terça-feira, 30 de setembro de 2008
sábado, 27 de setembro de 2008
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
Sobre o inventar
Como se sabe, vem nosso verbo vir de um verbo latino de que está muito mais perto ou, sem ofensa, menos evoluído, o francês venir; [a] este se antepôs um dia a partícula in, o que vem a dar ao dito verbo o significado de vir ao encontro ou encontrar; reforçada a significação, por meio de outro verbo de que, ao que creio, não há documento, aparece-nos a palavra inventário, que é afinal o registo daquilo que se encontra: O que tudo vem a propósito de me poderem acusar de andar inventando as lembranças (...) Bem poderia chamar em minha defesa meu mestre Platão (não mestre quando legisla, mas quando é dramaturgo, quando é poeta filósofo, e tanto que, se o caso é difícil, não prova arrazoadamente, como convém a matemáticos, mas simplesmente conta uma história ou inventa um mito), mas basta a filologia para me defender. Dela se conclui que não invento coisa alguma no sentido vulgar da palavra, simplesmente vou ao encontro de uma realidade que me tinha esquecido de lembrar, e isto pelos acidentes de minha vida na terra; revestir-se de carne é uma beleza, mas às vezes atrapalha seu bocado.
Agostinho da Silva no seu Caderno de Lembranças
Agostinho da Silva no seu Caderno de Lembranças
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Quer isto dizer, em suma, que somos ordinariamente injustos para com os nossos contemporâneos. É natural e humano que o sejamos, porque a sua obra, visto que decorre perante nós, nos é visível como pormenores, invisível - ainda que já esteja completa - como conjunto; porque para ela não foi ainda promulgado o decreto régio da Tradição, da qual todos vivemos súbditos, e pela qual sabemos que Shakespeare é grande já antes de o ler, e que Homero é grande sem nunca o podermos ler; porque, enfim, e não olhando já à intromissão de elementos naturais mas extra-críticos como a aversão ou a inveja, vivemos na mesma época que o autor, sofremos as mesmas influências que o autor, somos em certo modo o autor, e assim a nossa crítica mais desinteressada terá sempre os defeitos inevitáveis da autocrítica.
O verificar, porém, que somos ordinariamente injustos para com os nossos contemporâneos, e que é natural e humano que o sejamos, não quer dizer que não devamos esforçar-nos, quanto em nós caiba, para o não ser. É essa a atitude moral, pois a moral não é mais que uma correcção artificial da natureza. Efectuaremos esse intento se, conhecendo a nossa incompetência para sentirmos as obras de um autor como conjunto, nos dispusermos a considerar cada obra como conjunto e totalidade, como a única do seu autor, como de um autor que não sabemos quem seja. Assim nos aproximaremos de um vago arremedo de justiça.
Fernando Pessoa
O verificar, porém, que somos ordinariamente injustos para com os nossos contemporâneos, e que é natural e humano que o sejamos, não quer dizer que não devamos esforçar-nos, quanto em nós caiba, para o não ser. É essa a atitude moral, pois a moral não é mais que uma correcção artificial da natureza. Efectuaremos esse intento se, conhecendo a nossa incompetência para sentirmos as obras de um autor como conjunto, nos dispusermos a considerar cada obra como conjunto e totalidade, como a única do seu autor, como de um autor que não sabemos quem seja. Assim nos aproximaremos de um vago arremedo de justiça.
Fernando Pessoa
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
domingo, 21 de setembro de 2008
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Biografias I - Agostinho da Silva
George Agostinho Baptista da Silva (1906-1994), entre nós conhecido como Agostinho da Silva, é um dos portugueses mais notáveis do século XX. Com um rigor e lucidez analítica únicos, Agostinho da Silva foi um dos mais brilhantes professores e pedagogos que Portugal já conheceu. O pensamento de Agostinho da Silva é cada vez mais actual, e a sua visão original e polémica é capaz de provocar espanto e admiração até nos mais jovens – em grande parte por causa das suas apuradas críticas em relação à escola que hoje temos e sobretudo em relação àquilo que deverá ser a escola do futuro para contemplar realmente o desenvolvimento do potencial de cada aluno em toda a sua plenitude. O maior dom de Agostinho da Silva talvez fosse mesmo a facilidade e a clareza com que conversava e se tornava compreensível às pessoas, dom esse que terá sido aperfeiçoado ao longo dos anos em que foi professor de várias disciplinas de história e cultura. Durante e após a conclusão da licenciatura na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Agostinho da Silva defendeu a cultura portuguesa e procurou aproximá-la de todas as pessoas: participou em revistas literárias como a Seara Nova, deu aulas em instituições públicas e privadas, deu palestras por todo o país, escreveu livros sobre os temas mais diversos (para além de estudos sobre história e cultura grega escreveu poesias, ensaios filosóficos, reflexões sobre religião, textos pedagógicos, traduções de autores clássicos, biografias de personalidades célebres que vão desde Pasteur a Da Vinci, etc.) e fundou Universidades e Centros de Estudos no Brasil, país onde viveu grande parte da sua vida. Para além do Brasil e Portugal, passou por outros países no decurso dos seus estudos e projectos culturais, como Espanha, França, Uruguai, Argentina, Japão ou Macau. Não se limitando à sua área de formação, falava quinze línguas e interessava-se pelos assuntos mais diversos: geometrias não-euclidianas e matemática fractal, física quântica, a evolução geológica do nosso planeta, entomologia, antropologia; em suma, a sua curiosidade incansável empurrava a sua inteligência em todas as direcções – era um verdadeiro espírito universal. No final da sua vida gravou uma série de entrevistas para a RTP, as “Conversas Vadias”, que o tornaram muito popular. Mas Agostinho da Silva não se deixava prender a modas: simplesmente tentava cumprir, o melhor que sabia, as ideias que lhe entravam na cabeça. Vamos a ver se neste século tomamos consciência de que muito do que ele disse era na verdade profecia; ou se, por algum acidente do caminho, ainda teremos de esperar outros séculos para que a verdade seja reposta.
