domingo, 19 de outubro de 2008

conhecer uma pessoa é unir-se a essa pessoa. E não é possível unir-se a outra pessoa se não formos nós a pessoa com que nos unimos. Porém, não nos é possível deixar de ser aquilo que somos; e, portanto, grande e grave é este paradoxo que nos atormenta a união à vida e nos dificulta a ascensão ao alto. A experiência prática supera sempre, e em muito, toda a teoria que se queira inventar para explicá-la; é por isso que constatação de que esta união é possível facilmente dá razão à primazia da união sobre a impossibilidade de esta se realizar. É esse ponto que procuraremos esclarecer.

a união com outra pessoa só se pode atingir se formos nós capazes de sentir tudo do mesmo modo que a outra pessoa o sente. Só assim poderemos compreender porque sente essa pessoa desse modo e não de outro. Não estaremos a compreender objectivamente o que a pessoa é, mas sim a compreender subjectivamente - que é a única forma de compreender algo subjectivo - o que a pessoa realmente é. E isso trata-se de ter fé.

Mas o paradoxo não fica explicado por esta exposição. Como é possível ser o que se é sendo diversamente? Ainda que sejamos o que somos, e que não possamos ser outra coisa que aquilo que é de nossa natureza, é-nos contudo possível a capacidade de outrar. Outrar-se é tornar-se outro, e portanto imaginar o que é possível sentir se a nossa natureza fosse outra. Ora, este outrar-se é um fenómeno exclusivamente mental. Torna-se outro aquele que sente como se fosse outro, embora não o sendo; e não aquele que se mascara ou se falseia de outro. E se dúvida houvesse quanto à realidade deste processo, o exemplo de Pessoa pode esclarecer este ponto. Cada heterónimo resulta de um processo de outração. Outrando-nos procuramos desdobrar os limites da nossa sensibilidade, e até ao ponto em que eles deixam de existir. Só assim é possível sentir tudo de todas as maneiras. Mas como continuar a sentir o que se é, sendo outro? Só há uma hipótese: sentir tudo de todas as maneiras em simultâneo e sempre. Mas a verdade é que, se há quem consiga isso, então a natureza humana só pode ser uma...

Sem comentários: