domingo, 30 de setembro de 2007

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

depois de ter estudado tanto
não sei senão nada
já que nada me diz
se longe vai a estrada
ou como voa a perdiz
mas talvez já saiba tudo
e de tanto esse tudo estudar
me esqueci que neste mundo
esse tudo é nada no ar:
a cabeça só, o sentir desnudo
talvez por isso me esteja a apagar
o saber monta a cavalo num burro
e o querer vai de burro a cavalar

mas sendo nomes que de tão diferentes
damos às faces das mesmas gentes
me dispo de novo
e de pele e osso
vou sorrindo aos novos crentes

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

se há algo por fazer
pois que se faça!
somente por prazer
não por favor
ou por pirraça
mas que se faça para ver
não o que finda
ou afasta
mas o mais que ultrapassa
o mais belo e puro prazer
poetar é denunciar
a merda que uns comem
e a outra que nos obrigam a cagar
mas pior merda que a do falar
é aquela que uns cagam do ar:
se posto é que esteja mal,
a mal ou bem vamos lá mudar!
Portugal é mar de poetas
onde não soçobra nenhum
e é com estas petas
que se engana cada um

sempre que quem triunfa
se põe mais recostado
o leitor atento do lado
ri só como quem bufa

Prémios apertados por funil
se enfiam p'lo Ânus Real
que aqueles donde vem o mal
têm em si mais de mil

os outros dormem em sarjeta
bebendo a luz com boca sedenta
com pele e pulmões de cristal
são eles quem o mundo aguenta

está mal? não está mal?
é a vida: branca e preta.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Olimpíadas da Demência II


então não é que, das profundezas das suas tumbas, só passados 25 anos se lembram que as Olimpíadas da Matemática existem? Mesmo assim não é isso o mais grave: o pior é que se esquecem das restantes Olimpíadas, e de todos aqueles que dão provas, nacionais e internacionais, do seu talento e da sua visão nos restantes domínios do saber. Quando é que começam a falar nas Olimpíadas de Física? Ou nas Olimpíadas de Química? Bem, uma coisa é certa: aquelas que são as mais importantes de todas não interessam a ninguém, isso toda a gente já o sabe, ninguém quer saber do Ambiente. Todos fazem dele o que bem lhes apetece, até mesmo ignorá-lo. E sei que se foram precisos 25 anos para que o interesse na Matemática começasse a ser despertado será preciso, pelo menos, uns 100 anos, na melhor das hipóteses, para que às Olimpíadas do Ambiente e a todos os ambientalistas do país seja dado o lugar que eles merecem.

Olimpíadas da Demência I


é com muito prazer que vejo o sr. Nuno Crato, Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática e os grandes vencedores das Olimpíadas da Matemática Nacionais, e também grandes vencedores da sua homónima versão ibero-americana, a apertar a mão ao nosso por demais grandioso orador, o Presidente da República Cavaco Silva. Não sei se Cavaco Silva sentiu um daqueles desejos súbitos por aprender matemática (que há muitos anos que ele deixou os bancos da escola) ou se quis contratar explicadores para ajudar o sr. quase-engenheiro José Sócrates (que de Sócrates só tem mesmo o nome) a acabar as Análise Matemática que deixou por fazer. Que jogada inteligente, sr. Cavaco Silva. Todos nós já sabemos que o sr. é um homem muito ocupado, e portanto mesmo que soubesse alguma matemática nunca poderia perder o seu precioso tempo com casos perdidos. Só finalistas das Olimpíadas de Matemática é que têm capacidade para resolver os problemas mais difíceis, mesmo aqueles cuja solução é impossível.

sábado, 22 de setembro de 2007

Morangos cada vez mais azedos com quilos de adoçante sintético em cima

Múmias acéfalas da TVI: quando é que percebem que não vale de nada meterem pessoas que são excelentes actores assim-assim misturados com modelos canastrões, quer dizer, com canastrões que só servem para posar nus para umas quantas playboys e playgirls? (e fique claro que alguns nem sequer para isso servem...) Isso só serve para acentuar as assimetrias, aliás por demais óbvias, entre o gato-pingado-que-não-tem-onde-cair-morto-ou-que-tem-a-mania-das-grandezas-ou-de-Hollywood-ou-lá-como-se-chama e o actor-que-até-faz-umas-coisinhas-mas-como-o-teatro-em-Portugal-não-dá-para-sobreviver-tem-que-fazer-uns-biscates-na-primeira-coisa-que-aparecer-e-que-dá-dinheiro. Não combina.

Mas o que acho mais ridículo é o facto de um dos tais gatos-pingados (pelo menos um, que tenha reparado, mas se calhar até há mais) ser um badameco que tinha até há bem pouco tempo um programa pseudo-intelectualóide na RTP2 chamado P.I.C.A. onde ele, e mais uns quantos gatos-pingados, tentavam, e vou sublinhar bem, tentavam construir alguma coisa que fosse um bocadinho melhor que os "Morangos Com Adoçante, quer dizer, Açúcar". E o que é incrível é que o tal programa era um bocadinho melhor (pequeno, mas não desprezável) que os frutos rubros de estufa (agora eles vão começar a ser mesmo de estufa, nas estações frias não há morangos naturais para ninguém). Mais incrível que isso era o facto de que eles, nesse programa magnífico, troçavam de programas como os "Morangos com Adoçante, ups, Açúcar". É caso para dizer que lhes ficava melhor não ter dito que não haviam de beber desta água, é que agora já nem passam sem ela. Porque é que será que este súbito aparecimento na TVI se deu apenas depois de um também súbito desaparecimento da RTP2? Coincidências do destino...

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Gnosiologia do processo educativo I

Base conceptual da aprendizagem

Para poder lançar as bases de um verdadeiro Plano Educativo para um país é preciso primeiro saber de que é que trata esse plano educativo. Um plano como esse tem como objectivo orientar estruturas físicas e pessoas de tal forma a que o processo de aprendizagem de um indivíduo seja o mais fácil, claro, lógico e bem adaptado ao contexto em que esse indivíduo se move. Mas estamos aqui a tentar demarcar fisicamente algo que não tem nada de físico. O processo cognitivo é um processo mental, visto que é um processo que visa a aquisição de conhecimentos (aquisição quantitativa) e a aquisição de novas formas de resolver problemas (aquisição qualitativa, ou paradigmática). A aquisição de novas formas de resolver problemas, isto é, de métodos que permitem o aumento quantitativo do nível de conhecimento acerca um determinado tema não deixa de ser, ela própria, um conhecimento que também se soma aos restantes, e portanto de índole quantitativa. Contudo, é pela sua natureza ou qualidade, claramente mais importante que a qualidade dos conhecimentos de índole quantitativa, que estes conhecimentos merecem uma designação diferente de forma a não perder de vista a sua importância e tê-la sempre presente na nossa análise. Ainda assim, e frisando novamente, o processo cognitivo é um processo mental porque visa a aquisição e compreensão de conceitos que se podem classificar como armazenados na mente, e aos quais podemos ter acesso. Não existe qualquer base física para um conceito, apenas uma base mental ou conceptual. Assim, qualquer Plano Educativo deve ter presente que a sua função é limitada, visto que ele, sendo algo que tem uma base física (organização da rede escolar, de alunos em turmas, de professores em turmas, das infraestruturas, dos materiais disponibilizados, etc.), não pode ter por uma via directa influência no processo de aprendizagem de cada indivíduo. Apenas aquilo que dele tem uma substância conceptual (isto é, os paradigmas de aprendizagem e os conteúdos leccionados) pode ter uma influência directa sobe o processo de aprendizagem porque apenas essas partes podem contactar com a estrutura psíquica dos indivíduos. Este primeiro ponto é fundamental porque traça de que forma o caminho entre o objecto e o sujeito deve ser encarado num Plano Educativo, concluindo portanto que tudo aquilo que existe de material no processo educativo não pode senão auxiliar mais ou menos um Plano Educativo de natureza conceptual que já exista, não podendo, em ocasião alguma, substituir essa sua natureza conceptual que é a fonte de toda a sua validade enquanto orientação cognitiva.

