domingo, 2 de dezembro de 2007
amo objectivamente o subjectivo e, portanto, subjectivizo-me objectivamente em tantos sem sair do mesmo para que permaneça sempre o mesmo objectivo e sempre diferentemente subjectivo. Este caminho vai mais além do que o de Pessoa porque Pessoa subjectivizava-se objectivamente saindo de si e transportando-se para outros. Ora, nos tempos que correm, o que é necessário não é separar, visto que tanto há já separado, e que tanto se procura separar. Portanto, o único caminho verdadeiramente válido a seguir é o caminho da união, da reunião ou do casamento. Subjectivizar sem sair do mesmo sítio, já não físico ou psicológico, mas sem sair de si, sem procurar nomear em outros aquilo que se é. De uma vez por todas entenda-se: Pessoa nunca deixou de ser Pessoa quando era Reis, Caeiro, ou outros tantos. Pessoa foi sempre o mesmo Pessoa, apenas levava ao extremo a contemplação subjectivamente analítica que tinha de si mesmo. Mas isso obrigava, por processos que são inerentes a si próprio, a esquartejar conceptualmente aquilo que era, ou aquilo que sentia. O que falta entender, acima de tudo, é que hoje como ontem Pessoa nunca deixou de ser Pessoa, e cada Poeta que poetava era uma porção diferente do todo indissociável que Pessoa era. Pessoa era isso tudo ao mesmo tempo, apenas se partia na dimensão temporal e se paria na dimensão espacial para que melhor se pudesse entender, para que melhor pudesse ser entendido. Mas hoje isso já não chega. O que é preciso fazer, hoje, é juntar o espaço com o tempo, o um com o outro, o ser com o existir, a certeza com a incerteza. Disso, o que resultará, não se sabe. Nem pode ser nomeado, se é que se poderá nomear tal coisa. Se se pudesse, talvez se dissesse que era a coisa sendo, ela própria, e não sendo, ao mesmo tempo, e sobre todos os aspectos. E essa coisa é a vida, é o próprio universo, são os saltos quânticos entre lagoas de infinito. O que é preciso é transpôr-se essa lagoa nunca deixando, nem por um momento, de a ser, ela mesma, profunda e grande, grande e profunda. O que é preciso é deixar-se ir sendo, à vontade como quem vai boiando ao sabor da maré, arrastado pela corrente do momento. É abrir as comportas do pensamento e as portadas da chaminé. Deixar o fumo entrar e depois sair com ele, permanecendo sempre onde se está, em todo o lado e em parte nenhuma. Viver o paradoxo não como o paradoxo, em si, que se é, mas paradoxo sendo e não sendo ao mesmo tempo, ora presente ora ausente, sem noção de liberdade ou de dia futuro, sem noção de noite ou dia, de humanidade ou de bestialidade, sem qualquer noção desarticulada sobre o que quer que seja, apenas sendo e não sendo, fazendo e apagando, e estando sempre superior a tudo isso e no cerne da vida. Matar para viver, matar-se para deixar viver, viver para se ir matando e vivificando a realidade no sonho, ou sonhando com a realidade, deixando o sonho entregue a si mesmo. Sem horas, relógios, horários ou conceitos, e fazendo crer que cada um deles é importante quando o não é. Usar os instrumentos sendo os próprios instrumentos, tocar-se e soprar-se, percutir-se, e estando sempre a observar-se de fora, a observar-se como uma plateia gigantesca de ideias fervilhando cada uma para seu lado, todas juntas e todas diferentes, todas iguais e todas unas. Uma orquestra que se toca e se assiste a si própria ao mesmo tempo, falando em silêncio e em silêncio permanecendo. Com um pé no palco e outro na cadeira, e sem os dois pés no chão, com a cabeça sem ar a ser atravessada, sentindo e pensando, revolvendo o olhar em qualquer direcção. Desarmando os bandidos para usar as suas armas contra eles, para usar as suas armas contra nós e contra todos nós, para dar as armas aos outros para que os outros nos possam desarmar, para deixar-nos armados e desarmados, conscientes e inconscientes, a falar e a desconversar, sempre aos pares de cada conjunto ímpar. Nesta época em que cada coisa cada vez é mais incipiente, usar cada coisa para mostrar a sapiência, trocar as voltas ao mestre e ao mestrando, ensinar os professores a aprenderem para que os alunos aprendam consigo mesmo, e até que consiguem ensinar os professores sem deixarem de ser alunos. A maior virtude da vida é ser-se aquilo que se é sem saber, sem saber que se é, mas sabendo-o, ou melhor, sentindo-o como quem não sabe o que é sentir, mas que sente apenas sem precisar de sentir aquilo que vai percorrendo. Saber-se e desconhecer-se, liberdade de vendaval gritante pelas encostas do vento escorregando. Despersonalizar-se personalizando a sua imagem de síntese autoritária e permissiva a tudo. Desprender-se e prender-se a si, soltar as amarras da sua consciência para vigiar o inconsciente de cada vez que se liberta, e rir de si próprio a plenos pulmões, para chorar de si mais à vontade, sentir, sentir, sentir e sentir, o gosto da chuva, o sabor do vento, a idade da morte, o saber ao certo e ao incerto, ao vento e ao monte, à lua e ao sol, a tudo o que nos existe, nos assiste, por dentro como por fora, por fora como por dentro, de todas as maneiras e de todos os modos, nunca deixando de ser aquilo que é cá dentro e nunca deixando a sua pele de fora, armadura esquelética e férrea do interior exposto, exterior de placas e de camadas gordurosas inertes internas. O que há a fazer é casar o Pessoa com o António Botto, a Virginia Woolf com o Henrique VIII, o Newton com a Maria Montessori, Da Vinci com o Cesariny e Júlio Dantas com o Giordano Bruno.
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