sexta-feira, 18 de abril de 2008

o verdadeiro anarquismo




















Porque continua a ser importante dar atenção a esta obra de Pessoa tão esquecida por todos? Na verdade, a resposta é simples: trata-se de uma das prosas mais elevadas e brilhantes de Pessoa - e quiçá uma das mais mal estudadas e mais mal compreendidas. Da mesma maneira que podemos identificar argumentos lógicos e de um sentido analítico apuradíssimo na sua apologia à poesia homoerótica de António Botto publicada na revista Contemporânea, podemos ainda verificar toda a mestria conceptual que percorre a profunda filosofia anarquista de Pessoa neste livro, um autêntico tratado, também ele publicado na citada revista. Longe de análises simplistas e frouxas acerca deste grande tratado, defendemos aqui a ideia de que esta obra não só apresenta uma verdadeira filosofia anarquista conceptual como ainda uma filosofia eminentemente prática e perfeitamente concretizável na realidade de cada um. Não menos importante para a compreensão do próprio poema que é Fernando Pessoa, defendemos que esta obra é uma das provas da profunda mudança que se deu no mais íntimo do poeta e que o levou a afastar-se da criação da arte como mero objecto de contemplação estética para abraçar uma estética eminentemente prática, e perfeitamente utilitarista nesse sentido, que tinha como objectivo mais elevado o esclarecimento e a evolução cultural da própria humanidade. Para além dos múltiplos sentidos críticos em relação a diversos aspectos da contemporaneidade e das suas próprias filosofias, e acima disso, este tratado é a mensagem clara e geral daquela que a cada um de seus heterónimos foi um jeito particular de se expressar melhor a cada um de nós.

É preciso relevar que a sua filosofia anarquista prática é perfeitamente concretizável, e que Fernando Pessoa foi disso exemplo vivo. Ainda assim, e se nos interessa fazer uma crítica integral da obra, só podemos dizer que Pessoa falhou num ponto: o de tornar possível que qualquer um pudesse seguir um sistema anarquista verdadeiramente prático mesmo que não tivesse a cultura suficiente para isso. Assim, a principal tarefa do anarquista prático de hoje é exactamente a de levar a cultura da forma mais clara e compreensível e do maior número de formas diferentes até ao maior número de pessoas.

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