(E aqui está o erro de todo o plano tecnológico do governo de Sócrates: vendendo computadores às escolas não se está a desenvolver o intelecto dos alunos. O computador é um objecto físico, e não pode em nada aumentar o nível de conhecimentos, quer qualitativo quer quantitativo, de um aluno. Quanto muito, o computador poderá ajudar o aluno a melhor percorrer o caminho conceptual que consiste na sua aprendizagem SE E SÓ SE a este computador for juntada uma abordagem conceptual, isto é, uma pedagogia específica e bem orientada que permita ao aluno a utilização do computador no sentido de que a informação que este pode veicular possibilite uma maior e/ou melhor aprendizagem, isto é, uma maior aprendizagem de conhecimentos por intervalo de tempo do que aquilo que seria obtido caso o computador não existisse e/ou uma aprendizagem mais efectiva, ou uma maior compreensão dos conceitos que são abordados do que aquilo que seria obtido caso o computador não existisse - e como se define esta maior compreensão de um conceito? Ora, pode definir-se uma maior compreensão de um conceito de três formas: 1) quando o aluno é capaz de, autonomamente, recordar mais facilmente um conceito e explicá-lo de uma maneira mais precisa, de acordo com aquilo que aprendeu, aquilo a que se pode chamar verdadeiramente a expressão exacta da memorização; 2) quando o aluno é capaz de, autonomamente, definir esse conceito de uma forma elaborada, apresentando uma explicação que não se baseie somente numa pura definição mecanizada, mas que também é complementada por exemplos, ou seja, aplicações do conceito a outros contextos que não aquele que serviu de base para a aprendizagem desse conceito, aquilo a que se pode chamar verdadeiramente inteligência; 3) quando o aluno é capaz de, autonomamente, resolver uma maior gama de problemas associados a novas situações que envolvam raciocínios que tenham como base a compreensão desse conceito, aquilo a que se pode chamar verdadeiramente adaptação.)

querem saber o que é a adolescência?

Elephant, Gus Van Sant

A Divina Proporção

Sempre que exigem a um Poeta que diga metade do que diz, o Poeta diz o dobro daquilo que diria naturalmente, e às vezes o triplo.

Porque é que todos os Verdadeiros Poetas são maltratados na sua época?

Todo o Verdadeiro Poeta está, pelo menos, um século à frente do seu tempo. Para ele o tempo não existe, e não existe há muito tempo, mesmo antes de Einstein e das restantes teorias. O tempo em que o Verdadeiro Poeta se move é a Eternidade, porque ele simplesmente não conhece outro tempo: só o tempo das coisas que são eternas. Eternamente buscando a perfeição das coisas, como Cesário, eternamente escutando a música das esferas celestes de Pitágoras, eternamente e em espiral, voando por sobre terra e mar, sempre com o mesmo olhar de Reis, falando como um Campos para quem passa, sentindo como um Caeiro por onde flutua. Os Grandes não morrem, evaporam-se porque não passaram de sombras neste mundo, e o mundo não os entende porque vive agarrado à terra, rebolando-se na lama, comendo os seus próprios excrementos e lançando as sobras para os olhos daqueles que espezinha. Os Grandes estão sempre certos porque no dizer de Wilde tudo o que é popular está errado, e tudo o que é popular é efémero, porque não passa de excrementos atirados de um lado para o outro. Terão que passar muitos e muitos séculos ainda para que os Verdadeiramente Grandes Do Nosso Tempo possam ser condignamente reconhecidos, quando as ficções sociais estiverem mais mitigadas pelo peso do Verdadeiro Intelecto, quando a Ciência for descredibilizada e a Arte for menosprezada, e tudo apenas com o intuito de engrandecer ambas. Mas esse tédio pessoano, essa excentricidade de Capote, esse sofrimento de Florbela, todos eles são o coroar da Verdadeira Glória do Verdadeiro Poeta: todos eles são os seus troféus que os Deuses lhe dão para que mais depressa ele ascenda ao Céu, todos eles são os bilhetes que ele ganha para passar despercebido pelo mundo e para poder ser verdadeiramente, são o seu triunfo e a sua derrota mundana, e são a prova de que ele conseguiu viver tudo e tudo suportar sem que nada lhe fizesse mossa, e espalhando as sementes que só nos séculos dos séculos que hão-de vir conseguirão florescer e elevar-se como ele. E se a Sorte e a Fortuna realmente lhe sorrirem então ele verá um ou dois dos seus rebentos a afastar timidamente o solo que se revolve e a procurar a Luz que vem do Alto para se encherem da Verdadeira Beleza. Muitos não chegam a ter esta sorte, mas quem o tem nunca esquece. São esses os que morrem em Verdadeira Paz com a Terra e com o Céu.
todos os verdadeiros poetas estão votados ao esquecimento até que um dia, passados muitos séculos após a sua morte, alguém os desenterre, os lance à luz das esferas celestes, em tinta de impressão ou código binário, e ganhe rios de dinheiro com isso.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

a maioria dos portugueses ainda dorme com um Salazar na mesa de cabeceira, e a prova disso é que, ao acordar, a maioria dos portugueses só tem uma de duas coisas na cabeça: ou sal, ou azar.

o que faz falta a Portugal

o que faz falta a Portugal é um Luiz Pacheco para mandar à merda as cegadas que nos fazem todos os dias.



PROPOSTA DO DIA:

Liberte o Luiz Pacheco que há dentro de si!
encantam-me as notícias subjectivas, cuidadosamente filtradas pelo crivo da consciência. Quem é que conhece uma notícia verdadeiramente objectiva?

os jornalistas esquecem-se que num debate só há uma pessoa que coordena a discussão. Assim, todas as perguntas e questões abordadas, a ênfase dada, o modo como é conduzida a discussão, todas elas, e isto se nenhum dos intervenientes tiver a força necessária para se sobrepôr ao moderador, dependem exclusivamente de quem dirige. Como aliás o governo. Portanto, qualquer discussão encontra-se já à partida condicionada por aquilo que é realçado pelo moderador (que dá mais importância do que aquela que determinadas questões têm face ao contexto observado) e também por aquilo que é menosprezado pelo moderador (que dá menos importância do que aquela que determinadas questões têm face ao contexto observado). A isenção jornalística é mais uma das mentiras do mundo, e quando as pessoas perceberem isso vão perceber o que está de errado com o caso Maddie e com todos os casos Maddie que por aí andam.

cai e passa

diz-me a água
que vai e que passa
que queres tu que faça
se não fica e se só passa?

terça-feira, 18 de setembro de 2007

temos tanto a aprender com o cientificismo...

são estudos do género que dão bom nome à ciência:

Estudos estatísticos demonstram que quem tem o seu frigorífico voltado para a janela da cozinha coça os tomates com a mão esquerda.

não sei mesmo o que será pior: serão as conclusões completamente inverosímeis e não-científicas ou as pessoas que têm a ideia de se darem a um trabalho destes?

a mais bela poesia

a mais bela poesia é aquela que de tanto tocar a realidade não se pode separar dela.

