quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ideias II


Escrever uma ópera com as músicas dos Queen (as próprias músicas dos Queen são já trechos de uma ópera que ficou por escrever)

Ideias I


Adaptar o romance de Hermann Hesse Hans para um texto dramatúrgico.


domingo, 27 de abril de 2008

a televisão anestesia.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

a razão mais usual para o homem de hoje crer na não existência de um Deus são as atrocidades cometidas pela Igreja no passado.

Passos para uma Análise Diacrónica

1. Identificar pessoas que deram um grande contributo para uma determinada época;

2. Alinhar essas pessoas numa barra cronológica da data de nascimento até à data da sua morte;

3. Escolher uma dada época histórica e estudar as biografias das pessoas que viveram nessa época;

4. A partir desta análise é possível descobrir mais pessoas que tiveram também contributos importantes. Analisar as suas biografias e dispô-las na barra cronológica;

5. Separar a história em correntes do pensamento filosófico (história das ideias);

6. Para facilitar a análise, dedicar-se apenas a uma corrente de cada vez;

7. À medida que as biografias forem surgindo, as fronteiras entre uma corrente e outra esbatem-se naturalmente;

Qual a melhor forma de explicar a evolução do pensamento humano?

domingo, 20 de abril de 2008

O MARINHEIRO de Fernando Pessoa, pela Companhia de Teatro de Almada















Não é de ânimo leve que se penetra no denso e intrincado mundo de Pessoa. Labiríntico como a sua psique, situada entre o sonho e a realidade, a peça de Pessoa "O Marinheiro" transporta-nos para um lugar sem espaço, um tempo sem tempo, onde a alma conversa consigo mesma, descobrindo as ilusões que ela própria cria e inventando as realidades que porventura a imaginam a ela mesma. É com grande lucidez que num pequeno texto introdutório o encenador Alain Ollivier expõe o cerne da peça:

É preciso não nos equivocarmos sobre o sentido do drama estático. É também um traço de ironia através do qual Pessoa entende diferenciar-se radicalmente do teatro que lhe é contemporâneo e que se caracteriza (...) por uma mera habilidade de intriga desprovida de qualquer pensamento ou qualquer inspiração. Pessoa explica-se: "Chamo teatro estático àquele cujo enredo dramático não constitui acção - isto é, onde as figuras não só não agem, porque nem se deslocam nem dialogam sobre deslocarem-se, mas nem sequer têm sentidos capazes de produzir uma acção; onde não há conflito nem perfeito enredo". (Alain Ollivier)

É exactamente por ser uma peça de teatro estático que a originalidade de Pessoa enquanto dramaturgo brilha. Mas mais ainda que a originalidade da sua concepção dramática, a mensagem transmitida, o significado por detrás do símbolo, é, acima de qualquer outro elemento, aquele que confere à peça de Pessoa a verdadeira genialidade do seu acto criador:

A reflexão de Pessoa apoia-se, evidentemente, no poder dramático da linguagem. É a invenção da linguagem que confere a sua realidade à acção dramática. Não há acção dramática sem criação de uma linguagem. Percebe-se muito claramente a proximidade de pensamento com os simbolistas franceses (...). "A intriga no teatro reside não na acção, nem na progressão e nas consequências da acção, mas sim na revelação das almas através das palavras trocadas e na criação de situações", afirma de resto Pessoa. (Alain Ollivier)

