terça-feira, 9 de setembro de 2008

a maior prova de que o desenvolvimento da economia e o consequente excesso de importância que lhe foi atribuída são completamente nefastos ao desenvolvimento do potencial humano está nos concursos televisivos. Hoje em dia, as pessoas são capazes das maiores barbaridades para ter um número com mais algarismos no banco. E nem é preciso ir mais longe para analisar as observações que sustentam toda esta conclusão: veja-se simplesmente que tipo de concursos temos hoje. Temos concursos em que as pessoas são premiadas pelas coisas mais estúpidas: por saber de cor o nome de preços de produtos que muito provavelmente nem precisam nem nunca hão-de precisar; por saber de cor pormenores perfeitamente irrelevantes para a sua vida e que em nada contribuem para a sua evolução humana; por saber fazer coisas (notem o ridículo: coisas que, para que sejam bem feitas, precisam de ser treinadas vezes e vezes sem conta, ao longo de muito tempo) perfeitamente desinteressantes como dizer o abecedário em arrotos ou levantar um carro com as mãos; por ficar fechado dentro de uma casa a aturar gente que nem sequer se conhece (e que, na maior parte dos casos, seria melhor que não se conhecesse); por ficar acorrentado a alguém durante uma data de tempo (como se não fosse martírio suficiente o ter de passar os dias ao pé de gente mesquinha e perfeitamente desprezível); por expor todos os segredos que temos a toda a gente à laia de idólatra, podendo esses segredos ser aquilo que de mais horrível há nos seres humanos; por resistir à sedução cerrada e contínua de mil mulheres e mil homens (e que fique claro que ninguém é frio o suficiente para não se descair face a investidas sexuais, especialmente quando condimentadas com bebida e comida); por viver numa ilha deserta como um macaco de qualquer espécie... Mas o que foi afinal? O que se passa com a gente que habita este mundo?! Não gostam da vida que levam, do emprego onde trabalham, dos amigos que têm, dos amantes ou do amante que têm - não gostam de quem são?! E pensam que é num programa desses, mostrando as forças que não têm, postos à prova em provas que nunca superam, sacrificando toda a sua humanidade nas tarefas mais mesquinhas e insignificantes (mais animalescas, numa palavra) que irão conseguir fugir da porcaria que têm dentro?! Pois bem, se assim pensam estão no bom caminho para deixarem de ser humanos e irem fazer companhia ao Gregor Samsa... O quê?! Não sabem quem é o Gregor Samsa?!...

2 comentários:

ricardo disse...

"Certa manha, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na cama, metamorfoseado num monstruoso insecto."

Metamorfose,
Franz Kafka

ps-ainda tive tempo para ir buscar o livro à estante! ;)

Daniel disse...

Ainda bem que o pouco tempo que tens dá pelo menos para revisitar os Grandes.

Abraço