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
terça-feira, 16 de setembro de 2008
o tempo da ditadura anestesiante
O mundo em que vivemos nunca deixou de estar numa ditadura, e devemos dizer que hoje a ditadura é bem mais perigosa do que aquela que existia durante os regimes feudais. De facto, nessa altura as pessoas tinham pelo menos a consciência de quem mandava, de que havia alguém a quem apontar o dedo, alguém a quem pedir responsabilidades. A tirania da opressão estava muito mais ao nível da sobrecarga de trabalho, para além dos impostos sobre o comércio. A ditadura económica é talvez a única que nos acompanha até aos dias de hoje, e que tem crescido mais. Mas não é dessa que falamos. Estamos a referir-nos à tirania política que sempre houve sobre os homens. Parece que os senhores que governam este mundo, ou que pelo menos têm pretensas intenções de o governar, aprenderam uma coisa com todos os períodos revolucionários: dantes, as revoluções faziam-se, e eram fervorosas (sejam as causas justas ou não, sejam a sua aplicação justa ou não; tudo isso será outra conversa), e levavam os homens à forca, ou à guilhotina, ou à faca. A exploração desumana era algo óbvio, e facilmente compreensível por um qualquer camponês, mesmo se ele não tivesse estudado coisa nenhuma durante a sua vida.
Mas há agora outra forma de ditadura, muito mais subtil, e portanto mais perigosa, que é a ditadura anestesiante. Primeiro, as pessoas são anestesiadas até deixarem de ter consciência daquilo que são, e depois os governos podem fazer tudo. Dantes, tínhamos reis ou príncipes a quem apontar o dedo; agora, que temos nós? Deixou de haver Monarquia para haver República, e agora, quando as coisas correm mal, a culpa é de quem? É da República? E quem é que é a República? É do Governo? E quem é que é o Governo? A culpa é naturalmente daqueles que, sob o nome amorfo de "Governo" dirigem isto ou aquilo segundo os seus interesses pessoais. São os ministros? Mas se agora somos mais comandados a partir da Europa que do nosso próprio país?!... A meta a atingir, o Santo Graal do século XXI, não é mais, como fora no passado, a evolução da humanidade - a evolução cultural -, mas apenas o melhoramento económico, a descida das taxas de juro, o aumento do PIB, a aproximação às estatísticas europeias. Qualquer diferença, qualquer ponta de individualidade, qualquer rasgo de genialidade ou de inconformismo é não só nefasto como um alvo a abater.
Já não podemos apontar o dedo a ninguém, só a instituições-fachada que não representam coisa nenhuma. Não se pedem responsabilidades àqueles que andam a brincar com o mundo para seu proveito próprio. A burocratização de todos os domínios da vida pública é a nova ditadura. A burocratização dos meios de comunicação, o excesso de informação desnecessária, sensacionalista, aviltante: tudo isso anestesia os sentidos da humanidade como um grande ópio. Hoje, a televisão é que é o ópio do povo. No vazio mental em que estamos atolados já nem há forças para ter um qualquer sentimento religioso, ou sequer místico. E a ditadura é muito mais perigosa: assim, já não há hipótese de se fazerem revoluções e de jorrar sangue. Andam todos anestesiados, todos adormecidos-em-pé. Agora, para se fazer uma nova revolução, é preciso ter cultura. A nova revolução não pode ser compreendida por um camponês que nunca teve contacto com a cultura. E é por isso que a nova ditadura da informação, e sobretudo da desinformação, resulta tão bem. Nunca uma ditadura resultou tão bem na história da humanidade mais recente. Para acabar com ela, só há uma solução: dar cultura às pessoas, diremos cultivar o desassossego como a única forma de destruir por completo qualquer resquício de ficção social que por enquanto ainda existir. Já não vamos lá com armas, nem com bombas; só podemos lutar com livros e palestras, com a pedagogia e a ciência, com a filosofia e com a matemática; e ainda com a fé e com a religião. E, assim que as pessoas começarem a pensar, está feita a revolução. Sem qualquer derramamento de sangue, instantaneamente. A próxima revolução é a revolução mental. E uma vez feita, será impossível voltar atrás.
Mas há agora outra forma de ditadura, muito mais subtil, e portanto mais perigosa, que é a ditadura anestesiante. Primeiro, as pessoas são anestesiadas até deixarem de ter consciência daquilo que são, e depois os governos podem fazer tudo. Dantes, tínhamos reis ou príncipes a quem apontar o dedo; agora, que temos nós? Deixou de haver Monarquia para haver República, e agora, quando as coisas correm mal, a culpa é de quem? É da República? E quem é que é a República? É do Governo? E quem é que é o Governo? A culpa é naturalmente daqueles que, sob o nome amorfo de "Governo" dirigem isto ou aquilo segundo os seus interesses pessoais. São os ministros? Mas se agora somos mais comandados a partir da Europa que do nosso próprio país?!... A meta a atingir, o Santo Graal do século XXI, não é mais, como fora no passado, a evolução da humanidade - a evolução cultural -, mas apenas o melhoramento económico, a descida das taxas de juro, o aumento do PIB, a aproximação às estatísticas europeias. Qualquer diferença, qualquer ponta de individualidade, qualquer rasgo de genialidade ou de inconformismo é não só nefasto como um alvo a abater.