Tendo como fundamento o silêncio, fiel à obra de Pessoa, e conferindo mesmo ao silêncio o papel de personagem, elemento marcadamente presente nas inúmeras pausas que permeiam cada fala, "O Marinheiro" consegue fazer com que as palavras que são proferidas do exterior de nós mais se assemelhem a desconhecidos que nos invadem e preenchem a partir do nosso próprio interior. Com um muito interessante jogo de luzes e de ritmos, a presença da máscara - certamente o melhor elemento que simboliza toda a obra e vida de Pessoa - confere uma presença mágica, etérea mesmo, às faces supratemporais e supraespaciais das actrizes, as três veladoras, as três almas da alma. O jogo de entoações e respirações que se cria é magnífico - ainda que se compreenda que mais facilmente terá sido trabalhado, visto que estamos perante uma peça estática que não exige um trabalho de expressão corporal e posicionamento das actrizes. O facto de que as veladoras - excepção feita à terceira - são mais velhas afigura-se como essencial, já que de outra maneira dificilmente seria possível dar à palavra a intensidade dramática que ela consegue adquirir. É por isso que o discurso da terceira veladora não surge com a força das outras duas. Não obstante, estamos perante um bom trabalho e uma boa encenação. Só é pena que esta encenação não se tivesse mantido fiel à obra de Pessoa até ao fim, já que algumas das indicações que Pessoa dá ao longo do texto foram completamente eliminadas, sendo mais gritante a sua falta no final da peça, e gerando-se uma situação que não consegue apresentar uma conclusão satisfatória da essência da peça. Mas o que há verdadeiramente a lamentar é a postura do público em relação à representação. É inacreditável, chega a ser completamente insuportável e, em muitos casos, execrável, o comportamento das pessoas que estão a assistir à peça. Para além de uma falta de respeito para com o bom trabalho de actor e encenação que foi levado a cabo, é sobretudo uma falta de respeito para aqueles que querem realmente aprender alguma coisa com a mensagem que emana da dramaturgia. Um tal comportamento só pode indicar que mesmo hoje Pessoa permanece largamente incompreendido e que esse silêncio que tanto Pessoa apreciava continua a ser algo a temer e mesmo a evitar, em vez de ser aceite como o único momento de criação individual plena que de facto existe em cada um de nós.

sábado, 19 de abril de 2008

aquilo que talvez mais me chateie no caquéctico ensino e na capitalista pedagogia que hoje temos que carregar em cima de nós como uns Sísifos malfadados são os modos arrogantes e a profunda falta de consciência que se mostra nas pessoas que, ao invés de clarificarem ensinando como professores que deveriam ser perante os seus alunos, falam para plateias daquilo que já sabem - e que mais parece sempre o terem sabido - como se os seus alunos soubessem tanto quanto eles. Assim, o ensino hoje não é aprendizagem; é antes exposição.

***

o ponto de partida para qualquer aprendizagem é o desconhecimento, e é esta a hipótese nula, o controlo experimental, que tem que servir como ponto de referência para qualquer pedagogia. O papel do professor é construir um edifício conceptual que só pode ter sustento em alicerces bem fortes e resistentes, numa esquadria clara e bem marcada, num equilíbrio das formas que se lhes sobrepõem e na harmonia da estrutura que é erigida. Sem explicar e definir com uma precisão cirúrgica e de uma forma bem clara os conceitos iniciais que estão subjacentes aos raciocínios mais elaborados que se sucedem, não existe aprendizagem verdadeira, apenas uma exposição insegura de uma torrente de factos sem relação entre si.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

O TEATRO É A MATRIZ

o verdadeiro anarquismo




















Porque continua a ser importante dar atenção a esta obra de Pessoa tão esquecida por todos? Na verdade, a resposta é simples: trata-se de uma das prosas mais elevadas e brilhantes de Pessoa - e quiçá uma das mais mal estudadas e mais mal compreendidas. Da mesma maneira que podemos identificar argumentos lógicos e de um sentido analítico apuradíssimo na sua apologia à poesia homoerótica de António Botto publicada na revista Contemporânea, podemos ainda verificar toda a mestria conceptual que percorre a profunda filosofia anarquista de Pessoa neste livro, um autêntico tratado, também ele publicado na citada revista. Longe de análises simplistas e frouxas acerca deste grande tratado, defendemos aqui a ideia de que esta obra não só apresenta uma verdadeira filosofia anarquista conceptual como ainda uma filosofia eminentemente prática e perfeitamente concretizável na realidade de cada um. Não menos importante para a compreensão do próprio poema que é Fernando Pessoa, defendemos que esta obra é uma das provas da profunda mudança que se deu no mais íntimo do poeta e que o levou a afastar-se da criação da arte como mero objecto de contemplação estética para abraçar uma estética eminentemente prática, e perfeitamente utilitarista nesse sentido, que tinha como objectivo mais elevado o esclarecimento e a evolução cultural da própria humanidade. Para além dos múltiplos sentidos críticos em relação a diversos aspectos da contemporaneidade e das suas próprias filosofias, e acima disso, este tratado é a mensagem clara e geral daquela que a cada um de seus heterónimos foi um jeito particular de se expressar melhor a cada um de nós.