Mais uma vez, sra. ministra

Mais uma vez a ministra da educação, pessoa que possui um título que só se pode classificar como inverosímil, deu provas da sua intransigência, capacidade birrenta para falar muito e não dizer nada e coragem para manter a fachada que é o desgoverno do Ensino em Portugal no último programa Prós e Contras. Está, mais uma vez, de parabéns, senhora ministra. Por este andar poderá um dia candidatar-se à presidência dos Estados Unidos.

Uma sugestão: a senhora ministra exercia funções muito mais elevadas e de interesse nacional se aplicasse toda essa prepotência a dar palmatoadas e reguadas nas nádegas luzidias do nosso 1º ministro por ele não ter concluído o curso de Engenharia. Já agora chamava também o senhor ministro Mariano Gago, coitado do homem, já deve ter perdido a voz de vez, é que nunca mais o ouvi falar, nem sequer gaguejando, e iam todos para um valente ménage a trois. Isso sim era de valor. 20 valores!

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

and yet they live




















a razão por que os verdadeiramente Grandes morrem quando novos é simples: apenas a Terra não os consegue suportar e por isso eles depressa voam para o Céu.
a diferença entre o nacional-socialismo de Hitler e o socialismo de hoje é que hoje até já se perdeu o gosto pela história, pela cultura e pela identidade pessoal, individual e nacional - e ficou-se só com o socialismo amorfo e sem vida.

Conselhos Práticos para acabar com a merda na vida das pessoas:

Propõe-se:

1. A Contrapublicidade:
Em vez de dizer aquilo que devemos escolher, diz-nos para escolhermos aquilo que queremos realmente.

2. A Contra-informação:
Divulgar notícias absurdas, completamente impossíveis e descabidas para menosprezar o poder dos jornais e telejornais e para manchar essa credibilidade (que na verdade não existe), escrever apenas artigos de opinião para destronar a pretensa objectividade jornalística (e que fique claro que não existe tal coisa), etc.

3. O Contra-capitalismo:
em vez de submeter as pessoas a comprarem isto ou aquilo, dar livremente, de forma a grátis e abundante, coisas que as pessoas precisem realmente, panfletos enigmáticos, etc.

4. Contra-socialismo:
Estimular a memória subjectiva, individual e pessoal de cada um, fazer árvores genealógicas, fazer aquilo que se gosta, proporcionar actividades onde as pessoas podem explorar e desenvolver as suas impressões subjectivas, etc.


e todas as demais ideias que entretanto e entre tantos surgirem são bem-vindas!

O que fazer para acabar com a merda que há na vida das pessoas?

Usar as armas que usam contra nós para matar aquilo que nos quer calar: usar desses relaxados meios de comunicação para semear a confusão, as modas para as ridicularizar, usar a publicidade para mostrar o podre, para desencantar, usar a imprensa escrita e falada para mostrar a desinformação generalizada, esbofetear livros com panfletos, gritar em plenos pulmões, semear a desordem nas Ordens Institucionalizadas, fazer-se de parvo para reduzir o inimigo à sua insignificância, contar com a inteligência de poucos para fazer o trabalho de muitos.

Geração "Morangos Com Açúcar" ou "Pãezinhos Sem Sal"


Hoje em dia ter 18 anos não significa nada. No século passado alguém com 18 anos era bem desenvolvido, tanto física como psicologicamente, e hoje já não há nada disso. O problema mais grave está naquilo que as pessoas fazem com os meios de comunicação, sobretudo numa era em que eles estão massificados. A emissão de séries juvenis, que de juvenis só têm o nome, veio trazer uma visão deturpada, e pior que isso veio incuti-la, nas mentes dos jovens adolescentes portugueses. A presença de modelos estereotipados e situações preconceituosas só pode ter como desfecho o atraso no desenvolvimento mental dos adolescentes que para aí há. As provas abundam por todas as escolas do país, e começam agora a chegar às suas universidades. E como o físico anda de mão dada com o psíquico, já desde Freud sabemos o que são doenças psicossomáticas, e que a mente pode influenciar, e influencia de facto o corpo, então não podemos deixar em branco a análise sem nos debruçarmos sobre o físico. As pessoas nunca passaram tanto tempo fechadas em casa, seja com a televisão, os computadores, ou outros meios de comunicação, mas sobretudo aqueles dois. A actividade física nunca esteve em tão baixa estima, nunca o sedentarismo foi levado tão ao extremo, e a alimentação mediatizada, capitalizada, e cuidadosamente corrompida por grandes superfícies monopolizadoras da gordura mundial. A despersonalização da crença globalista, uma autêntica atitude medieva, trouxe uma descrença no individual e um culto obsessivo ao colectivo, à pop art, ao socialismo na política, à difusão indiscriminada de informação, e que fique de uma vez por todas claro que a lassidão informativa que temos não é menos que patológica, todos esses factores de apagamento individual e nacionalista, vieram dar lugar à estandardização americana, ao colonialismo europeu, uma vaga de loucura crescente. Assim, a cozinha tradicional foi remetida para um buraco, prefere-se o que é estrangeiro, sobretudo quando mau e péssimo, e vai-se lamentando o nosso triste estado, aquela para onde caminhamos e para onde caminhamos de boa vontade, cegos de nós e de tudo o que nos rodeia. E para além da comida ser má, e os corpos cada vez mais obesos, esse sedentarismo inútil transforma-se na apatia generalizada, nem se faz exercício físico como dantes, não se joga sequer à bola, talvez essa ainda subsista, mas já não com aquela força salutar de outrora, agora já nem os pais têm tempo para os filhos e têm que os largar na escola mais próxima para os professores que não há os possam educar a tempo inteiro. E por isso o corpo, como a mente, e é bom notar que já nem em alma se fala, só mente, esse corpo, que antes era adulto aos 18 anos, agora não passa de uma estrutura de um qualquer miúdo de 14 anos. O mental expressa-se no físico incipiente, o físico indica um mental pouco equilibrado, pouco robusto e extremamente dependente de todas as influências externas, vitaminas e sais minerais tomados em cápsulas cor-de-laranja com pintas roxas. O mundo vai de pernas para o ar e toda a gente se comporta como se estivesse tudo bem, uns comem morangos com açúcar, e de tanto o fazer acabam nos pãezinhos sem sal, nem sequer esse pão já é apreciado, já ninguém sabe o que é o pão, o pão verdadeiro acabado de sair do forno, é a negação da história, da cultura, a morte da vida, a asfixia de toda a vitalidade, a apatia da multidão. Caminhamos para um buraco sem fundo que de tão frio e tão escuro cada vez mais se afunda em lodo profundo.

quando morrer

quando morrer quero ser cremado, as cinzas espalhadas ao vento, ou então quero que enterrem o meu corpo, sem caixão, na terra húmida e mole, num sítio que ninguém conheça. De uma maneira ou de outra não poderão meter-me depois num sítio que não queira.

sábado, 15 de setembro de 2007

o brilho

o brilho está fora de ti, mas o brilho também está dentro de ti, e o brilho que brilha mais é quando o que está dentro de ti é igual ao que está fora de ti

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

a culpa não não é do vento

a culpa não não é do vento
se o caldo azedar
a culpa não não é do ar
se o caldo se queimar

a culpa é do momento
em que me disponho a dar

a culpa é da vontade
que vive dentro de mim
e só morre com a idade
dos que não sabem sorrir

a culpa é da vontade...