Já não podemos apontar o dedo a ninguém, só a instituições-fachada que não representam coisa nenhuma. Não se pedem responsabilidades àqueles que andam a brincar com o mundo para seu proveito próprio. A burocratização de todos os domínios da vida pública é a nova ditadura. A burocratização dos meios de comunicação, o excesso de informação desnecessária, sensacionalista, aviltante: tudo isso anestesia os sentidos da humanidade como um grande ópio. Hoje, a televisão é que é o ópio do povo. No vazio mental em que estamos atolados já nem há forças para ter um qualquer sentimento religioso, ou sequer místico. E a ditadura é muito mais perigosa: assim, já não há hipótese de se fazerem revoluções e de jorrar sangue. Andam todos anestesiados, todos adormecidos-em-pé. Agora, para se fazer uma nova revolução, é preciso ter cultura. A nova revolução não pode ser compreendida por um camponês que nunca teve contacto com a cultura. E é por isso que a nova ditadura da informação, e sobretudo da desinformação, resulta tão bem. Nunca uma ditadura resultou tão bem na história da humanidade mais recente. Para acabar com ela, só há uma solução: dar cultura às pessoas, diremos cultivar o desassossego como a única forma de destruir por completo qualquer resquício de ficção social que por enquanto ainda existir. Já não vamos lá com armas, nem com bombas; só podemos lutar com livros e palestras, com a pedagogia e a ciência, com a filosofia e com a matemática; e ainda com a fé e com a religião. E, assim que as pessoas começarem a pensar, está feita a revolução. Sem qualquer derramamento de sangue, instantaneamente. A próxima revolução é a revolução mental. E uma vez feita, será impossível voltar atrás.
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
Manual de Sobrevivência Universitária
um conselho a todos os alunos universitários
Não caiam na asneira de tentar perceber o que vos ensinam. Se neste mundo se dá mais importância à nota de um exame para passar a uma cadeira do que ao verdadeiro conhecimento que se tem acerca de um assunto, então paga-se na mesma moeda: decorem o mais que puderem, e sejam os maiores cábulas que vos for possível ser. Aproveitem o tempo de faculdade para ir para a borga, fazer noitadas, ir ao cinema e ao teatro, fazer amigos, aprender apenas aquilo de que realmente gostam. Tudo o resto não interessa. Joguem o jogo das simpatias e das subserviências, papagueiem as lições que forem precisas, mintam tudo aquilo que quiserem nos testes e nos exames. Ninguém dará por isso. Sejam os maiores sacanas para sacarem as notas mais altas com o menor esforço possível - não vale a pena andar esforçando-se muito se ninguém reconhece o verdadeiro valor. Despachem as cadeiras o mais rapidamente possível, para nunca mais as verem à frente. E, depois de terem o canudo na mão, ou dois, ou três - os que forem preciso - , aí, e só aí, já refastelados num empregozinho de segunda categoria, ou numa instituição de alterne, dediquem todo o vosso tempo às tarefas que realmente são importantes, àquilo de que mais gostam. Façam como o Pessoa fez: recusou muitos lugares, e deixou-se ficar recatado num escritóriozinho da Baixa, onde podia escolher quando e onde trabalhava, e assim dedicar todo o seu tempo livre ao seu projecto para a evolução da humanidade.
Se tiverem a pouca sorte, por fatalidade de carácter ou por circunstância histórica malfadada, de serem honestos com vocês mesmos e com os outros, coisa que a maior parte daqueles que nos cercam não merece, então preparem-se: vão sofrer mil tormentas, e viver a pior das vidas terrestres. Cair-vos-á tudo em cima, e andarão sempre insatisfeitos: primeiro com vocês, e com tudo aquilo que têm de deixar para o lado para poderem ser honestos; depois com os outros, que vão usar aquilo que vocês lhes derem em seu proveito próprio e, por vezes, para destruir os outros. A vossa fibra vai ser posta à prova, e, das duas, uma: ou sucumbem inevitavelmente como o pequeno Hans, ou então atingem o patamar de deuses vivos e não haverá nada que não conseguirão. O único problema é que, até chegar a essa condição de deus vivo, o tempo custa a passar, e todo o vosso pedaço de carne se vai mortificar até desaparecer. Mas, também, no final, nada disso importa: sem o sonhar jamais seríamos humanos. O importante é querer sempre como quem tem a certeza de que o fim já se atingiu, e é verdadeiro, e vive, em si, para sempre.
Não caiam na asneira de tentar perceber o que vos ensinam. Se neste mundo se dá mais importância à nota de um exame para passar a uma cadeira do que ao verdadeiro conhecimento que se tem acerca de um assunto, então paga-se na mesma moeda: decorem o mais que puderem, e sejam os maiores cábulas que vos for possível ser. Aproveitem o tempo de faculdade para ir para a borga, fazer noitadas, ir ao cinema e ao teatro, fazer amigos, aprender apenas aquilo de que realmente gostam. Tudo o resto não interessa. Joguem o jogo das simpatias e das subserviências, papagueiem as lições que forem precisas, mintam tudo aquilo que quiserem nos testes e nos exames. Ninguém dará por isso. Sejam os maiores sacanas para sacarem as notas mais altas com o menor esforço possível - não vale a pena andar esforçando-se muito se ninguém reconhece o verdadeiro valor. Despachem as cadeiras o mais rapidamente possível, para nunca mais as verem à frente. E, depois de terem o canudo na mão, ou dois, ou três - os que forem preciso - , aí, e só aí, já refastelados num empregozinho de segunda categoria, ou numa instituição de alterne, dediquem todo o vosso tempo às tarefas que realmente são importantes, àquilo de que mais gostam. Façam como o Pessoa fez: recusou muitos lugares, e deixou-se ficar recatado num escritóriozinho da Baixa, onde podia escolher quando e onde trabalhava, e assim dedicar todo o seu tempo livre ao seu projecto para a evolução da humanidade.
