domingo, 4 de outubro de 2009
o grande problema do português parece ser o de querer tanto ser tudo ao mesmo tempo que acaba inevitavelmente por não ser nada. Como está encravado numa ponta da europa, rodeado sobretudo pelo mar - que é uma das formas do infinito - , e como vive num país pequeno demais para os mercados globais, não tem outro remédio senão sonhar. E sonha, sonha, sonha - não sou eu que o digo, é o Cesariny - , e sonha tanto que acaba por vezes por se deixar engolir pelo sonho, como aconteceu com o Pessoa. O problema é que o sonhar tanto meditando no infinito mar azul, o apreciar aquele brilho do sol que bate nas ondas para se devolver por toda a parte, só pode dar em grandes sonhos, e os grandes sonhos são todos irrealizáveis porque a realidade densa e física pesa sempre muito mais longe que a leveza do sonho. Então o português dá em nada, fica com a ideia de que não é nada, de que não consegue nada nem nunca conseguirá, e esquece quem é. Na falta de referência para si mesmo, venera o estrangeiro porque é aquele que, focado apenas no tempo em que é, consegue fazer uma porção de coisas, mesmo se elas forem todas más ou desprezíveis. É esse falso sentimento de que o estrangeiro cumpre mais do que Portugal cumpre que faz com que se substitua o estrangeiro a Portugal. É por isso que ser português é duplamente bom e duplamente difícil: é bom porque se sonha muito, é bom porque se quer tudo; é mau porque não se pode viver no sonho, é mau porque se tem de obrigar o sonho a encolher-se para poder entrar na realidade. O português oscila entre o tudo e o nada, e só quando consegue encontrar entre o nada da realidade o caminho que constrói arduamente para chegar ao tudo é que se cumpre finalmente. O problema é que isso dá muito trabalho, e só é possível com uma generosa dose de heteronímia. Ser tudo ao mesmo tempo é a única forma que há de se deixar de ser nada.
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