...vão p'ra puta que vos parir!


cuidadosamente parafraseado de Mestre Variações

terça-feira, 11 de setembro de 2007

é preciso voltar a ver as caras das pessoas, é preciso voltar a saber ver as caras das pessoas. É preciso voltar a interpretar o subjectivo de maneira subjectiva. Não é possível quantificar emoção nenhuma com uma expressão matemática, é preciso interpretar, intuir, não fazer uso da razão ou de qualquer instrumento científico. As pessoas andam esquecidas de ver, e por isso é que Alberto Caeiro é tão importante não só como Mestre mas sobretudo como Mestre do Nosso Tempo.

onde é que está a crítica?

o que é preciso para se saber criticar não é ter-se lido muito ou visto muita coisa. O que é absolutamente necessário é ter a visão interior, the inner eye. Essa é a substância de sensibilidade que existe em cada um de nós e que faz com que, ao captar um qualquer estímulo do meio exterior por algum dos nossos sentidos interiores, o consigamos lapidar de tal forma que a nossa marca pessoal e individual está presente indelével e inequivocamente nesse objecto que é então por nós transformado. E essa transformação verdadeiramente alquímica só é levada a cabo se, de facto, o objecto transformado não pode, em contexto algum, ser separado da pessoa, dessa função matemática infinitamente complexa e não verbalizável, se o objecto passa a existir não só no seu plano finito, puramente físico ou material, mas se a ele tem o cuidado de impregnar a sua face material com uma plenitude de múltiplas dimensões, infinitamente ampliadas como num caleidoscópio e de tal forma que a finitude desse objecto físico é transcendida, ou ultrapassada, até chegar ao plano surreal da imaginação criadora. Aí, o objecto sacrifica na sua mensagem qualquer resquício de contenção e passa a ser apenas uma ideia, um conceito puro, um plano unicamente mental de significados, metáforas e imagens. E quando esse objecto morre para que do singular possa vivificar-se do Um ao Todo, então aí até o seu mais pequeno átomo de consciência reverbera todo o Logos que faz dele o próprio universal.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Momento "E porque não?" ou "A Bibliomancia Do Momento"


- Está escuro, vamos ligar o gerador.

na Terra Sonâmbula, por Mia Couto, página 161, 5ª frase completa, saída da boca de uma das suas personagens. A pedido de várias famílias, entre elas o nosso excelso colaborador Cataclismo Cerebral. E fiquem desde já sabendo que a asserção está correcta em todos os planos da existência: no plano físico, no plano psicológico e no plano espiritual.

No plano físico:
Palavra de honra que antes de ver aquela mensagem faltou aqui a luz. É verdade. Ainda tentei mexer no gerador (a mensagem vem afectada do inevitável jet-lag), mas não dava. Se calhar era por causa da tempestade que aí veio e desatou a rachar o céu aos bocados. Bem, a verdade é que os deuses andam furiosos, mas depois sempre nos choveram em cima. Se calhar, lá no fundo, ainda gostam de nós.

No plano psicológico:
As psiques andam muito negras por Portugal, veja-se o caso Maddie que, como bem nota outro dos nossos excelsos colaboradores, Privilégios de Sísifo, cobriu com mais um véu de generalized mad-ness o povo português. É o que dá ter alma de sofredores, sofre-se por toda a gente, mesmo por aqueles que não merecem... Um verdadeiro acto de masoquismo psicológico. Olhem, vai-se a ver e é por isso que os deuses andam zangados, querem que se faça justiça.

No plano espiritual:
É aquilo que toda a gente precisa, sobretudo os portugueses, e em especial a nação. Os geradores já não geram (a população até anda a diminuir a olhos vistos, e tanto é assim que andam para aí a inaugurar cercas para os rebanhos, quer dizer, creches socialistas, para os pais terem onde despejar os filhos que já não conhecem e que nem querem conhecer - e mesmo que quisessem não tinham tempo para isso. Não me admirava se começassem também a fazer aquelas experiências de condicionamento pavloviano aos bebés), os geradores andam empenados, e empenado é a palavra, porque têm tantas penas e tantos sofrimentos que não sabem sair do buraco que continuamente escavam. Este nosso Mia Couto nunca nos desaponta, é verdade. E, claro, não nos podemos esquecer que tudo está cada vez mais escuro, agora nem o nevoeiro do Pessoa nos safa, é que está mesmo escuro, e de tal forma que já nem a bruma se consegue ver. Às vezes, lá muito de quando em quando, é que se vê um velho mais assisado com uma candeia na mão. Candeia de azeite, é claro, porque para já é tão pobre que não chega a ter gerador, e depois porque tudo está tão atrasado neste país que inda nem podemos sonhar com instalações eléctricas. É tudo uma questão de Física, ou de falta dela, ou do Físico, ou de falta dele, que faz desta uma verdadeira Terra dos Sonâmbulos. A Terra também é sonâmbula, mas quando a Terra é roubada por Sonâmbulos, aí temos pesadelos que puxam o tapete debaixo dos pés dos sonhos. O que vale é que eles não têm pés, só asas, e portanto escapam-se para outro Reino mais amistoso. Vamos lá a não deixar escapar os sonhos desta terra, meus senhores!

Can You Read My Mind?

The Killers

Moro numa casa com vários andares
Nasci de algures sem pai nem mãe
Para abrir portas faltam-me as chaves
E quando abro uma vêem-se mais cem

A casa onde vivo foi-me ela alugada
Por um Senhorio de quem me não lembro
Se abro cortina para olhar a estrada
Vejo só noite escura que m'entra dentro

Corro como louco sem ver viv'alma
Quanto mais subo mais me mete medo
A luz vai andando, a custo, pela entrada
E sinto por vezes um frio e mudo vento

Não vejo a hora de chegar lá acima
E algo me puxa com uma força imensa
Que é de minha fome, sede de sina
Ver morte em vida e fazer-lhe a diferença

Chaves escondem cada uma seu quarto
E cada uma delas me surge sem aviso
A dor na fechadura é como grande parto
Arranca as entranhas sem dar eu por isso

Se vou para cima toda a casa se me cresce
Se vou para baixo mais encontro o que é meu
Ao pé da entrada está o que sempre floresce
Ao dobrar aquela esquina não passo senão eu
Se ser-se ignorante
É a única sabedoria no mundo
Então seja-se.
Se a sabedoria e a ignorância são a mesma coisa
Porque ser sábio é saber que não se sabe tudo
E ser ignorante é saber que ainda há muito para saber
Então que se faça silêncio
Para que as palavras não empobreçam o nosso juízo
Olhe-se esta cor, veja-se aquele monte
A borboleta que voa e não pensa
Deite-se ao comprido na erva fresca
E olhe-se para o céu.
(ou então que se adormeça.)
Se há algo que me escapa,
Então que escape
Se há algo que não seja,
Então que o não seja
Se a vida é mais que isto tudo
E eu não o sei
Então que não saiba
Enquanto uma vaga vai
E a outra vaga vem
Sou fiel ao que sou
E permaneço na ignorância.
Vejo a vida a passar por mim,
Desfilando por entre os meus olhos
E eu olhando, apenas
Olhando, e olhando demoradamente
Como quem não sabe o que é o tempo
Como quem não tem medo do que esquece
Porque sabe que lembrar ou esquecer,
Tudo segue para o mesmo sítio
O final do tempo, o recolher da hora
É a hora de outro começo
Na outra ponta do mundo
Entre uma e outra adormeço
E mergulho nela por um sono profundo
Em que já não sei se sei, em que já não sei se esqueço
Apenas mergulho o meu corpo no mundo
E adormeço.
Nunca me senti bem onde quer que fosse.
Nunca me senti par neste mundo de ímpares.
Talvez eu me sinta ímpar porque sou realmente ímpar,
E talvez os outros sejam pares porque são realmente pares,
Ou então o mundo é feito de pares e eu estou desirmanado,
Ou então o mundo é feito de ímpares que andam aos pares para se sentirem menos sozinhos.
Não sei.
Nada me sente, e tudo se esquece.
Pensei que mesmo para um ímpar fosse possível ser-se alguma coisa.
Mas afinal são os ímpares que não têm par neste mundo.