Se tiverem a pouca sorte, por fatalidade de carácter ou por circunstância histórica malfadada, de serem honestos com vocês mesmos e com os outros, coisa que a maior parte daqueles que nos cercam não merece, então preparem-se: vão sofrer mil tormentas, e viver a pior das vidas terrestres. Cair-vos-á tudo em cima, e andarão sempre insatisfeitos: primeiro com vocês, e com tudo aquilo que têm de deixar para o lado para poderem ser honestos; depois com os outros, que vão usar aquilo que vocês lhes derem em seu proveito próprio e, por vezes, para destruir os outros. A vossa fibra vai ser posta à prova, e, das duas, uma: ou sucumbem inevitavelmente como o pequeno Hans, ou então atingem o patamar de deuses vivos e não haverá nada que não conseguirão. O único problema é que, até chegar a essa condição de deus vivo, o tempo custa a passar, e todo o vosso pedaço de carne se vai mortificar até desaparecer. Mas, também, no final, nada disso importa: sem o sonhar jamais seríamos humanos. O importante é querer sempre como quem tem a certeza de que o fim já se atingiu, e é verdadeiro, e vive, em si, para sempre.
domingo, 14 de setembro de 2008
A Desconstrução da Notícia
Serve esta nova entrada para dar a conhecer o novíssimo blogue de crítica à sociedade da desinformação que hoje temos entre nós: A Desconstrução da Notícia. Todos aqueles que estiverem dispostos a desconstruir as notícias que a comunicação social vem lançando para televisões e jornais são bem-vindos! Procura-se activamente colaboração! Mandem os vossos textos de interpretação sobre as notícias de Portugal e do Mundo!
Este blogue encontra-se agora desactivado porque não foi suficiente para cumprir aquilo que se pretendia cumprir com ele. Pode ser que um dia renasça sob outra forma, de assim tiver de ser.
Este blogue encontra-se agora desactivado porque não foi suficiente para cumprir aquilo que se pretendia cumprir com ele. Pode ser que um dia renasça sob outra forma, de assim tiver de ser.
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Como já tivemos oportunidade de ver, o desenvolvimento da economia capitalista, ainda que traga muitos benefícios ao nível dos meios de transmissão de informação que podemos utilizar, acarreta também, e inexoravelmente, a degradação das características que, com ânimo, podemos classificar como intrinsecamente humanas. Dir-se-ia que o preço a pagar pelo desenvolvimento da economia capitalista, digamos assim num sentido bem lato, da pragmaticidade romana; o preço que estamos pagando pela livre competição, que aliás nunca é livre enquanto não for libertada do peso do dinheiro; esse preço é o sacríficio daquilo que em nós há de humano, de compassivo, de protector ou benfeitor dos homens, de ético, enquanto filosofia de vida, e de moral, enquanto prática dos costumes quotidianos. Torna-se, assim, bem evidente o local em que estamos hoje aportados: o deserto verdadeiramente filosófico como o era na Grécia Antiga, a ausência de ideais, a diluição dos nacionalismos, a asfixia da história, a ausência de pensamento. De facto, são estas características que naturalmente levam à ruína das civilizações, e que têm deixado tantos homens cair no abismo da ignorância. Dado o desenvolvimento tecnológico que hoje temos ao dispor de cada um, e embora haja ainda muita pobreza que é preciso instrui, se não surge um plano eminentemente prático para dar razão a todo o fundamento cultural que em nós existe, estamos condenados a desaparecer. E aqui se explica ainda o porquê de tão apocalíptica visão: é que a economia capitalista tem duas características extremamente importantes que a conduzem a ela - e, na verdade, a todos os que dela dependem - à destruição. A primeira característica é o facto da economia capitalista ser autofágica, isto é, de se levar, pelo seu desenvolvimento, à autodestruição. Exemplo bem claro é o da destruição dos nossos ecossistemas naturais, destruição essa que, uma vez desregulando completamente o seu funcionamento, isto é, desregulando a sua ecologia, os corrompe por uma quantidade de tempo que, se não é infinita, pelo menos a nós nos parece como tal. Já, pelo menos, desde os tempos de Lineu, e estávamos então nos princípios do século XVIII, havia a noção de que uma economia só pode ser regulada por uma ecologia cuidada e sustentada do meio onde as matérias-primas necessárias a essa mesma economia se encontram. A segunda característica, que decorre da primeira, é o facto do desenvolvimento da economia ser cíclico; e é evidente este facto quando consideramos as crises periódicas que o atravessam, de que foi exemplo aquilo que ficou conhecido como a grande depressão americana, com o colapso da bolsa de Wall Street. Se não existem mecanismos reguladores, exactamente como na homeostase de um qualquer organismo vivo, que possam prever ou contrabalançar a produção massiva de produtos cujo objectivo é apenas o de gerar capital, então, o próprio capital, se consome a si mesmo, e consome-se porque, qual maquinação estéril, não é capaz de gerar descendência: é apenas um beco sem saída. Enquanto não se compreender que o desenvolvimento de uma economia tem de ser finamente coordenado, exactamente como no caso dos organismos vivos, por uma cibernética adequada, por uma equilibração entre a manutenção de homeostases que possibilitem os desenvolvimentos e as expansões e evoluções homeorréticas, estaremos todos à beira dessa grande abismo que não poupará ninguém no momento em que a economia soçobrar.