É preciso relevar que a sua filosofia anarquista prática é perfeitamente concretizável, e que Fernando Pessoa foi disso exemplo vivo. Ainda assim, e se nos interessa fazer uma crítica integral da obra, só podemos dizer que Pessoa falhou num ponto: o de tornar possível que qualquer um pudesse seguir um sistema anarquista verdadeiramente prático mesmo que não tivesse a cultura suficiente para isso. Assim, a principal tarefa do anarquista prático de hoje é exactamente a de levar a cultura da forma mais clara e compreensível e do maior número de formas diferentes até ao maior número de pessoas.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

A METAMORFOSE de Franz Kafka, por Inestética



"Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso insecto." É com esta frase que entramos no estranho e tortuoso mundo de Gregor Samsa que a companhia de teatro Inestética procurou apresentar ao público na passada semana. Longe de fazer jus ao nome, os elementos cénicos estão embuídos de um apurado sentido estético, na simplicidade e harmonia das formas escolhidas para representar a casa da família Samsa. De particular destaque no romance, e para a peça, o quarto de Gregor, um dos elementos fundamentais da trama, foi muito bem conseguido ao ser representado por um invólucro branco que mais lembrava um comprimido. Excelente metáfora da frenética recorrência a comprimidos para solucionar todos os nossos problemas (mesmo os insolúveis), o quarto enquadra-se de forma grotesca no espaço, contribuindo para criar a atmosfera kafkiana necessária à transmissão da alienação que passa por Gregor. Porém, o pobre Gregor Samsa, a personagem principal do livro - se quisermos ser fiéis à obra -, é representada com alguma frouxidão narrativa: ainda que um timbre monocórdio para a voz de Samsa resulte muito bem para demonstrar a sua apatia perante a vida e que os seus adereços sejam excelentes símbolos da carapaça de monstro que encarna, a evolução da personagem, quando é evidente pela interpretação - coisa que nem sempre acontece - , não resolve nenhum dos problemas iniciais, e a peça deixa-se cair na própria monotonia que cria. Acresce a isso o facto da interpretação de Gregor ser muito menos presente e até marcante que a interpretação da sua irmã Greta. Com grande expressividade e vivacidade, embora com alguns solavancos rítmicos, Greta consegue marcar uma forte presença na família Samsa, e tão forte ela que acaba por conquistar o título de personagem principal pouco após o seu aparecimento. Ainda que se note uma clara reverência face à obra de Kafka, em breve nos encontramos a braços com um paradoxo: por um lado, a incapacidade de Gregor para evoluir enquanto personagem na sua condição de monstro metamorfoseado, que é um contraste gritante com o livro e que não resulta nada bem; por outro lado, a fidelidade à obra é tanta que se torna excessiva porque não é capaz de inovar. Aliás, o verdadeiro problema não está na inovação ou no apuramento que é absolutamente necessário dar à obra para que esta viva enquanto peça de teatro; o que falha redondamente é exactamente o conseguir transmitir aquilo que as personagens sentem, sobretudo o que Gregor sente e pensa, e portanto caindo inúmeras vezes em longos silêncios inexpressivos ou pausas demasiado absurdas - até mesmo para uma obra esteticamente absurda! Apesar da música conseguir envolver o espectador (ainda que não o consiga transportar definitivamente para a pele da personagem mantendo o conflito interior por que ela passa), apesar de existir uma clara evolução do espaço cénico - que aliás está muito bem conseguida, engenhosa até - , as interpretações do pai e da mãe de Gregor deixam algo a desejar. Melhor do que o pai de Gregor, que utiliza um registo de voz que chega a ser infantil quando comparado com o registo do próprio Gregor, a mãe consegue transmitir em alguns momentos as suas preocupações interiores, embora tenha por vezes uma irrisória interpretação de angústia - e até mesmo uma simulação de choro tão estúpida quanto ridícula. O mais grave acontece quando nem sequer é transmitida a luta - a verdadeira luta corporal -, e as tensões que a provocam e que dela resultam entre cada um dos membros da família e Gregor, talvez excepção feita para a irmã, a única a conseguir estar o mais próximo possível daquilo a que é possível chamar genuíno. A adaptação da obra torna-se ainda pior quando a ligação entre as cenas parece sofrer de uma frouxidão narrativa e a própria peça não se preocupa em contextualizar o tema ou o desenrolar da acção: será extremamente difícil para alguém que não leu o livro conseguir compreender qual a mensagem da obra e que é tão importante - e cada vez mais - nos dias cinzentos e burocratizados que correm. Em jeito de balanço é necessário sublinhar que é completamente inadmissível que actores profissionais - se, de facto, é disso que estamos a falar - não sejam capazes, de uma maneira geral, dar a dimensão e a profundidade devidas às personagens da brilhante obra de Kafka. Mais uma vez, a interpretação, aquilo que é mais importante e de que vive a representação, acaba por ser abafada e nem um bom planeamento cénico consegue salvar uma alma que não é mais que corpo. E deve-se dizer que é lamentável que na sinopse da peça conste que Gregor se metamorfoseia num escaravelho, quando a única referência que é feita na obra original é a de "insecto" - perde-se a liberdade imaginativa do espectador que tenta imaginar que monstro estará por detrás (ou, melhor dizendo, por cima) de Gregor. Em suma, estamos perante uma peça medíocre que não nos dá muitas razões para acreditar no teatro português.

domingo, 13 de abril de 2008

Ser bem sucedido numa profissão é meramente uma questão de saber qual a melhor maneira de agradar aos superiores.
Science is rather about History than about pure and abstract mathematical reasoning.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

domingo, 6 de abril de 2008

estaremos eternamente condenados a viver em subúrbios de nós-mesmos? A deixar as nossas terras natais e partir para cidades infectas que fervilham na podridão dos seus despojos? A ser atirados de um lado para o outro sem descansar e sem parar para viver? A morar em cubículos de pessoas conservadas em latas prontas a consumir? A viver cada vez mais para dentro, e mais sós, cada vez mais distantes do mundo, cada vez mais descontentes com as nossas conquistas, cada vez mais alheios à vida que passa por nós sem nos perguntar para onde queremos ir?... Viver neste tempo, esta vida, cansa - quase que faz perder a vontade de viver o que quer que seja. O que quero, o que procuro, não encontro em lado nenhum... tudo esquece. Tudo parece ser uma perda de tempo. Todo o dia é igual a qualquer dia, excepto em mim. Se vivo para dentro tudo se renova. Se não vivo para dentro, morro. Quando não tenho tempo para viver para dentro então começo a adoecer, e adoeço com uma doença que mata lentamente, que corrói, que vai minando as frestas da alma, que se vai infiltrando devagar e perigosamente até chegar ao último reduto, ao sítio que não pode ser manchado. Não é o medo em manchar-me até esse sítio que me mata, é o medo que nasce em duvidar se esse sítio é imaculadamente imperturbável mesmo depois da sombra marchar teimosamente e vezes sem conta sobre ele. Talvez haja alguma parte de nós que nunca morra. Talvez haja alguma parte de nós que nunca morra porque se mata continuamente, e continuamente se renova. Há qualquer coisa que me escapa e que não consigo exprimir-me. Há qualquer coisa que me separa da vida que todos levam todos os dias para um qualquer destino num qualquer canto do mundo. Deve ser porque prefiro estar parado quando toda a gente parece não dormir de um lado para o outro. Às vezes, no silêncio, ouço um som longínquo de uma realidade que se parece rir de mim. Podia rir-me também, mas permaneço à escuta. Quem sabe o que isso quer dizer.

sábado, 5 de abril de 2008

Sobre a inexistência do tempo

A melhor e mais clara prova de que o tempo não existe foi-nos dada pelo cinema. A existência do cinema assenta num princípio simples - que a passagem sucessiva de várias imagens consegue criar em nós a ilusão de que existe uma continuidade entre cada par delas. O cinema apenas existe porque temos capacidades perceptivas limitadas. Na verdade, o que existe realmente, são várias fotografias ou fotogramas em que determinadas figuras se encontram nesta ou naquela posição; é a sua sucessão, a passagem de umas a outras, que cria em nós a ilusão de que algo se move, de que existe movimento - e tudo isto porque o nosso cérebro não consegue processar como individuais senão umas poucas imagens por segundo. Pode muito bem ser que se passe o mesmo com toda a vida exterior que desfila perante os nossos olhos; pode ser que aquilo que vemos como movimento seja apenas a percepção que o nosso cérebro, estrutura limitada a tantos níveis, é capaz de reconstruir a partir de imagens únicas que se sucedem em cadeia. Assim sendo, a vida exterior, isto é, a vida que observamos directamente através dos nossos olhos, pode ser apenas um momento único sem tempo nem espaço onde tudo se cria e onde tudo se destrói. A ilusão da existência de uma continuidade leva-nos a crer que o tempo exista e se mova; porém, o que pode acontecer é que cada um de nós crie activamente e sucessivamente representações visuais de algo que é exterior e que, com mais dificuldade ou de uma forma menos trabalhosa, nos parece dar a ilusão de movimento quando ele não existe. Se o mundo que conhecemos não é mais que uma criação, ou uma representação, então ele está condicionado desde o momento em que se forma pelas nossas estruturas mentais àquilo que somos. Fará, portanto, e a este nível, sentido falar em algum tipo de evolução que não a darwiniana visto que esta se baseia exactamente na noção de que o tempo é algo contínuo e não descontínuo; isto é, de que os acontecimentos que se sucedem naquilo a que podemos chamar tempo apresentam uma continuidade e uma relação entre si. Assim, podemos chamar uma evolução deste tipo como criacionista - não no sentido que tem sido utilizada ao longo do tempo, referindo-se a palavra ao acto de criação que teria sido levado a cabo por Deus ou o Demiurgo; mas sim no sentido de que essa evolução é uma criação única e sucessiva do mundo onde nos movemos. Se interpretarmos o tempo como algo descontínuo, como uma série de criações descontínuas, não sobreponíveis, mas extremamente semelhantes entre si, então podemos até imaginar quais os mecanismos que possam tornar possível uma série de criações como essas. A percepção de uma continuidade entre momentos únicos e descontínuos terá a sua origem nas nossas próprias estruturas mentais - sobretudo nas suas limitações perceptivas - , e sendo as percepções que levam à construção das representações, ou criações, podemos dizer que a criação tem como causa primeira a nossa própria natureza. Ora, a percepção que podemos ter daquilo que nos é exterior depende da consciência que temos, maior ou menor, daquilo que nos rodeia; depende da capacidade que temos em interpretar os estímulos daquilo que nos é exterior. Assim, podemos dizer de igual modo que as criações que estruturamos têm como causa anterior o nosso maior ou menor grau de consciência perante aquilo que nos é exterior. É deste modo que o maior e único agente da evolução que vivenciamos somos nós próprios. Cada um de nós é o palco onde tudo acontece. Mas, nesse caso, como explicar a mudança que se verifica de umas criações a outras? Por um lado, não sabemos se aquilo que nos é exterior não tem, também, capacidade de criar tal como a nossa própria consciência. A ser assim, podemos supor que a mudança que parecemos adivinhar no mundo se deve à mudança sucessiva de construções que fabricamos ao percepcionar estímulos exteriores que mudam sucessivamente devido a um acto de criação. Por outro lado, se essa criação naquilo que nos é exterior não ocorre continuamente, ou pelo menos se não ocorre sempre que se cria algo, só podemos explicar a existência de criações sucessivas por nós tornadas reais se cada criação dessas for ilusória, ou perecível - em suma, não permanente. Se ela não possui uma verdadeira substância, e se o seu fim último é a desagregação, então não só a criação existe devido à existência de estímulos exteriores como, ainda por cima, é sucessivamente necessária para que possamos estruturar esses estímulos numa referência que torne possível alguma espécie de compreensão - ainda que mínima e imperfeita - daquilo que nos rodeia. Se assim acontece, então só podemos concluir que é forçosamente necessário à nossa estrutura mental compreender o que a rodeia; e esse acto de criação é o mecanismo pelo qual a nossa consciência ou inteligência organiza representações desse desconhecido que a rodeia.