Para onde quer que vá, e onde quer que seja
Nunca sou eu, mas algo que nunca sobeja
Procuro encher um poço sem fundo que sempre se escoa
Procuro encontrar a vasilha que me dê de beber a água desse poço,
Mas o poço nunca se enche, e a vasilha tem falhas
E metade da água se vai para parte nenhuma
E da metade que resta a mistura de sabores é tanta
Que não consigo dizer a que sabe a água
«Se é água, sabe a água», dizem-me de longe
Mas sempre me pareceu que a água sabia a algo mais,
Algo mais que nunca arranjei palavra para pronunciá-lo
Se é que palavra existe para dizer o que se sente.

A vida é demasiado dura para o pobre camponês
Não por ser pobre, mas por ter que levar com o sol em cheio na cara
E arar a terra como quem faz adeus ao futuro sem pensar nele
A dízima que se paga é branda,
(Se não se pagasse por ela, outra coisa nos faria pagá-la)
Mas o que custa é cravar a terra
Quando ela não quer ser mexida nem tocada
Apenas deixada estar ao seu destino, como outra coisa qualquer.

Há qualquer coisa que debaixo do firmamento me escapa
Ou por cima dele, já não sei
Não há ajuda de boi nem de vaca, só longo o céu
Que demora a passar - e quando passa
Arranca de nós qualquer coisa, como se na dor ao tirar
Ficasse só um vazio que nos monta
Para em seguida nos largar.

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Daquilo que provei ficou-me o sabor amargo da sua ausência
E a pesar de ter procurado por essa essência
Nada vi mais daquilo que fiquei.

O mundo lá fora é como um filme de cinema mudo
Em que as imagens se sucedem sempre e sem som algum.
Por mais que tente ver o que muda quando muda
A diferença entre um e outro é a mesma que entre um e nenhum.
No espaço que não existe, entre os seres que se movem
O que há em mim assiste como se não fizesse parte da história
Porque o seu lugar é do outro lado, a ver que filme fala
O seu longo bocado e pára. Sempre sem achar vitória.
Talvez seja por isso que não me encaixo
Porque não tenho forma feita
O que sou está inacabado
Por entre tudo o que espreita
Olho para cima, para baixo e para o lado
Não consigo ver aquele que me observa
Por entre o muro que ladeia o estrado
Há qualquer cabina, flanco de fotograma,
Há qualquer luz vermelha que me chama
Mas que distorce as cores caídas no oleado
E todas me ardem com intensa flama.

Queria eu passar por detrás do ecrã
Mas lá fora não há nada, há apenas um projector apagado
Um fumo, uma ponta de cigarro
Nem sombra de uma antemanhã.
Será que viver é andar acossado?
Se o é, mesmo a esperança se torna vã.

domingo, 9 de setembro de 2007

Só acredito no que vejo.

Só acredito no que vejo. Chamam-lhe os outros mentiras? Se não o vêem, então é porque para eles não existe. E depois? Se o vejo como a qualquer outra coisa é porque, pelo menos para mim, isso existe. Se os outros o não vêem que querem que lhes faça? - não há nada que lhes possa fazer. Cada um vê aquilo que é capaz de ver. E se isso realmente existe, e são eles que o não vêem? Então que abram os olhos!
o troféu que ofereço à humanidade todos os dias é o troféu do desconhecimento:
é o poderem ver-me e apenas me olharem,
é o poderem sentir-me e apenas me usarem,
é o poderem estar comigo e apenas estarem a meu lado,
é o poderem respeitar-me e apenas me espezinharem,
é o poderem ter de mim tudo e apenas não quererem nada,
é o poderem ser-me verdadeiros e apenas me mentirem,
é o poderem dar valor a quem o tem e apenas cuspirem para o lado,
é o poderem subir um degrau e quererem descer dois, e ainda arrastar os outros consigo.
pois muito bem.
é isso que quereis, é isso que tendes.
e quando num dia sem noite e numa noite sem dia
o fogo da brevidade vos consumir lentamente e de uma vez só
aí vereis o que semeastes
comereis o pão que vós próprios amassastes
e havereis de vomitar o seu sabor amargo de cinza
e o travo da morte não vos deixará a boca
não o digo com convicção ou sem ela, apenas vejo
e sinto
o inferno que escolhestes foi aquilo em que vos tornastes.

sábado, 8 de setembro de 2007

would you breathe me?



from Sia, breathe me
a única realidade nesta vida em que nada é real é que os outros vão morrer, e nós vamos morrer, aquilo que ganhámos vamos perder, aquilo que conquistámos vai-se partir em mil pedaços, as amizades que laçámos vamos desenlaçar, vamos engolir o mundo ou então ele vai engolir-nos a nós, e no fim não restará nada, nem sequer o pó e as cinzas de que somos feitos, e nós vamos sorrir, ignorantes, como se não passasse tudo de um sonho e nunca tivéssemos feito mais do que tentar trepar um muro que é demasiado alto, tentado alcançar o céu que é imenso, tentar sentir um sentimento que nos atropela, tentado ser aquilo que quiséramos e que ao qual nunca chegáramos a tocar, porventura só nos sonhos dos sonhos dos sonhos passados.
a razão por que nascemos ignorantes e ignorantes somos lançados nesta vida é porque, caso soubéssemos realmente o que ela é, bem depressa e com vigor nos matávamos de um só fôlego.

Contemplo o lago mudo

Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Fernando Pessoa

A Herança de Sócrates

Não se trata do filósofo mais famoso de todos os tempos, não senhor. Trata-se do legado desse magnífico autor do Tratado Do Choque Tecnológico. É que tal personagem é hoje tão importante e tão excelsa que já entrou para os Anais da História. Mas estes Anais não têm nada que ver com as saídas do Tal Senhor. Têm muito mais a ver com as suas entradas. E tão belas são as suas ideias (ou aquelas que apresenta como suas) que não só lhe deram entrada em Anais da História como também em Anais da Língua. É isso mesmo. Já dizia o outro que um homem é verdadeiramente grande quando se lhe fazem, em sua honra, adjectivos a partir de seu nome. E, de agora em diante, e para todo o sempre, os seguidores de José Sócrates hão-de ser conhecidos pelo nome de socretinos.

