domingo, 15 de fevereiro de 2009

prémio "Mas onde é que eu já ouvi isto?"

Nada poderia ter sido pior para o desenvolvimento da minha mente do que o liceu do Dr. Butler, dado que era estritamente clássico, não ensinando mais nada além de alguma geografia e história da antiguidade. O liceu como meio de educação foi para mim simplesmente um zero. Durante toda a minha vida fui completamente incapaz de dominar qualquer língua. Dava-se grande atenção à composição de versos, uma coisa que nunca consegui fazer bem. (...) Decorar as lições do dia anterior era algo a que era dedicada muita atenção; podia fazer isso com facilidade, aprendendo 40 ou 50 versos de Virgílio ou Homero quando estava na capela de manhã; mas este exercício era completamente inútil, visto que tudo era esquecido em 48 horas. (...)

Quando acabei o liceu não era, para a minha idade, nem o melhor nem o pior; e creio que todos os professores e o meu Pai me consideravam um rapaz medíocre, bastante abaixo da média do ponto de vista intelectual. Para grande mortificação minha, o meu pai disse-me uma vez, «Não pensas em nada a não ser em cães, andar aos tiros, e caçar ratos, e hás-de ser uma vergonha para ti e para toda a tua família.» Mas o meu pai, que era o homem mais bondoso que eu alguma vez conheci, e cuja memória amo de todo o coração, devia estar zangado e foi algo injusto quando usou tais palavras. (...)

Como eu não estava a ter sucesso no liceu, o meu pai tirou-me de lá mais cedo do que o costume e mandou-me (em Outubro de 1825) para a Universidade de Edimburgo com o meu irmão e lá fiquei dois anos. O meu irmão estava a acabar os seus estudos em medicina, embora pense que nunca teve a intenção de exercer, e eu fui enviado para os iniciar. Mas pouco depois convenci-me, a partir de várias pequenas circunstâncias, de que o meu pai me deixaria posses suficientes para que vivesse com algum conforto (...); mas esta convicção foi suficiente para impedir qualquer esforço tenaz para aprender medicina.

O ensino em Edimburgo era exclusivamente por meio de Aulas Teóricas, e estas eram intoleravelmente maçadoras, exceptuando as de química por Hope; mas para mim as aulas teóricas não têm vantagens, antes várias desvantagens, quando comparadas com a leitura. As aulas do Dr. Duncan sobre Matéria Médica às 8 horas numa manhã de Inverno são uma lembrança assustadora. As aulas do Dr. Munro sobre anatomia humana eram tão maçadoras como ele próprio, e o assunto causou-me repugnância. (...)

Durante o meu segundo ano em Edimburgo frequentei as aulas de Jameson sobre Geologia e Zoologia, mas estas eram inacreditavelmente maçadoras. O único efeito que produziram em mim foi a determinação de nunca, enquanto vivesse, ler qualquer livro de Geologia ou estudar de algum modo esta ciência. (...)

Depois de ter estado dois anos lectivos em Edimburgo, o meu pai deu-se conta, ou soube pelas minhas irmãs, que eu não gostava da ideia de ser médico, e assim sugeriu que eu me tornasse um padre anglicano. Ele opunha-se, com razão e veementemente, a que eu viesse a ser um desportista ocioso, o que parecia ser o meu destino mais provável. (...)

Na Universidade [de Cambridge] havia aulas abertas ao público sobre vários assuntos, e a frequência era totalmente voluntária; mas eu estava tão enjoado de aulas em Edimburgo que nem fui às aulas eloquentes e interessantes de Sedgwick. Se o tivesse feito ter-me-ia certamente tornado geólogo mais cedo. No entanto, frequentei as aulas de Henslow sobre Botânica, e gostei imenso delas devido à sua grande clareza e às admiráveis ilustrações; mas não estudei botânica. Henslow costumava levar os alunos, incluindo vários membros mais antigos da Universidade, a saídas de campo, a pé ou de carruagem se fosse a sítios distantes, ou num barco pelo rio abaixo, e leccionava sobre os animais ou plantas raros que se observavam. Essas excursões eram encantadoras.

Embora, como veremos em breve, houvesse alguns factores atenuantes na minha vida em Cambridge, perdi tristemente o meu tempo, ou mesmo pior. Devido à minha paixão por caçar ou, se isso falhasse, por andar a cavalo a corta-mato, juntei-me a um grupo de desportistas folgazões, incluindo alguns jovens estróinas e de pouca confiança. Muitas vezes passávamos os serões juntos, embora esses jantares incluíssem frequentemente pessoas de maior calibre, e às vezes bebíamos demais, com cantorias alegres e jogos de cartas a seguir. Sei que me deveria sentir envergonhado de dias e serões passados assim, mas como alguns dos meus amigos eram muito agradáveis e estávamos todos muito animados, não posso deixar de me lembrar desses tempo com prazer. (...)

