terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Os Banqueiros Anarquistas

brevemente: a continuação do conto filosófico de Fernando Pessoa O Banqueiro Anarquista vai mostrar que, de facto, o único regime social que pode ser o verdadeiro Ideal a atingir é o regime anarquista, e o único meio de consegui-lo é tornando-se um anarquista prático, ou seja, um banqueiro anarquista.


pequeno excerto:

- É isso mesmo, como vai V. impedir que haja competição entre cada um desses verdadeiros anarquistas se todos se aplicam no seu comércio capitalista?
O banqueiro olhou para mim com os olhos a brilhar. O brilho pareceu vago por um momento, mas depressa se dissipou e o seu discurso de novo fluía no rio das suas palavras.
- Como já lhe expliquei essa situação não é possível. O único modo de um grande número de pessoas se tornarem anarquistas práticos era se as ficções sociais desaparecessem bruscamente, se não por completo pelo menos em parte; mas ainda assim de uma forma tão visível (pode-se dizer) que a mudança fosse dessa natureza. Ora, como também já lhe mostrei, as ficções sociais tendem a manter-se ao longo do tempo porque quem nasce com a vida facilitada não quer abdicar dela e favorecer aqueles que não têm as oportunidades sociais para se desenvolverem por si. Esta situação resulta imediatamente da existência das ficções sociais, e a nossa história social mostra-nos que este enraizamento das ficções é profundo: V. bem vê que cada revolução não acabou com as ficções sociais, apenas substituiu umas a outras.
Parou por um momento e soltou um grande novelo de fumo a ganhar fôlego para o que aí vinha.
- Note bem: é que até agora limitei-me a explicar o caminho que levei até me tornar um anarquista prático, mas não lhe expliquei como é que as outras pessoas podiam chegar também a anarquistas práticos como eu.
- Ora, mas V. disse-me que, pelas próprias características do seu sistema, não podia ajudar os outros no seu caminho contra as ficções sociais.
- Tem razão, homem. Pela própria natureza do processo anarquista que lhe expliquei, ajudar os outros é reconhecer-lhes a incapacidade de se ajudarem a si próprios, e portanto é o caminho errado a seguir. Mas nada me diz, ainda assim, que não posso eu, banqueiro anarquista – verdadeiramente anarquista, grande açambarcador, se V. quiser –, imaginar como poderá vir a ser o processo pelo qual os outros se transformarão em anarquistas práticos como eu.

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