Queremos agradecer a ilustre sugestão linguística tão cuidadosa e apuradamente lapidada por um dos nossos colaboradores, WeHaveKaosInTheGarden

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

tendências bloguísticas

costuma-se dizer, por vezes, que a maior parte dos portugueses é estúpida ou tem tendências masoquistas de obediência salazarenta. não me cabe a mim desmentir aquilo que por vezes sai da boca das outras pessoas, e ainda para mais quando é verdade. mas também é verdade que o português é dos seres mais insatisfeitos que já encontrei. a prova disso é que está sempre a falar mal de tudo e de todos: das costas, das cruzes, da sua má sorte, da má sorte dos outros, do governo, dos vizinhos, de quem não conhece e até, por vezes, de si próprio. agora, não deixa de ser curioso que, não obstante a falta de acção portuguesa, o universo bloguístico seja tão interessante. É realmente interessante, de facto. e isso só vem comprovar o fado português: falam muito mais do que fazem realmente. mas quando falam até dizem coisas acertadas. isto se não forem zarolhos.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Conselho Universal a Todos os Filósofos

ou também conhecido como Conselho ao Universo dos Concelhos Todos-Filósofos

Ser filósofo é a pior coisa que há. Primeiro, não dá dinheiro nenhum, e portanto não se pode fazer nada. Depois, não está na moda, o que é ainda pior, porque se não nos virem na rua ainda nos passam por cima ou nos escarram em cima. Está claro que o filósofo apanha sempre com alguma coisa em cima, mesmo se essa coisa for a Coisa-Nenhuma. Os cães vadios andam sempre a rondá-los, porque não há abutres na cidade. Se se vive no campo é capaz de se apanhar um lacrau, ou dois, se se estiver com sorte. O céu também não é condescendente. Sempre que lhe dá vontade, mija-nos em cima, e às vezes peida. E a violência de tal flatulência chega a ser tão imensa que produz enormes quantidades de electricidade estática (está claro, a fricção que faz uma nádega a roçar-se noutra). O Chico-Esperto aproveita logo estas ocasiões troantes para sacar a sua garrafa de Leyden e ir vender choques para a Feira da Ladra. Claro que se vende que nem ginjas, o passatempo preferido do povo que vai à Feira, para além do latidos, é claro, é dar choques pelo umbigo ou então destilar veneno das suas mandíbulas. Mas o filósofo lá permanece, conforme pode, que a vida está cara. Às vezes encontra alguns Filósofos Reais, mais deveriam chamar-se Filósofos Duplamente Reais, visto que só acreditam nos sentidos ofuscados que possuem - são sempre ou cegos ou surdos ou mudos - e só falam com Reis e Rainhas, nem sequer chegam perto de Príncipes ou Princesas. Bem, talvez de algumas Princesas, de vez em quando (e, pensando bem, de Príncipes também). Pois aqui eu vos digo: procedam da seguinte maneira e nunca mais vos escarram em cima: se tiverem amor à vida, matem-se, a vocês, não a ela, se lhe tiverem asco, à vida, não ao amor, roubem a ideia ao Boris Vian e construam um arranca-corações. Depois ponham-se a vendê-lo. Todos os Filósofos Duplamente Reais querem ter um (e muitos já o têm mesmo antes de darem conta que compraram um segundo), e melhor ainda se ele servir de catapulta para lançar os corações para dentro das bocas uns dos outros. Na verdade este Desporto Nacional, ou Desporto De Interesse Nacional, como lhe chamam, é o preferido de toda a gente, e por isso é que eles andam sempre ou cegos ou surdos ou mudos (umas vezes os corações acertam no olho, outras no ouvido, outras na boca, e há mesmo aqueles que acertam no olho do cu). Mas atenção: passada a época da venda é retirar-se para outra freguesia: é que não tarda nada começa a espirrar sangue por todo o lado, os corações apodrecem ou os Filósofos espetam-lhe um dedo para ver se ainda estão vivos e eles, os corações, indignados com a possibilidade de serem considerados umas inutilidades ou orgulhosos com as carícias filosóficas (que mais se assemelham a uma tempestade de dardos com ponta de dente de crocodilo) começam a inchar e a inchar até se desfazerem numa orgia sanguínea. Convém nessa altura ter sempre um bote, não uma Arca, porque, na verdade, nem há quem se salve nem há ninguém para salvar, e assim navega-se mais à vontade até chegar ao próximo porto onde nos recebem de braços abertos e de pernas fechadas, ou de pernas abertas e braços fechados.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

não há nada pior no mundo que um filósofo de alcova

vejamos o que se quer dizer com filósofo de alcova:

1 - Um filósofo que viva numa alcova;
2 - Um filósofo que durma em cama de dossel;
3 - Um filósofo que viva no interior de um castelo do século XII;
4 - Um filósofo que só escreva tratados filosóficos em cima da sua cama de dossel;
5 - Um filósofo que tenha criados para lhe lavarem os pés;
6 - Um filósofo que goste mais de Sintaxe que de Semântica;
7 - Um filósofo que goste mais de Semântica que de Pragmática;
8 - etc.
As aspas são a defesa dos fracos contra a realidade da sua imaginação.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Já não sou o primeiro

Porque é que existe a tendência hiperbolizante para se ser o primeiro em tudo? O primeiro a descobrir algo? E nós sabemos se não houve nalguma outra parte do mundo alguém que não tinha descoberto isso primeiro? E quem nos garante que fomos nós que formulámos a ideia ou que foi a ideia que nos formulou a nós? Conseguimos nós ter ideias, fabricar ideias, ou somos apenas antenas colectoras de ideias?
são tão belos, esses programas de televisão sobre adolescentes... neles tudo é claro, quem é bom e quem é mau, quem está na moda e quem o não está, o que é e o que não é...
o verdadeiro Artista surge quando a verborreia parte os muros da obediência.

E se a memória fosse apenas luz?

