quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

a desgraça órfã é a eterna cruz. quando sabemos que outro alguém também sofre com aquilo que nos faz sofrer é como se o nosso sofrimento deixasse de doer tanto, a nossa mágoa já não pesasse como pesava. o sofrimento que é comum a vários partilha-se, a sua importância desvanece-se porque não é propriedade única e exclusiva de uma só pessoa, mas é como se esse grande sofrimento ficasse repartido por muitas cabeças, e o quociente fosse menos pesado que o dividendo. Mas ai daqueles que sofrem com a sua única, própria e exclusiva cruz. Esses, não podem partilhar o seu sofrimento com ninguém, visto que ninguém os compreende. E ninguém os compreende porque ninguém sofre da mesma maneira que eles. E porque não sofrem dessa mesma maneira, para eles é como se esse sofrimento não existisse. E se não é real para eles, então poucos ou nenhuns prestam atenção ao que ele verdadeiramente significa, para a pessoa que o tem, ou ao que ele poderia significar, se ele fosse também deles. É por isso que pesa mais a cruz que se carrega ao pescoço, a única que não pode ser partilhada.

mas há também algo de tesouro nessa cruz, é o facto de ser única. Como é única, e não encontra par, é rara e preciosa, e aquilo que ela significa tem um valor incalculável para nós. A nossa eterna pena é termos a visão tão turvada que não o conseguimos ver. A quem pede aos deuses uma vida alegre e despreocupada, os deuses dão uma vida cheia de prazeres, com que se contentem alegre e despreocupadamente. A quem procura tornar-se um deus vivo, dão os deuses provas e tormentos terríveis, ideias e visões tenebrosas, obstáculos duros e quase intransponíveis, para separar aqueles que são deuses tornando-se daqueles que querem ser deuses por direito próprio. Ninguém é deus pelo simples facto de respirar o mesmo ar que os deuses respiram. Quem quer ser deus, supere os obstáculos intransponíveis, supere-se a si mesmo, dê o salto para fora de dentro de si. Quando todos os obstáculos estiverem ultrapassados então chegaremos à conclusão de que todas essas provas não foram mais que correcções da nossa consciência para que pudesse melhor ver a grandeza que há nela, que sempre houve e que sempre haverá...

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