terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Tudo aquilo que escrevo é melhor do que tudo aquilo que alguém alguma vez já escreveu. Não estará o meu mérito mais no facto de estar eu vivo e os outros mortos - e note-se que muitos há que nunca chegaram a morrer -, mas sobretudo no ser eu o que sou no espaço e no tempo que me pertence, ou pelo menos que me acolheu pelo período que assim delimitei. Todos os espaços e todos os tempos que são anteriores a este em que vivo são distantes brumas e cerradas névoas de coisas que já não voltam, e por isso pouco ou nada me interessam. Aquilo que procuro não está no passado, e nem sequer no futuro: está no presente; neste presente de cada dia em que vivo e em que descubro hoje tudo o que há a mais daquilo que ontem nunca houve. Poderá o tempo não existir, e assim estarei amando alguma coisa que não existe; poderá o espaço não existir, e assim estarei de novo amando alguma coisa que não existe; mas de tudo o que existe, mesmo daquilo que já se perdeu da existência, amo sem pensar; e portanto tudo o mais não interessa. A fraqueza de um Camões ou um Vieira, de um Agostinho ou de um Pessoa, a verdadeira fraqueza que os percorre a todos, é o não viverem no meu tempo e não poderem ver todas as coisas que nele há, tudo aquilo que há a mais que não havia, e que nos permite sermos o todo de uma forma muito mais integral. Daqui a muitos anos, quando este meu corpo se cansar de mim, ou esta minha alma encontrar morada que melhor a albergue, hão-de nascer muitas mais pessoas, em tempos e espaços muito longínquos deste meu eu de agora. O que haverá de forte nelas será o que passou a haver de fraco em mim, e só nos é possível dizer para além disto que não podemos nem sequer imaginar o quanto de bom hoje será melhor amanhã. Vivamos o que temos, exista ou não exista; não há nada de melhor que podemos atingir.

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