Ainda não mencionei uma circunstância que influenciou a minha carreira mais do que qualquer outra: a minha amizade com o Prof. Henslow. Antes de ir para Cambridge ouvira falar dele pelo meu irmão, como um homem que conhecia todos os ramos da ciência, e estava por consequência disposto a venerá-lo. Uma vez por semana recebia todos os que quisessem ir a sua casa, e todos os estudantes e vários membros mais velhos da Universidade que se dedicavam à ciência costumavam passar aí o serão. Cedo recebi um convite, através de Fox, e comecei a lá ir regularmente. Depressa me tornei íntimo de Henslow, e durante a segunda metade da minha estada em Cambridge dei longos passeios a pé com ele quase todos os dias; de modo que alguns dos professores me chamavam «o homem que passeia com Henslow»; e ao serão era muitas vezes convidado para o jantar em família. Os seus conhecimentos em botânica, entomologia, química, mineralogia, e geologia eram extensos. O seu gosto mais forte era tirar conclusões a partir de observações prolongadas e minuciosas. O seu discernimento era excelente e toda a sua mente era equilibrada; mas não creio que alguém possa dizer que tivesse um talento muito original. Era profundamente religioso (...). As suas qualidades morais eram admiráveis sob todos os pontos de vista. Não tinha o mais leve laivo de vaidade ou qualquer sentimento mesquinho; e nunca vi um homem que se preocupasse tão pouco com ele próprio ou com os seus problemas. Estava sempre sereno, e os seus modos eram afáveis e cheios de cortesia; e no entanto, como testemunhei, podia chegar à mais viva indignação e rápida tomada de acção se presenciasse alguma vileza.

(Darwin fala sobre a sua vida na sua autobiografia)



Como pôde Darwin chegar a ser o Darwin autor da teoria evolutiva que hoje tão bem conhecemos? Segundo o próprio, a sua educação apenas o ajudou muito pouco ou nada; devemos até ir mais longe e dizer que a sua educação contribuiu muito mais para o afastar do estudo científico do que para o aproximar à ciência. A figura do professor enquanto modelo e orientador é fundamental, já todos os sabemos. Não é coisa que precise de confirmação por meio de documentos. A mestria de Darwin reside, por um lado, no seu gosto e na sua curiosidade incansável pelo mundo que o rodeia, o mundo geológico e natural (serão estas características inatas? É bem possível que assim o seja.); por outro lado, a presença de um grande mestre orientador como Henslow - certamente a vários níveis, e nem sempre ao nível académico - foi completamente fundamental para o desenvolvimento na prática de todos os dias da jovem mente de Darwin. Não só o seu professor o guiou desta forma, como também foi o principal responsável pela aventura de Darwin a bordo do navio Beagle ao sugeri-lo como a pessoa indicada a ocupar o cargo entretanto vago de naturalista oficial da embarcação ao capitão FitzRoy. Ainda durante a viagem, foi Henslow que recebeu os espécimes geológicos, animais e vegetais enviados por Darwin, reencaminhando-os para os especialistas em cada uma das áreas. Quando Darwin chegou à sua Inglaterra depois dos cinco anos que durou a sua grande viagem à volta do globo, já era conhecido nos círculos científicos e gozava de uma honrosa reputação. Tudo graças a Henslow. Aqui se prova a importância da figura do mentor, orientador essencial no desenvolvimento do potencial do jovem neófito. A responsabilidade do professor ultrapassa as paredes da academia: vai para além das aulas e das instituições; o verdadeiro professor é um inspirador das jovens mentes, um ponto de apoio das pontes que vão do presente ao futuro. O verdadeiro professor tem forçosamente de ser um excelente visionário - visionário porque tem de ser capaz de ver, para lá das fronteiras do tempo e do espaço, qual o valor do seu aluno ainda antes de ele se ter cumprido. Esta é uma das muitas lições que a história nos conta, e a razão pela qual tantos erros do passado se continuam a repetir só pode estar no desconhecimento da história da humanidade. A nossa missão é garantir que os erros não se repetem.

4 comentários:

Jubylee disse...

Olha, eu não te perguntei, mas coloquei um pequeno excerto deste texto no meu blogue (devidamente identificado e com o link, é claro!). Espero que não te importes, se não eu retiro.

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Daniel disse...

o único requisito era pôr a fonte (e manter o significado). De resto, só tenho a agradecer a publicidade - o meu objectivo é chegar até às pessoas.

Jubylee disse...

Acho que o significado se manteve. Senão vê aqui: http://jubylee.tumblr.com/post/78536270/o-verdadeiro-professor-tem-for-osamente-de-ser-um

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Daniel disse...

Sim, foi isso que eu quis dizer hehe.