sábado, 28 de julho de 2007

o cabelo é quem fala primeiro

é incrível, verdadeiramente inacreditável, a importância que o cabelo teve ao longo da história, e sobretudo ao longo da história do século XX, após a invenção dos primeiros champôs. O cabelo é um estado de espírito, uma afirmação, um ultimato pessoal à realidade. As cabeleiras de Louis XIV, de D. João V e do Marquês de Pombal eram uma afirmação. Poder, riqueza, subjugação, glória leonina. A juba de ouro, do poder, e do perfume. Os cabelos desgrenhados dos românticos da naturphilosophie eram um corte radical com os passados postiços. Deixar o cabelo solto, e o espírito se lhe seguirá. The Roaring Twenties vieram, mais uma vez, acabar com as pretensões vitorianas de uma moral burguesa aprumada, de promiscuidade apenas depois do casamento e de uma vida de farra e espectáculo. Bem servida com o novíssimo jazz à mistura, bem entendido. Quem disse que o cabelo de uma mulher devia ser apanhado, puxado e repuxado, moldado e esquartejado? Ou seria solto, como manda a natureza, ou então muito curto, quase como os homens. Nunca mais foi o mesmo. Quem pode esquecer os penteados com laca e brilhantina das felizes donas de casa desesperadas do pós Segunda Guerra Mundial? O modelo americano socialista daquilo que deveria ser a Barbie caseira a contrastar com a contra-reacção à guerra do Vietnam e à bomba atómica. O movimento hippie e a sua cultura prò-ambientalista não tolerava outra coisa que não fosse o completo regresso à natureza. O cabelo tal como ele era, comprido e selvagem. Mas a contra-resposta cultural da Pop Art não tardou a mostrar cartas, com o seu socialismo avançando ferozmente contra o capitalismo (ou a favor dele, consoante os ventos) e sobretudo contra o espectro comunista e a cortina-de-ferro. Pior é que o ferro enferruja, e quando o faz já não há volta a dar-lhe. Os Robots de ferro estandardizado deram lugar ao Techno, ao Pop/Rock, e à disco fever. O cabelo sempre os acompanhou, como em Elvis ou como em Marylin Monroe, ou como em John Travolta. Os selvagens cabelos dos 80's, da irreverência à revolução sexual trazida pela pílula do dia seguinte veio mudar muito o estilo de vida, sobretudo o feminino. Enquanto isso, uma esmorecida Geração "X" passava da guerra aos consultórios da psicologia e psicanálise freud e jungiana. O problema passava a estar dentro, e a exteriorizar-se através dos andrajos, os farrapos mentais de uma decadência socialista e pseudo-burguesa. A inépcia do consumismo face ao individualismo. Os cabelos compridos a voltarem-se para os homens, como forma de esconder aquilo que não queriam ver, ou talvez aquilo que não queriam mostrar. A mediatização. O final dos anos '90. O novo século. Passados 20 séculos, o cabelo continua a mudar. Agora é artístico, uma demonstração da singularidade e da personalidade da nova cultura emergente do individualismo. O crescimento exponencial da tecnologia, a mediatização dos meios de informação, a publicidade, o esbatimento de fronteiras, revelam a realidade que realmente se esconde por detrás do écran. A internet veio possibilitar que milhares de pessoas pudessem construir aquilo que são, pudessem escolher aquilo que querem fazer, para que se possam realizar na procura e encontrar o seu penteado. Ou as respostas para as suas questões. O mundo mudou. O cabelo também. O cabelo estava lá, sempre esteve, e sempre estará. O nosso cabelo. O cabelo de cada um.

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