segunda-feira, 14 de julho de 2008
Nos tempos que correm até a digníssima arte da representação é manchada por meia-dúzia de rapazes imberbes e raparigas inúteis que alimentados por promessas ocas e vãs de fama fácil pela vida fora saem disparados de agências de modelos e vão para capitalistas estações de televisão que só obedecem a uma e mais nenhuma lei, na verdade a pior de todas, a lei dos mercados e dos mercadores.
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2 comentários:
Arte essa tão digna que é dos poucos trabalhos dignos para as crianças...
Não me parece que o trabalho de actor seja para crianças... As crianças, de facto, constituem todo um universo à parte: vivem da brincadeira, alimentam-se da sua imaginação criadora, que na verdade não conhece limites, e fazem aquilo que lhes apetece. A missão do actor, pelo contrário, é muito mais precisa, até poderíamos dizer mais racional - mesmo se há racionalidade matemática naquilo que se faz. É mais racional porque tem de ser orientada por uma razão, por um objectivo claro e bem definido que é a mensagem da peça. Mesmo na peça que não pretende ter mensagem nenhuma há sempre uma: a de cada pessoa ver nela aquilo que é. O actor tem de ter essa consciência, que pelo menos não parece existir na criança: a criança não tem consciência de nada, vive simplesmente entregando-se à vida. Ela é o actor múltiplo, com os seus múltiplos heterónimos desdobrando-se caleidoscopicamente. O actor necessita da racionalidade que lhe permite focalizar a sua atenção, o seu gesto, a sua voz, numa mensagem precisa. E, enfim, precisa de ter experiência, precisa de ter vivido a vida para saber como ela é e assim representar fielmente as suas personagens. Já o contrário me parece inteiramente verdade: todo o bom actor é criança, se não no corpo pelo menos no espírito, criando naquilo que dá de si a cada personagem, ao outro. O que é algo que tem muito de pessoano. E isso mostra-nos que a actividade do actor é muito mais difícil que a da criança, é tão difícil que até o próprio Pessoa tantas vezes se lamentava disso: trata-se de ter a consciência da mensagem e, ao mesmo tempo, ter a mente livre para criar à vontade com aquilo que surgir - inconscientemente, sempre que possível; conscientemente, se for caso disso. Portanto, há muito a desconfiar quando vemos uma criança que dá um bom actor: essa criança teve forçosamente que se transformar num adulto precoce, coisa mais horrível, para ter a consciência daquilo que está fazendo. Ou então não a tem, e aí fará um bom papel apenas se servir à sua disposição do momento; de maneira que é preciso ter muito cuidado com essas situações...
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