segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Manual de Sobrevivência Universitária

um conselho a todos os alunos universitários

Não caiam na asneira de tentar perceber o que vos ensinam. Se neste mundo se dá mais importância à nota de um exame para passar a uma cadeira do que ao verdadeiro conhecimento que se tem acerca de um assunto, então paga-se na mesma moeda: decorem o mais que puderem, e sejam os maiores cábulas que vos for possível ser. Aproveitem o tempo de faculdade para ir para a borga, fazer noitadas, ir ao cinema e ao teatro, fazer amigos, aprender apenas aquilo de que realmente gostam. Tudo o resto não interessa. Joguem o jogo das simpatias e das subserviências, papagueiem as lições que forem precisas, mintam tudo aquilo que quiserem nos testes e nos exames. Ninguém dará por isso. Sejam os maiores sacanas para sacarem as notas mais altas com o menor esforço possível - não vale a pena andar esforçando-se muito se ninguém reconhece o verdadeiro valor. Despachem as cadeiras o mais rapidamente possível, para nunca mais as verem à frente. E, depois de terem o canudo na mão, ou dois, ou três - os que forem preciso - , aí, e só aí, já refastelados num empregozinho de segunda categoria, ou numa instituição de alterne, dediquem todo o vosso tempo às tarefas que realmente são importantes, àquilo de que mais gostam. Façam como o Pessoa fez: recusou muitos lugares, e deixou-se ficar recatado num escritóriozinho da Baixa, onde podia escolher quando e onde trabalhava, e assim dedicar todo o seu tempo livre ao seu projecto para a evolução da humanidade.

Se tiverem a pouca sorte, por fatalidade de carácter ou por circunstância histórica malfadada, de serem honestos com vocês mesmos e com os outros, coisa que a maior parte daqueles que nos cercam não merece, então preparem-se: vão sofrer mil tormentas, e viver a pior das vidas terrestres. Cair-vos-á tudo em cima, e andarão sempre insatisfeitos: primeiro com vocês, e com tudo aquilo que têm de deixar para o lado para poderem ser honestos; depois com os outros, que vão usar aquilo que vocês lhes derem em seu proveito próprio e, por vezes, para destruir os outros. A vossa fibra vai ser posta à prova, e, das duas, uma: ou sucumbem inevitavelmente como o pequeno Hans, ou então atingem o patamar de deuses vivos e não haverá nada que não conseguirão. O único problema é que, até chegar a essa condição de deus vivo, o tempo custa a passar, e todo o vosso pedaço de carne se vai mortificar até desaparecer. Mas, também, no final, nada disso importa: sem o sonhar jamais seríamos humanos. O importante é querer sempre como quem tem a certeza de que o fim já se atingiu, e é verdadeiro, e vive, em si, para sempre.

3 comentários:

Carlos Pereira disse...

Excelente, excelente texto. Nem mais. Há muita coisa interessante a absorver na universidade e quase nada passa pelos estudos obrigatórios. Estuda-se um pouco, claro, se não há consequências negativas, e ainda é cedo para nos revoltarmos contra as ficções sociais. Isso vem depois, agora é maturação, experiência, compreensão, tornando cristalino o que era complexo (nunca de forma derradeira, mas no sentido de aproximação mais clara daquilo que nos define a nós e ao nosso cosmos): crescimento/nitidez.

Carlos Pereira disse...

Continua a escrever estas pérolas.

Um abraço ;)

Daniel disse...

Tu és a prova daquilo que a evolução cultural da humanidade vai trazer ao mundo: tens uns singelos 19 anos, mas vivendo no meio culturalmente desenvolvido que vives, adquiriste uma visão clara, e ao mesmo tempo penetrante, daquilo que é a realidade. Estou mortinho por ver um filme teu hehe...

Depois, é sempre bom ver que há alguém que sabe o que são as ficções sociais (esta aqui vem directamente, como nunca me canso de dizer, d'O Banqueiro Anarquista do Pessoa) e que, mais que isso, tem como objectivo a sua destruição (ou, pelo menos, o seu enfraquecimento). Mas, por agora, e, na verdade, sempre; porém, agora com maior intensidade, há que cultivar. Daqui a uns anitos logo vamos dar palestras por Portugal, pode ser? Enquanto isso, e se há, como no meu caso, impaciência de espírito, cultiva-se ainda a serenidade estóica, que tem tanto de budista, para ver se as coisas mundanas não nos afectam demasiado.

Um excelente abraço ;)