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Capitalismo,
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Economia
terça-feira, 9 de setembro de 2008
a maior prova de que o desenvolvimento da economia e o consequente excesso de importância que lhe foi atribuída são completamente nefastos ao desenvolvimento do potencial humano está nos concursos televisivos. Hoje em dia, as pessoas são capazes das maiores barbaridades para ter um número com mais algarismos no banco. E nem é preciso ir mais longe para analisar as observações que sustentam toda esta conclusão: veja-se simplesmente que tipo de concursos temos hoje. Temos concursos em que as pessoas são premiadas pelas coisas mais estúpidas: por saber de cor o nome de preços de produtos que muito provavelmente nem precisam nem nunca hão-de precisar; por saber de cor pormenores perfeitamente irrelevantes para a sua vida e que em nada contribuem para a sua evolução humana; por saber fazer coisas (notem o ridículo: coisas que, para que sejam bem feitas, precisam de ser treinadas vezes e vezes sem conta, ao longo de muito tempo) perfeitamente desinteressantes como dizer o abecedário em arrotos ou levantar um carro com as mãos; por ficar fechado dentro de uma casa a aturar gente que nem sequer se conhece (e que, na maior parte dos casos, seria melhor que não se conhecesse); por ficar acorrentado a alguém durante uma data de tempo (como se não fosse martírio suficiente o ter de passar os dias ao pé de gente mesquinha e perfeitamente desprezível); por expor todos os segredos que temos a toda a gente à laia de idólatra, podendo esses segredos ser aquilo que de mais horrível há nos seres humanos; por resistir à sedução cerrada e contínua de mil mulheres e mil homens (e que fique claro que ninguém é frio o suficiente para não se descair face a investidas sexuais, especialmente quando condimentadas com bebida e comida); por viver numa ilha deserta como um macaco de qualquer espécie... Mas o que foi afinal? O que se passa com a gente que habita este mundo?! Não gostam da vida que levam, do emprego onde trabalham, dos amigos que têm, dos amantes ou do amante que têm - não gostam de quem são?! E pensam que é num programa desses, mostrando as forças que não têm, postos à prova em provas que nunca superam, sacrificando toda a sua humanidade nas tarefas mais mesquinhas e insignificantes (mais animalescas, numa palavra) que irão conseguir fugir da porcaria que têm dentro?! Pois bem, se assim pensam estão no bom caminho para deixarem de ser humanos e irem fazer companhia ao Gregor Samsa... O quê?! Não sabem quem é o Gregor Samsa?!...
São interesses de minha investigação:
Na Biologia
- Sociobiologia de Bactérias
- Análise da Simbiose Micróbio-Hospedeiro
- Imunologia de Mucosas
Na Psicologia
- Pedagogia do Adolescente
- Psicologia da Aprendizagem
- Psicologia da Memória
- Psicologia do Inconsciente
- Análise de Métodos Terapêuticos
- Análise e Interpretação de Sonhos
Na Ciência
- Análise do Processo de Descoberta Científica
- Teoria e Prática de uma Pedagogia da Ciência
Na História
- Análise da História e Evolução das Ciências
- Teoria da Evolução do Conhecimento Científico
- Análise da Biografia de Alexander Fleming
- Divulgação da História e Evolução das Ciências
Na Arte
- Teoria e Crítica da Estética
Na Literatura
- Análise da Missão de Pessoa
- História e Evolução da Imaginação Humana
No Pensamento
- A Multiplicidade em Agostinho da Silva
Na Filosofia
- Fenomenologia e Gnoseologia
Na Religião
- Análise Comparada das Religiões
- Teoria e Análise e Interpretação do Símbolo
- Sociobiologia de Bactérias
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- Imunologia de Mucosas
Na Psicologia
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- Análise de Métodos Terapêuticos
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Na Ciência
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Na História
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Na Arte
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Na Literatura
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No Pensamento
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Na Filosofia
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Na Religião
- Análise Comparada das Religiões
- Teoria e Análise e Interpretação do Símbolo
Alguns há que procuram o que é Deus na meditação silenciosa e no cilício dos mosteiros; outros que se não se tornam eremitas abraçam uma qualquer ordem religiosa; a mim, dado o meu temperamento analítico; dado o contexto histórico que me coube viver; e, enfim, dada a consciência do social e do económico que tenho ou que aprendi a ter; e dado até o empurrão que o destino ou a sorte sempre me têm oferecido; o que resulta de todas essas influências é o procurar eu o que é Deus na regra rigorosa daquilo que é escrito, seja eu a escrevê-lo ou sejam outros; é o procurar eu o que é Deus no trabalho árduo e vigoroso e cada dia; é o procurar eu o que é Deus não tanto em mim como nos outros; é o procurar eu o que é Deus através da experimentação científica e das correlações causa-efeito; é o procurar eu o que é Deus pela união com a história e pelo estudo de como essa história da imaginação humana, em todas as suas miríades individuais e colectivas, se desenvolve e evolui, pelas leis do tempo que não existe e pelas leis do espaço que não há.
sábado, 6 de setembro de 2008
Afinal, quem era realmente Pessoa?
(...) e, dos que de perto literariamente me cercam, você sabe bem que (por superiores que sejam como artistas) como almas, propriamente, não contam, não tendo nenhum deles a consciência (que em mim é quotidiana) da terrível importância da Vida, essa consciência que nos impossibilita de fazer arte meramente pela arte, e sem a consciência de um dever a cumprir para com nós próprios e para com a humanidade.
(...)
Em ninguém que me cerca eu encontro uma atitude, para com a vida que bata certo com a minha íntima sensibilidade, com as minhas aspirações e ambições, com tudo quanto constitui o fundamental e o essencial do meu íntimo ser espiritual. Encontro, sim, quem esteja de acordo com actividades literárias que são apenas dos arredores da minha sinceridade. E isso não me basta. De modo que, à minha sensibilidade cada vez mais profunda, e à minha consciência cada vez maior da terrível e religiosa missão que todo o homem de génio recebe de Deus com o seu génio, tudo quanto é futilidade literária, mera arte, vai gradualmente soando cada vez mais a oco e a repugnante. Pouco a pouco, mas seguramente, no divino cumprimento íntimo de uma evolução cujos fins me são ocultos, tenho vindo erguendo os meus propósitos e as minhas ambições cada vez mais à altura daquelas qualidades que recebi. Ter uma acção sobre a humanidade, contribuir com todo o poder do meu esforço para a civilização vêm-se-me tornando os graves e pesados fins da minha vida. E, assim, fazer arte parece-me cada vez mais importante cousa, mais terrível missão - dever a cumprir arduamente, monasticamente, sem desviar os olhos do fim criador de civilização de toda a obra artística. E por isso o meu próprio conceito puramente estético da arte subiu e dificultou-se; exijo agora de mim muita mais perfeição e elaboração cuidada. Fazer arte rapidamente, ainda que bem, parece-me pouco. Devo à missão que me sinto uma perfeição absoluta no realizado, uma seriedade integral no escrito.
