quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Sobre o inventar

Como se sabe, vem nosso verbo vir de um verbo latino de que está muito mais perto ou, sem ofensa, menos evoluído, o francês venir; [a] este se antepôs um dia a partícula in, o que vem a dar ao dito verbo o significado de vir ao encontro ou encontrar; reforçada a significação, por meio de outro verbo de que, ao que creio, não há documento, aparece-nos a palavra inventário, que é afinal o registo daquilo que se encontra: O que tudo vem a propósito de me poderem acusar de andar inventando as lembranças (...) Bem poderia chamar em minha defesa meu mestre Platão (não mestre quando legisla, mas quando é dramaturgo, quando é poeta filósofo, e tanto que, se o caso é difícil, não prova arrazoadamente, como convém a matemáticos, mas simplesmente conta uma história ou inventa um mito), mas basta a filologia para me defender. Dela se conclui que não invento coisa alguma no sentido vulgar da palavra, simplesmente vou ao encontro de uma realidade que me tinha esquecido de lembrar, e isto pelos acidentes de minha vida na terra; revestir-se de carne é uma beleza, mas às vezes atrapalha seu bocado.

Agostinho da Silva no seu Caderno de Lembranças

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