Tratado Sobre o Tempo e Sobre o Espaço
Regra de Ouro:

Acreditar somente em opiniões pessoais e individuais. Só seria possível existir uma perfeita isenção jornalística se as notícias fossem equações, e não palavras que se usam da maneira que melhor serve um contexto.
a maior vantagem daqueles programas que dão a horas ridículas na televisão, espécies de concursos pelo telefone, é o darem um emprego digno a tanta prostituta.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

terça-feira, 1 de abril de 2008

A Evolução segundo Agostinho da Silva

Quais são as principais diferenças entre os animais racionais e os irracionais? O Professor acha que nos somos a continuação de uns gatos com um bocadinho mais de inteligência, de cérebro e cerebelo...

Querido amigo, ninguém sabe. É evidente que pelo lado exterior, por aquilo que é possível averiguar em vértebras ou patas, temos que ver com os lémures de Madagáscar, por exemplo - e alguns bem pequenos e que parecem bem desinteressantes. Depois as coisas se foram desenvolvendo por aí e nem há certeza, hoje, de que o Darwin tenha razão, de que tenha havido evolução das espécies animais. O que pode suceder é que tenha havido várias criações sucessivas sobrepondo-se no tempo. Quando olhamos um filme de cinema podemos ter duas hipóteses: que foi o homem que estava com um braço em certa posição na fotografia A e que na fotografia B apareceu com outra posição; mas na realidade o que houve [foram] duas criações diferentes: a fotografia 1 e a fotografia 2. Pode ser que aquilo que o Darwin supôs que era a passagem de um animal a outro animal fosse a criação dum animal novo extremamente semelhante a outro e que podia ser tomado por homens como o Darwin como tendo tido uma evolução. Essa coisa é muito complicada...

Pois é. E nós, acha que saímos de uma linha de fabricação um bocado mais sofisticada [do] que os outros animais, só por causa disso?

Ó meu querido amigo, aí há uma coisa ainda mais importante do que isso: é que nós somos dos últimos animais que apareceram na Terra. A Terra já estava bem constituída, com os seus Terceário e Quaternário e essas coisas geológicas todas, e de repente aparecemos nós; e desde que nós aparecemos já há várias espécies de gente, de homens, que se podem classificar pelos restos que deixaram. Para não falarmos de outros mais antigos vamos falar do homem de Neanderthal. Parece que por análises da caveira do homem de Neanderthal é possível supor que ele já tivesse algum pensamento metafísico; depois o homem de Neanderthal desapareceu, aparecemos nós, com outra espécie de pensamento científico, mais umas técnicas que usamos para ir construindo a vida; mas como somos os últimos não podemos ter nenhuma ideia do que pode ser homem no futuro, como aqueles que ainda andavam a quatro patas, e já, segundo parece, raciocinavam, eram capazes de já ter alguma geometria elementar, desapareceram também. Eles, que ideia podiam ter do futuro de um homem de quatro patas? - que outros homens com quatro patas se portariam desta ou daquela maneira. Amanhã podemos, em lugar de braços, aparecer gente com asas.

Ah, era óptimo, eu adorava.

Não sei se era óptimo ou se não atrapalhava as companhias de aviação...

Se a gente não voasse muito alto era capaz de não haver problema... atrapalhavamo-nos era uns ao outros, não é?...

Não... meu querido amigo, a obrigação de um homem é voar alto - mas sem nunca perder a linha de terra. Temos que ter as duas coisas ao mesmo tempo: ter o chãozinho em baixo, tão objectivo e tão nítido como se fosse um mapa em relevo; e ao mesmo tempo voarmos alto. Uma só das coisas não é humana. Seria dum bicho adaptado ao chão só, ou adaptado ao céu doutro lado.



Conversas vadias com Agostinho da Silva