Passou de mim a ambição grosseira de brilhar por brilhar, e essa outra, grosseiríssima, e de um plebeísmo artístico insuportável, de querer épater. Não me agarro já à ideia do lançamento do Interseccionismo com ardor ou entusiasmo algum. É um ponto que neste momento analiso e reanaliso a sós comigo. Mas, se decidir lançar essa quase blague, será já, não a quase blague que seria, mas outra cousa. (...) A blague só um momento, passageiramente, a um mórbido período transitório, de grosseria (felizmente incaracterística), me pode agradar ou atrair. Será talvez útil - penso - lançar essa corrente como corrente, mas não com fins meramente artísticos, mas, pensando esse acto a fundo, como uma série de ideias que urge atirar para a publicidade para que possam agir sobre o psiquismo nacional, que precisa trabalhado e percorrido em todas as direcções por novas correntes de ideias e emoções que nos arranquem à nossa estagnação. Porque a ideia patriótica, sempre mais ou menos presente nos meus propósitos, avulta agora em mim; e não penso em fazer arte que não medite fazê-lo para erguer alto o nome português através do que eu consiga realizar. É uma consequência de encarar a sério a arte e a vida. Outra atitude não pode ter para com a sua própria noção do dever quem olha religiosamente para o espectáculo triste e misterioso do Mundo. (...)
Fernando Pessoa, 26 anos, em janeiro de 1915, numa belíssima carta a Armando Côrtes-Rodrigues sintetiza, porventura por meio de premonição, aquilo que irá ser toda a sua vida. Está na altura dos críticos abrirem os olhos: Pessoa abdicou de tudo o que podia ter tido em vida não para escrever a obra que tinha dentro dele, mas para SER aquilo que tinha dentro dele, para DAR de si aos outros, para contribuir para o avanço da humanidade sendo e sentindo diversamente tudo com o objectivo de que, falando de maneiras diversas a mesma verdade, conseguiria mais facilmente chegar a todos no seu singular gosto metafísico que lhes permite, pelo seu próprio caminho individual, alcançar a transcendência. Embora atraído a princípio por sofisticações artísticas sem substância, Pessoa as repudiou a todas e escolheu o caminho mais alto que um homem pode escolher: o de dar a sua vida para, pelos seus escritos, mostrar aos outros o caminho para a libertação de todo o sofrimento. Vemos em Caeiro a aceitação e a imersão na natureza de que todos fazemos parte; vemos em Reis a serenidade budista de não nos deixarmos perturbar por aquilo que nos acontece no mundo; vemos em Campos qual o trágico fim para toda a sociedade assente na indústria e no capitalismo; e podemos ver ainda em Soares o gosto pela reflexão filosófica que pretende analisar o real para dele extrair as suas leis essenciais. A Missão de Pessoa, pois que de verdadeira Missão se tratava, era com as pessoas - não as que com ele e nele próprio habitavam, mas com toda a humanidade: procurar livrar a humanidade dos seus sofrimentos, deixar os outros nus perante aquilo que são, firmar mil métodos para chegar à meta; e, enfim, trabalhar incansavelmente para que a revolução anarquista aconteça: para que cada homem não possa ter outra função no mundo que ser somente tudo aquilo que nasceu cumprindo-se e celebrando-se no real quotidiano da sua vida. Elevar a vida, fazendo descer o sonho ao real. Fazer da Terra o Reino de Deus.
(...)
Em ninguém que me cerca eu encontro uma atitude, para com a vida que bata certo com a minha íntima sensibilidade, com as minhas aspirações e ambições, com tudo quanto constitui o fundamental e o essencial do meu íntimo ser espiritual. Encontro, sim, quem esteja de acordo com actividades literárias que são apenas dos arredores da minha sinceridade. E isso não me basta. De modo que, à minha sensibilidade cada vez mais profunda, e à minha consciência cada vez maior da terrível e religiosa missão que todo o homem de génio recebe de Deus com o seu génio, tudo quanto é futilidade literária, mera arte, vai gradualmente soando cada vez mais a oco e a repugnante. Pouco a pouco, mas seguramente, no divino cumprimento íntimo de uma evolução cujos fins me são ocultos, tenho vindo erguendo os meus propósitos e as minhas ambições cada vez mais à altura daquelas qualidades que recebi. Ter uma acção sobre a humanidade, contribuir com todo o poder do meu esforço para a civilização vêm-se-me tornando os graves e pesados fins da minha vida. E, assim, fazer arte parece-me cada vez mais importante cousa, mais terrível missão - dever a cumprir arduamente, monasticamente, sem desviar os olhos do fim criador de civilização de toda a obra artística. E por isso o meu próprio conceito puramente estético da arte subiu e dificultou-se; exijo agora de mim muita mais perfeição e elaboração cuidada. Fazer arte rapidamente, ainda que bem, parece-me pouco. Devo à missão que me sinto uma perfeição absoluta no realizado, uma seriedade integral no escrito.
Passou de mim a ambição grosseira de brilhar por brilhar, e essa outra, grosseiríssima, e de um plebeísmo artístico insuportável, de querer épater. Não me agarro já à ideia do lançamento do Interseccionismo com ardor ou entusiasmo algum. É um ponto que neste momento analiso e reanaliso a sós comigo. Mas, se decidir lançar essa quase blague, será já, não a quase blague que seria, mas outra cousa. (...) A blague só um momento, passageiramente, a um mórbido período transitório, de grosseria (felizmente incaracterística), me pode agradar ou atrair. Será talvez útil - penso - lançar essa corrente como corrente, mas não com fins meramente artísticos, mas, pensando esse acto a fundo, como uma série de ideias que urge atirar para a publicidade para que possam agir sobre o psiquismo nacional, que precisa trabalhado e percorrido em todas as direcções por novas correntes de ideias e emoções que nos arranquem à nossa estagnação. Porque a ideia patriótica, sempre mais ou menos presente nos meus propósitos, avulta agora em mim; e não penso em fazer arte que não medite fazê-lo para erguer alto o nome português através do que eu consiga realizar. É uma consequência de encarar a sério a arte e a vida. Outra atitude não pode ter para com a sua própria noção do dever quem olha religiosamente para o espectáculo triste e misterioso do Mundo. (...)
