sábado, 26 de julho de 2008

o videoclip: elemento de uma estética superior

porque será que conseguimos sentir no videoclip algo que escapa às restantes estéticas? Deve haver certamente algo mais no videoclip que faz com que ele seja um elemento estético superior. Debruçando-me um pouco sobre o assunto descobri por meio de um insight o que era esse algo. No videoclip, assim com o não acontece em nenhuma outra forma de expressão estética, três elementos completamente diferentes concorrem para o mesmo ponto: a letra, que é um texto construído a partir da linguagem escrita; a imagem, que é uma construção feita a partir dos estímulos visuais que podemos receber dos objectos do quotidiano; e a música, que é uma composição construída a partir de vibrações sonoras. Cada um destes elementos possui uma natureza diferente e não sobreponível, incomensurável. Mas o que é admirável é que, quando juntos, a interacção de uns com os outros transcende a sua própria condição singular, transforma essa condição singular em algo mais, revela propriedades emergentes únicas, e as redes semânticas e os jogos semânticos que se criam transcendem a própria semântica de cada um dos elementos isolados.


Experimental evidences (interacções):

- O texto escrito é musicado, e portanto o ritmo da música imprime no texto falado (notar que o facto do texto escrito passar a falado já faz com que este se transforme em música, e, portanto, em vibração) uma nova cadência, uma cadência que pode levar a que o original significado das palavras, ou o original significado que as palavras tinham no texto, seja dilatado ou contraído (estendendo a sua importância, ou escolhendo-a); a ênfase modifica-se - mas o que é importante notar é que esta nova ênfase não destrói a anterior, antes se constrói em cima da outra, e portanto o resultado final é um edifício com vários níveis semânticos, que dependem da capacidade do analista para compreender e para ver essas interacções, as subtilezas que transcendem a condição finita do texto. Como as palavras são, cada uma delas, um símbolo a sós, apoiamos este arrazoado nas análises de Eliade: os símbolos podem adquirir novos significados dependendo do contexto cultural, mas não perdem os seus significados mais ancestrais; são aliás esses que fundamentam os actuais. A matriz cultural, a mais ancestral, permanece.

- A conexão entre imagem e música pode não ser tão óbvia, mas se dissermos que a imagem apresenta movimento então aí já é possível haver uma conexão, e bem vincada, com a música. O movimento, a alteração de posição de determinados objectos, pode ocorrer a vários ritmos, do mais rápido ao mais lento. De igual modo, a música também pode correr a um ritmo mais rápido ou mais lento, dependendo do compasso que se segue. Portanto, assim como na interacção entre letra e música, a imagem (ou imagem em movimento) e a música podem interligar-se de tal forma que as duas se tornam interdependentes, não fazendo sentido quando isoladas - como argumento veja-se o excelente videoclip Star Guitar dos Chemical Brothers.

- A conexão entre imagem e letra pode parecer mais difícil dada a sua substancial e diferente natureza, mas é possível compreender de que forma é que as duas se interligam se analisarmos alguns aspectos que têm em comum. Ambas são símbolos físicos, a letra escrita e o objecto que serve de suporte à imagem; ambas servem como representação de alguma semântica; ambas são partes integrantes do nosso dia-a-dia. Na verdade, a imagem pode apoiar a palavra reforçando o seu significado, estendendo ou encurtando a sua ênfase, ou mesmo acrescentando outros efeitos de sentido, assim como na interacção entre música e letra. A imagem pode tornar-se no símbolo físico tornado abstracto de uma realidade concreta descrita pela palavra. De qualquer modo, transcende-se uma vez mais a condição de ambas. Sobre este jogo semântico poder-se-á ver, a título de exemplo, e sobretudo enquanto sólido argumento, a interacção entre palavra e imagem no filme Os Sonhadores de Bertolucci.

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