sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A razão que faz as pessoas do nosso tempo gostar tanto de Álvaro de Campos é infinitamente estúpida. Primeiro, porque ele era um engenheiro naval, e portanto gostava das máquinas e dos maquinismos, e hoje já nem sequer sabemos viver sem eles, a televisão hoje é uma forma de dependência. Depois, porque ele fazia a exaltação eufórica das maravilhas capitalistas que nos rodeiam por todos os lados, e tantas vezes nos asfixiam. Para além disso, há a sempre presente crença vã numa evolução da sensibilidade que nunca chega a existir, um arrependimento de alguma coisa que se perdeu e já não volta, uma limitação de espírito que nos leva a ficar fechados nas nossas casas e a flagelar-nos com o chicote da saudade. O que havia de decadentista tornou-se decadente. O que havia de decadente, caiu. Não sei se já era assim no tempo de Álvaro de Campos, provavelmente o seria, não com esta intensidade de hoje, mas devia sê-lo. De facto, só hoje as pessoas começam a compreendê-lo - e ainda passarão muitos anos até compreenderem o verdadeiro significado de Caeiro. Mas as pessoas gostam dele porque acreditam que ele nos fez ver o lodo em que iríamos desembarcar. O ópio que não iríamos poder deixar de cheirar. As pessoas gostam dele porque não têm ideias próprias e pensam que não é possível fazer melhor do que aquilo que já está feito. E essas pessoas, as que pensam assim, estão tão mortas como morto está Campos.

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