Fernando Pessoa, 26 anos, em janeiro de 1915, numa belíssima carta a Armando Côrtes-Rodrigues sintetiza, porventura por meio de premonição, aquilo que irá ser toda a sua vida. Está na altura dos críticos abrirem os olhos: Pessoa abdicou de tudo o que podia ter tido em vida não para escrever a obra que tinha dentro dele, mas para SER aquilo que tinha dentro dele, para DAR de si aos outros, para contribuir para o avanço da humanidade sendo e sentindo diversamente tudo com o objectivo de que, falando de maneiras diversas a mesma verdade, conseguiria mais facilmente chegar a todos no seu singular gosto metafísico que lhes permite, pelo seu próprio caminho individual, alcançar a transcendência. Embora atraído a princípio por sofisticações artísticas sem substância, Pessoa as repudiou a todas e escolheu o caminho mais alto que um homem pode escolher: o de dar a sua vida para, pelos seus escritos, mostrar aos outros o caminho para a libertação de todo o sofrimento. Vemos em Caeiro a aceitação e a imersão na natureza de que todos fazemos parte; vemos em Reis a serenidade budista de não nos deixarmos perturbar por aquilo que nos acontece no mundo; vemos em Campos qual o trágico fim para toda a sociedade assente na indústria e no capitalismo; e podemos ver ainda em Soares o gosto pela reflexão filosófica que pretende analisar o real para dele extrair as suas leis essenciais. A Missão de Pessoa, pois que de verdadeira Missão se tratava, era com as pessoas - não as que com ele e nele próprio habitavam, mas com toda a humanidade: procurar livrar a humanidade dos seus sofrimentos, deixar os outros nus perante aquilo que são, firmar mil métodos para chegar à meta; e, enfim, trabalhar incansavelmente para que a revolução anarquista aconteça: para que cada homem não possa ter outra função no mundo que ser somente tudo aquilo que nasceu cumprindo-se e celebrando-se no real quotidiano da sua vida. Elevar a vida, fazendo descer o sonho ao real. Fazer da Terra o Reino de Deus.
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
A Nova Universidade
Desde a Montessori de 1959 terá alguma coisa mudado nestes quase 50 anos que nos separam? O que há a fazer em relação a toda esta situação? É simples: a velha universidade tem que ser completamente destruída, para que se possa construir a Nova Universidade.
Essa Nova Universidade será, antes de mais, uma Universidade Livre: livre primeiramente em termos de currículos e obrigações, para que cada um possa escolher livremente aquilo que quer aprender da maneira como melhor lhe convier; e futuramente uma universidade que seja gratuita para toda a gente, uma universidade em que o peso do económico deixe de existir e onde qualquer um possa entrar lá e de lá sair de acordo com o seu caminho, no pleno exercício de toda a sua liberdade. Esse é o “espírito da universidade”. Mas isso só também não chega. É preciso pular para além das inacessíveis cátedras disto ou daquilo e destruir todas as paredes que prenderem o conhecimento dos investigadores científicos aos seus pequenos e limitados laboratórios. A Universidade do futuro será aquela que construirá tantas pontes quantas as pessoas que dela quiserem beber o seu conhecimento. É preciso divulgar o que se faz nos laboratórios, e é preciso ainda divulgar aquilo que já se fez.
Dar a conhecer a ciência a todos é essencialmente duas coisas diferentes: primeiro, é querer ensinar, é querer transmitir aquilo que já se sabe a quem queira ouvir; depois, é ensinar da melhor maneira, é ter uma atitude pedagógica que permita com que o ouvinte ou os ouvintes consigam entender aquilo que lhes é dito da maneira mais clara possível. E que não signifique isto, em nenhum momento, um afrouxamento ou simplificação daquilo que se ensina: clarificar é tornar límpido, não alterar a natureza, seja ela simples ou complexa, daquilo que se quer transmitir. Este é um grande exercício, e um grande desafio para os homens do nosso tempo. É necessário não só ter um conhecimento específico acerca da ciência e da sua área particular de investigação, mas também da melhor maneira de transmitir esse conhecimento, de tornar compreensível, de desmistificar, de tornar claro como qualquer geometria aquilo que se faz: é esta, na verdade, uma questão de adaptação do orador ao auditório: é o único modo possível de ensinar. É por isso que as escolas, ou as universidades, se lhes quiserem chamar assim, do futuro, irão regressar ao giz e à ardósia. Só um meio de comunicação que é essencialmente plástico, que permite que o orador se adapte ao auditório pela modificação rápida do modo como ensina ou como representa os conceitos que quer transmitir poderá realmente tornar possível essa grande missão que é ensinar. Toda essa aparelhagem informática de diapositivos electrónicos suportados por programas de multinacionais terá de desaparecer para que as aulas sejam interactivas, para que uma aula seja um momento único e singular de aprendizagem, de contacto, de encontro. Na verdade, trata-se apenas de humanizar o ensino: para que ele deixe de ser ensino e passe a se chamar instrução.
Essa Nova Universidade será, antes de mais, uma Universidade Livre: livre primeiramente em termos de currículos e obrigações, para que cada um possa escolher livremente aquilo que quer aprender da maneira como melhor lhe convier; e futuramente uma universidade que seja gratuita para toda a gente, uma universidade em que o peso do económico deixe de existir e onde qualquer um possa entrar lá e de lá sair de acordo com o seu caminho, no pleno exercício de toda a sua liberdade. Esse é o “espírito da universidade”. Mas isso só também não chega. É preciso pular para além das inacessíveis cátedras disto ou daquilo e destruir todas as paredes que prenderem o conhecimento dos investigadores científicos aos seus pequenos e limitados laboratórios. A Universidade do futuro será aquela que construirá tantas pontes quantas as pessoas que dela quiserem beber o seu conhecimento. É preciso divulgar o que se faz nos laboratórios, e é preciso ainda divulgar aquilo que já se fez.