E se a memória fosse apenas luz? De acordo com Einstein, para viajar no tempo seria necessário que nos movêssemos a uma velocidade superior à velocidade da luz, o que levaria a que víssemos as várias formas da luz a abrandarem; de acordo com este raciocínio, bastaria que nos movêssemos a uma velocidade muito mais baixa que a da luz para podermos ver o futuro, e de facto é o que acontece, e tanto assim o é que podemos dizer que vivemos não no presente, mas já no futuro. Contudo, como é que a memória, essa coisa de que podemos ter sensação, pode ser explicada? Viver uma memória, uma recordação, seja ela qual for, é voltar atrás no tempo. Assim sendo, teremos que concluir que, a partir dos postulados de Einstein, viver uma memória é viajar para além da velocidade da luz - mas, dessa forma, teremos que nos perguntar acerca daquilo que pode viajar a uma velocidade assim tão grande. Antes de mais terá de ser uma parte de nós, visto sermos nós os autores dessa recordação. Mas, se de facto o somos, que parte de nós poderia ser? Bem, e segundo o que nos diz a ciência, das duas uma: ou teria que ser a parte de nós que é matéria, ou então teria que ser a parte de nós que é energia. Se quem viajasse fosse a matéria, então como poderíamos não senti-la, se essa velocidade é tão grande? Se a parte da matéria que viaja é o cérebro inteiro, decerto sentiríamos alguma coisa, a menos que viajar a essa velocidade enorme fosse tão inconcebível para os nossos sentidos que nenhum deles poderia ter sensação que dissesse válida ou verdadeira. Poderá ainda ser uma parte da matéria que nos constitui tão pequena, mas tão pequena na sua própria composição, uma molécula, ou uns poucos átomos ou iões, que nós não poderíamos dar por nada, agora já não pelo grande volume e pela grande massa, mas pelo minúsculo volume em tão irrisória massa, quase que diríamos imponderável. Nesse caso a matéria, que ocupa tempo e espaço, teria que ocupá-los aqui também, o tempo deixemo-lo de parte, já que ela livremente o atravessa, conforme quer, mas o espaço, vejamos esse espaço que seria ele, só se poderia considerar um grande, grande espaço, caso contrário como conseguiria essa matéria percorrer a três mil milhões de metros por segundo, segundo cálculos aproximados, se não tivesse um grande campo, um vasto e amplo campo para poder fluir e refluir à sua vontade, teria mesmo que ser uma auto-estrada neuronal, feita de ramificações dendríticas, mas para conseguir atingir tal velocidade como poderia ela fazê-lo, se essa selva de dentrites e axónios se contorce e se revolve, a todo o instante, crescendo e decrescendo, conforme a sua natureza lipídica, como, sim, como poderia ela acelerar tanto de forma positiva para ganhar balanço, e de forma negativa, para travar numa curva? Talvez seja por isso que os neurónios sempre se vão esticando, encolhendo aqui para formar ali, melhorando as auto-estradas, as vias romanas do conhecimento, sempre num bailado de tanto e entretantos, para que possa surgir a pista quando é precisa, e esse ião ou átomo ou molécula possa descolar até não mais ser visto ou vista. Mas não sei se tanto esse cálculo me conforma, vejamos antes se poderia ser energia. Se fosse energia que seria ela? Energia é coisa que ninguém sabe o que seja, anda por aqui, vai por ali, transforma-se em calor e em ruído, sempre vária e sempre una, como o espírito, quem sabe se é ela ele próprio, se ele próprio ela é, quem sabe, quem sabe, talvez um dia nos diga. Mas se for energia que pode tudo atravessar sem se preocupar com muros de pedra ou palavra ou cal ou tinta, se for algo que pode atravessar como um fantasma as fundações da matéria que a funda, e as fundações da energia de onde discorre, se for assim já poderia ser mais à larga, mais à-vontade, podia ir e vir quando lhe apetecia, e até sair para o espaço lá fora, navegando pelo tempo, embora não saibamos como um e como o outro lhe passam, se calhar nem lhe existem. Mas outra variável vem complicar-nos a equação, é que muitas vezes é recordação aquilo que o não é, e julgamos que aconteceu aquilo que foi só sonhado, pensado ou sentido, que é como quem diz que foi aquilo que queríamos que acontecesse, e não o que aconteceu realmente, mas disso não podemos ter certeza, e por tanto isso como aquilo teremos então que dizer ainda que é preciso considerar sempre mais todas as restantes matérias, e todas as restantes energias, e como umas e outras se vão influenciando, de tal modo que a curva ali pode ser modificada por uma, à medida que a outra se vai diminuindo, e a matéria bem que se pode transformar em energia, ou vice-versa, e aí é que estava explicado o grande mistério, de onde vem toda essa potência para calcorrear o tempo ou o espaço de maneira indefinida sem gastar um tostão ou sem dar explicação a ninguém. Seja como for, continuamos nós a viajar, seja no espaço ou no tempo, na matéria ou na energia, no corpo ou na alma, ou até pelo espírito, quem sabe, se o dois não é três e se do três não se fez dois por omissão ou falta de inteligência, por esquecimento ou incompreensão, teríamos que ir aos registos escritos ver talvez de onde vinha a razão, se é que ela viesse, não fosse andar por aí perdida, aqui e acolá, entre as sementes do ontem que são as raízes do agora.

Matar a Morte antes que ela nos mate a nós

Na verdade não é a morte que mata mais, é o medo da morte que nos mata - e convém dizer que não fazemos a mínima ideia do que é realmente a morte. O que apenas sabemos é a maneira como se tratam e, enfim, como tratamos nos tempos que correm os mais velhos. De acordo com preceitos capitalistas, se não dão rendimento então não prestam. E talvez seja mais por isso que por outra coisa que há tanto medo - da velhice, da morte, de deixar de ter consciência no que quer que seja. Mas é claro que isso não é nada assim. A morte só nos vence se nós deixarmos que ela nos vença. Ou, melhor dizendo, o medo. Se o nosso espírito (seja lá o que isso for) for sempre jovem, não há medo ou morte que resistam. Agostinho da Silva não morreu gagá. Nem Mário Cesariny. E nem Baptista Bastos se mostra assim, nem sequer o Luiz Pacheco, mesmo estando internado numa horrível casa de velhos. A velhice, a juventude, são tudo coisas inventadas pela cabeça que pensa. A verdade, essa, é sempre outra.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Uma Síndrome Chamada Princesa Diana

A Princesa Diana não é hoje uma pessoa, é antes uma síndrome. A síndrome mais moderna e mais actual que existe, e esta nem sequer o Andy Warhol pôde prever. É cuidadosamente enraizada desde tenra idade no coração e na cabeça de todas as meninas de bons costumes, as Princesas. E existe também na cabeça e no coração de tantos homens, os Príncipes Encantados. Hoje apenas elas usam mini-saia e rapam os pêlos das pernas, metem silicone em tudo o que parecer pouco cheio e aspiram aquilo que estiver mais flácido. Apenas hoje eles arranjam as unhas e o cabelo, deixam crescer a barriguinha de cerveja e vão ao solário, até já branqueiam os dentes e tudo, numa perfeição clinicamente anestesiada. São os novos andróides do futuro.

O Teatro é a Fonte de toda a verdadeira Representação

Não pode ser caracterizada como menos que gritante a diferença entre os monos que hoje se fazem passar por actores e os verdadeiros actores, os actores que têm uma verdadeira instrução de actor. É frustrante, desprestigiante e mesmo aviltante ver como recompensam os verdadeiros actores e como recompensam os verdadeiros ocos, e já nem me refiro ao prémios disto ou daquilo, cuja atribuição é tantas vezes duvidosa. Como culminar de um culto socialista à pior arte popular que existe (atenção, não se trata de Pop Art, trata-se de uma coisa popularucha e aviltantemente socialista), agora são os modelos que vêm julgar-se actores e saltar para as televisões, e para os cinemas também que isso também já acontece. Quer dizer, não lhes chega estragarem as passerelles com os seus conceitos de beleza juvenil inverosímil, de anorexia nervosa e bulimia esquizofrénica, não lhes chega perpetuar uma síndrome de Princesa Diana que existe nessa procura tão sôfrega pelos tão badalados 15 minutos de fama, é preciso ainda ir manchar e deturpar a Arte, porque é de uma Arte que se trata, que é a vida de tanta gente honesta e trabalhadora, porque um actor é alguém que trabalha a sério, que tem desgastes físicos que não são pequenos, que tem um enorme desgaste psicológico por estar sempre a viver emoções que o obrigam a contorcer-se de todas as maneiras possíveis, que tem que dar sempre essa energia, e viver essa disponibilidade para a poder transmitir da melhor maneira ao público... é nojenta a acepção que o actor hoje tomou, e são nojentas as pessoas que deixaram e que deixam que isso aconteça, todos os dias: primeiro, por fazerem algo que está errado, que é levar pessoas sem preparação nenhuma para a representação; e depois porque criam as expectativas de um grande futuro risonho e cheio de Óscares para meia-dúzia de gatos-pingados que não têm onde cair mortos. A única coisa que nos vale é que esta moda, porque na verdade não passa de uma moda, há-de cair como todas as outras já caíram. Enquanto moda é efémera, e tem os dias contados a partir do momento em que nasceu. Portanto, a pretensa arte socializada e socialista, e isto para não dizer populista, pela qual se afogam as pessoas com noções erradas do que é a realidade, é exactamente uma arte suicida: tem um curto ciclo de vida, causa ilusão, morte e destruição à sua passagem, e acaba por se assassinar a ela própria, quando o seu tempo se esgota e os seus míseros 15 minutos de fama escorrem pela sarjeta abaixo. Todo este aparato televisivo e de projecção além-fronteiras vai ter como graves consequências (e elas já se começam a notar) na franca descida de qualidade das representações. Dentro em breve teremos dois tipos de representação, cada um a antítese do outro: por um lado, as popularuchas, que tomam o nosso povo pelo Zé Povinho canastrão e rude que não é, e que vão arrastar as multidões e contribuir ainda mais para esse grande fenómeno, tão português, que é o do Aviltamento Nacional; por outro lado, os trabalhos sérios, aqueles que são mal pagos e que vêm atrasados, vão ser apreciados só por uns poucos, aqueles que não vão no conto do vigário, garantindo assim a assimetria cultural que temos e que existe como um qualquer monstro de sete cabeças, e que permite engordurar ainda mais o que nós somos. Já vem sendo altura de dizermos adeus a estas palhaçadas e de as pormos no sítio onde pertencem, que é no circo, e nos deixarmos de jogos do gato e do rato para ver se a cultura consegue finalmente andar para a frente.

