quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Pós-modernices

Parece-me bastante ridículo esse termo que por aí certas personagens andam apregoando para tentar caracterizar este nosso tempo de globalização promíscua centrada na ditadura económica. Se chamam a isto pós-moderno é certamente porque não têm a imaginação criadora que permite fazer sair sempre novos coelhos da cartola. Pós-moderno é aquilo que vem depois do Modernismo. E isso, o que é?

A incapacidade que existe em nomear algo novo, algo que surja para levar a cultura da humanidade a dar um passo em frente, deve-se também à diversidade, por vezes excessiva, de ideias que andam por aí soltas.

Depois do final do Império Grego, é a tecnologia, e não a reflexão filosófica, que comanda o avanço da cultura do Império Romano. Assim, a maior parte dos criadores que habitam este neo-império romano atem-se aos desenvolvimentos tecnológicos e cria, a partir dos novos objectos físicos que vão surgindo, e das teorias científicas que vão sendo construídas para explicar novos resultados nunca antes suspeitados, uma extensa análise reflexiva, aplicada sobretudo à vertente ética do seu uso, numa perspectiva mais aplicada, mais costumeira, mais prática.

Existem, porém, alguns rasgos de génio que teimam em marcar a diferença, primando sempre pela sacudidela mental que faz desempoeirar a consciência, e instá-la a evoluir tão depressa como os estímulos da sensibilidade que nela rapidamente se sucedem.

O Modernismo português surge como bofetada revigorante; mas ainda como resposta ao desenvolvimento tecnológico e industrial: o conceito de força, ideal estético, passa a ocupar o lugar do conceito de harmonia. O artificial sucede-se ao natural.

Porém, vemos já em Álvaro de Campos os sinais de que este ideal estético não se pode efectivar como ideal supremo para o avanço da humanidade. A dessacralização que propõe, a aniquilação da natureza, exterior e interior, de que nós próprios fazemos parte, a imposição da industriosa produtividade em oposição à serenidade contemplativa e estóica; cada um desses aspectos tende inevitavelmente para a auto-destruição. A estética modernista não é, portanto, solução para os males do mundo. A resposta tem de estar noutro lado.

Parece plausível supor que, tendo em conta a época histórica em que vivemos - ainda a de um império romano modificado ou, por outras palavras, levado ao extremo - , a solução não vá surgir de outro local que não a tecnologia ou o conhecimento científico. E, neste ponto, surge algo extremamente curioso: é que a área científica que mais irá avançar no século XXI será, sem sombra de dúvida, a Biologia; e esta área do conhecimento científico é aquela que estuda mais de perto a natureza em todo o seu esplendor orgânico, isto é, considerando os organismos como totalidades organizadas, em toda a sua complexidade. Estas considerações abrem caminho para a superação do conflito com a natureza instaurada pelos modernistas, voltando, de novo, a instaurar como ideal estético superior a harmonia natural; agora porém surge ela compreendida como resultado de uma miríade de factores que, em conjunto, permitem o funcionamento de uma entidade complexa. Esta ideia vai ser muito importante para todo a futura reflexão sobre os sistemas biológicos e sobre a consideração do conceito de vida.

São certamente os desenvolvimentos da Biologia, e sobretudo da Ecologia e da Evolução, que vão trazer o tema da integração simbiótica dos seres vivos na biosfera, no mundo, e, talvez valendo mais para o lado da física e até da metafísica, no universo.

Aqui se propõe que o novo movimento cultural, histórico, e também científico, se chame o Simbiontismo.

2 comentários:

ricardo disse...

...instantaneamente lembrem-me de liquenes...sorry, sorry, não tem nada a ver...mas lembrei-me...

optimo post!
abraço

Daniel disse...

os líquenes são, também, uma associação simbiótica entre algas e fungos, ou entre um tipo específico de bactérias fotossintéticas, as cianobactérias, e fungos. São o perfeito exemplo de uma entidade biológica complexa, isto é, que não pode ser completamente compreendida por abordagens reducionistas e analíticas. Cada parte do todo tem o seu papel e funciona de modo a permitir a integração de todas as suas potencialidades. O fungo permite que cheguem às algas ou às bactérias mais nutrientes porque desenvolve estruturas muito ramificadas especializadas na absorção, semelhantes às raízes das plantas. E as algas, ou as cianobactérias, sendo fotossintéticas, podem utilizar esses nutrientes simples e a luz do sol para sintetizar outros nutrientes, mais complexos, que são a fonte de energia (biológica) do fungo (e que é também utilizada por elas!). O todo funciona harmoniosamente, com uma integração funcional que faz corar qualquer empresa. E aqui está o grande erro, não de Descartes (esse já me parece ter sido ultrapassado), mas de Darwin. É que estes dois sistemas não lutam entre si (a própria noção de luta é nada científica, e bastante antropomórfica); estes dois sistemas não existem em separado: formam um novo sistema, que os engloba aos dois, um superorganismo. O que quero frisar com isto é que toda a competição, ou possível "luta" entre espécies, evolui no sentido da comunhão, ou da integração funcional entre espécies. Por exemplo, existem muitas observações científicas que favorecem a hipótese de que cada uma das nossas células (sejam elas do estômago, do cérebro, do pénis, sei lá) é já um simbionte: certas estruturas que existem em todas essas células e que são completamente fundamentais à nossa existência são muito parecidas com um tipo específico de bactérias. A análise da história científica até hoje mostra-nos que, na maior parte das vezes, quando não são os acasos, grandes breakthroughs, que fazem avançar a ciência, são as observações mais simples e mais evidentes que nos fazem repensar as teorias que julgávamos tão sólidas e inquebrantáveis. Na minha modesta opinião, parecem-me estes dados constituir mais uma revolução científica (que só agora está a começar a ser explorada...)

São coisas realmente muito interessantes! Abraço