Dar a conhecer a ciência a todos é essencialmente duas coisas diferentes: primeiro, é querer ensinar, é querer transmitir aquilo que já se sabe a quem queira ouvir; depois, é ensinar da melhor maneira, é ter uma atitude pedagógica que permita com que o ouvinte ou os ouvintes consigam entender aquilo que lhes é dito da maneira mais clara possível. E que não signifique isto, em nenhum momento, um afrouxamento ou simplificação daquilo que se ensina: clarificar é tornar límpido, não alterar a natureza, seja ela simples ou complexa, daquilo que se quer transmitir. Este é um grande exercício, e um grande desafio para os homens do nosso tempo. É necessário não só ter um conhecimento específico acerca da ciência e da sua área particular de investigação, mas também da melhor maneira de transmitir esse conhecimento, de tornar compreensível, de desmistificar, de tornar claro como qualquer geometria aquilo que se faz: é esta, na verdade, uma questão de adaptação do orador ao auditório: é o único modo possível de ensinar. É por isso que as escolas, ou as universidades, se lhes quiserem chamar assim, do futuro, irão regressar ao giz e à ardósia. Só um meio de comunicação que é essencialmente plástico, que permite que o orador se adapte ao auditório pela modificação rápida do modo como ensina ou como representa os conceitos que quer transmitir poderá realmente tornar possível essa grande missão que é ensinar. Toda essa aparelhagem informática de diapositivos electrónicos suportados por programas de multinacionais terá de desaparecer para que as aulas sejam interactivas, para que uma aula seja um momento único e singular de aprendizagem, de contacto, de encontro. Na verdade, trata-se apenas de humanizar o ensino: para que ele deixe de ser ensino e passe a se chamar instrução.
Correlações IV
Maria Montessori (1959)
Os estudantes universitários continuam a assistir a lições, a escutar os professores, a efectuar exames, dos quais depende o êxito da sua carreira...
Na universidade, os homens vivem como crianças, apesar de já serem homens. É aí que deveriam tomar consciência das suas responsabilidades (...). Em vez disso, dão provas, em geral, de falta de consciência; têm uma ideia falsa da vida. Não se pode esperar que tais homens contribuam para melhorar a sociedade...
Nos nossos dias, a civilização e a cultura transmitem-se por meios cada vez mais vastos e mais fáceis. A cultura é divulgada pela imprensa e por meios de comunicação rápidos que estabelecem uma espécie de nivelamento universal.
Assim, as universidades tornaram-se a pouco e pouco simples escolas profissionais, em que só o grau de cultura é superior ao das outras escolas. Mas perderam o sentido da sua dignidade e da sua grandeza que fazia delas (na Idade Média) um instrumento central para o progresso e a civilização.
Os estudantes universitários cujo objectivo é apenas obter um obscuro emprego pessoal já não podem ter consciência desta missão que criava outrora o «espírito da universidade». O simples desejo de trabalhar o menos possível, de passar custe o que custar nos exames e de obter o diploma que servirá o interesse pessoal de cada um tornou-se o móbile essencial, comum aos estudantes. De tal modo que ao progresso da cultura que transformou a existência correspondeu a decadência das instituições universitárias. Os verdadeiros centros de progresso estabeleceram-se nos laboratórios dos investigadores científicos, que são lugares fechados, estranhos à cultura comum.
Agostinho da Silva (actualidade)
Todas as universidades deviam empurrar o sujeito a ser autodidacta. Deviam ter um ambiente tal que aquele que não se instruísse por ele próprio estava mal. Mas o que acontece é que os sujeitos vão para ouvir o professor, decorar o mais possível, portar-se bem na aula, fazer uma tese, se for caso disso, e pronto, está o caso arrumado…
Os estudantes universitários continuam a assistir a lições, a escutar os professores, a efectuar exames, dos quais depende o êxito da sua carreira...
Na universidade, os homens vivem como crianças, apesar de já serem homens. É aí que deveriam tomar consciência das suas responsabilidades (...). Em vez disso, dão provas, em geral, de falta de consciência; têm uma ideia falsa da vida. Não se pode esperar que tais homens contribuam para melhorar a sociedade...
Nos nossos dias, a civilização e a cultura transmitem-se por meios cada vez mais vastos e mais fáceis. A cultura é divulgada pela imprensa e por meios de comunicação rápidos que estabelecem uma espécie de nivelamento universal.
Assim, as universidades tornaram-se a pouco e pouco simples escolas profissionais, em que só o grau de cultura é superior ao das outras escolas. Mas perderam o sentido da sua dignidade e da sua grandeza que fazia delas (na Idade Média) um instrumento central para o progresso e a civilização.
Os estudantes universitários cujo objectivo é apenas obter um obscuro emprego pessoal já não podem ter consciência desta missão que criava outrora o «espírito da universidade». O simples desejo de trabalhar o menos possível, de passar custe o que custar nos exames e de obter o diploma que servirá o interesse pessoal de cada um tornou-se o móbile essencial, comum aos estudantes. De tal modo que ao progresso da cultura que transformou a existência correspondeu a decadência das instituições universitárias. Os verdadeiros centros de progresso estabeleceram-se nos laboratórios dos investigadores científicos, que são lugares fechados, estranhos à cultura comum.
Agostinho da Silva (actualidade)
Todas as universidades deviam empurrar o sujeito a ser autodidacta. Deviam ter um ambiente tal que aquele que não se instruísse por ele próprio estava mal. Mas o que acontece é que os sujeitos vão para ouvir o professor, decorar o mais possível, portar-se bem na aula, fazer uma tese, se for caso disso, e pronto, está o caso arrumado…
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