as suas grandes dimensões aglomeram muitas pessoas, o que cansa muito a mente porque ela mal consegue compreender uma pessoa de cada vez; a sua música de elevador, comercial, para grandes massas, segue os compassos da música popular, de modo a ficar no ouvido e a adormecer a nossa atenção instilando soporíferos; a nossa já degradada concentração percorre prateleiras e prateleiras infinitas do labiríntico capitalismo de modo a que não consigamos encontrar aquilo que pretendemos e de modo a que fiquemos presos naquela masmorra horrível; os locais onde se encontram os produtos mudam sucessiva e ciclicamente para que ainda nos percamos mais nesses labirintos e não saiamos dali sem encontrar, pelo menos, trezentos minotauros; as coisas que se querem vender estão mesmo ao nível dos olhos, à mão de semear, bem como as promoções de produtos que estão quase fora de prazo; toda esta dormência mental é necessária para que, quando a nossa memória passa em revista um produto, se lembre do anúncio mais assim ou mais assado ao qual associou sentimentos favoráveis e acabe por levá-lo, a favor ou contra a sua vontade, faça-lhe esse produto falta ou não, e sobretudo para que leve cada um de nós ao endividamento extremo, que é o penhor em punho. Por isso detesto a publicidade e detesto quem a publicita, detesto a imposição externa e a serenidade acrítica, detesto a imposição forçada e a obediência extrema, por isso detesto a televisão com os seus anúncios intermináveis, por isso detesto letreiros luminosos de néon, por isso detesto aqueles que querem que nós pensemos da maneira que eles pensam, por isso detesto frases e ideias já feitas, e por isso também não sigo, e me recuso terminantemente a seguir, qualquer caminho que já foi traçado, qualquer caminho que já foi percorrido, e qualquer caminho que já foi pensado. A publicidade é a inimiga do homem: é a corrupção da mente, a infantilidade do juízo. E não admira nada que a publicidade seja algo horrível e deturpador, nasceu de mentes nacionais-socialistas que eram a versão capitalista da ditadura.

Queimem todos os panfletos capitalistas!

Morte aos produtos do consumismo!

Bombas para os hipermercados e supermercados!

Curto-circuitos para as televisões!

Morte às embalagens de plástico!

Vómitos para cima das grandes empresas!

Não, não e não a tudo o que for embalado!

Não às sopas instantâneas!
Mijo para cima das comidas já preparadas!
Desconfiança para tudo o que cheirar a dinheiro, e sobretudo quando europeu!

Vivam os rissóis da vizinha de baixo!
E as frutas e os legumes da praça ao princípio do dia!
Vivam os queijos ilegais e as vacas malhadas!
E os canteiros e as hortas maninhos e daninhas!
Vivam os caracóis que comem as couves!
E as lagartas que são as mães das borboletas!
Vivam os pulgões e as joaninhas que os comem!
Vivam a Lua, o Sol, as estações do ano e os cometas!