E, por favor, se tiverem dúvidas façam lá isto: metam lá a Kate Winslet, a Cate Blanchett, a Glenn Close, o Al Pacino e o John Malkovitch ao pé dos Morangos com Açúcar, do Ashton Kutcher ou do Keanu Reeves e digam lá quais são as diferenças...

sábado, 1 de setembro de 2007

Há três espécies de homens:
os vivos, os mortos e os que andam no mar.

Platão

O Supra-Atomismo ou A Abordagem Analítico-Sintética dos Princípios Emergentes

A grande contradição dos sistemas filosóficos que se propõem reside muitas vezes numa questão de base, fundamental e transversal a todos eles: a definição do método de tratamento de um determinado tema. Essa metodologia oscila, na maior parte dos casos, entre ou uma abordagem analítica, ou uma abordagem sintética. Aqui se propõe uma nova abordagem que supera ambas.

As abordagens analíticas têm em comum o facto de se basearem na análise das partes, e só posteriormente, e por soma individual dessas partes, considerarem o todo. O todo é, assim, visto como a soma individual das partes, e pode ser então explicado de modo consistente e acabado pela análise das propriedades das partes. Para este modelo atomista, as propriedades do todo são a soma das propriedades das partes que o compõem. Tal perspectiva é redutora porque a percepção humana, tal como a conhecemos, não capta simples e individuais partes excluídas de qualquer contexto. Os avanços na Psicologia, sobretudo no que diz respeito ao estudo das percepções humanas, e neste campo o gestaltismo tem o seu mérito, mostram que nós, seres humanos, percepcionamos todos, ou para utilizar a expressão alemã correspondente (ou, melhor dizendo, mais elucidativa), Gestalts. Definem-se estes "todos" ou "Gestalts" como totalidades organizadas e estruturadas de forma específica (ver os estudos sobre a percepção das chamadas ilusões de óptica, etc.).

Surgem, assim, as perspectivas sintéticas que empregam uma metodologia diametralmente oposta à anterior. Partindo da análise das propriedades das Gestalts, que só é possível depois de estudos muito mais exaustivos e aprofundados, onde se lidam com imensas variáveis a considerar, relevam-se as restrições das Gestalts, ou as parcelas desse sistema que é uma totalidade indivisa, passo a passo. Focando a atenção, sempre ciente do contexto em que se encontra, parte a parte, é possível, mas desta vez com mais dificuldade, dado o grande número de variáveis a considerar (as que dizem respeito ao contexto, ou, por outra, à configuração do sistema da Gestalt), tentar percepcionar qual o papel de cada parte, qual a sua função, ou qual a sua contribuição, para a configuração dessa totalidade organizada. O método comparativo está fundado nestes moldes sintéticos, isto é, parte da visualização dessa totalidade organizada. Porém, e como revés, só é possível assegurar uma dada relação de causa-efeito (por exemplo, a atribuição de uma dada função a uma dada configuração ou restrição do sistema) se, e só se, se obtiver uma boa correlação estatística. Portanto, esta análise está dependente não de relações directas entre os objectos, como no método experimental, em que as variáveis são tão controladas quanto o possível, mas de relações indirectas, todas elas assentes na noção de probabilidade. Ora, resultados deste tipo apenas indicam relações mais prováveis e relações menos prováveis. A elas falta-lhe a objectividade do método experimental, e essa objectividade vem sendo mais necessária, exactamente para definir de forma mais precisa essa complexidade imensa que constitui um sistema organizado, como um sistema biológico, que não é mais que uma totalidade organizada.

Como ambas as abordagens têm as suas vantagens e desvantagens, o ideal seria definir uma abordagem mais global, de modo a superar a tensão, isto é, o conflito que existe entre os partidários de uma metodologia (os resultados laboratoriais são tratados de forma analítica seguindo o método experimental, enquanto que os resultados de campo são tratados de forma sintética e estatística seguindo o método comparativo) e os partidários da outra. Assim, e para esse efeito, postula-se um novo método, que se poderá designar Supra-Atomismo, já que procura abranger a sua vertente analítica a partir da visualização sintética dessas totalidades organizadas, e portanto apresenta-se qualitativamente superior face ao atomismo analítico; ou então a Abordagem dos Princípios Emergentes.

De acordo com os resultados, até à data corroborados por diversas frentes de investigação, do método sintético, os seres humanos percepcionam totalidades organizadas. Portanto, e se assim o é, não haverá melhor ponto de partida para estudar um sistema que começar por identificar qual o todo, ou qual a totalidade organizada, que se pretende estudar. No caso da Biologia este aspecto é particularmente importante, e isso é tanto assim que o método que aqui se propõe parte exactamente de resultados que foram obtidos na área da Ecologia. Mas também é importante ter em mente que estes resultados se aplicam não só à área da Biologia como a todas as restantes áreas em que se pretenda fazer um estudo científico. É preciso frisar bem este ponto, porque se estivermos a braços com um estudo não-científico, então qualquer uma destas conjecturas facilmente se desmorona, já que os axiomas sobre os quais se funda esse estudo não permitem uma abordagem científica válida. Começando então pela identificação da totalidade organizada em estudo, é preciso ainda elaborar outra consideração. Na verdade, a única totalidade realmente existente é aquilo a que chamamos Universo, que é algo que só muito dificilmente se pode imaginar, dada a nossa profunda ignorância em tal campo. Portanto, há que ter em mente sempre que qualquer estudo científico não abordará definitivamente A Gestalt Absoluta, que é o Universo. Partindo da análise de apenas uma parte do Universo, então estaremos sempre a incorrer no erro de considerar uma parte, e não o todo. Mas, dada a observação, aliás curiosa, de que até mesmo a mais ínfima parcela do Universo se comporta como uma totalidade organizada, podemos então aproximar os nossos resultados, os resultados que a partir deste ponto derivaremos, de resultados válidos, ou pelo menos válidos no contexto da totalidade organizada que estamos estudando.

Assim, o estudo começa pela identificação da totalidade organizada, parcela do Universo, que se pretende estudar. Uma vez nomeada essa totalidade organizada, procede-se ao levantamento de características gerais, que podemos associar facilmente a essa totalidade, ou que se podem verificar ocorrer nessa totalidade, e que permitem identificá-la e distingui-la do maior número possível de restantes parcelas do Universo, também totalidades organizadas, que se pretendam estudar. Uma vez definido o objecto de estudo, de forma sintética, ou procurando a síntese pela visão do sistema enquanto totalidade organizada, não é mais possível proceder de forma sintética. O número de variáveis com que teríamos de lidar escapa à nossa compreensão devido à sua imensa complexidade. Então que caminho podemos tomar? Se a abordagem sintética não mais nos dá resultados que possam ser manipulados de forma precisa e rigorosa, portanto, fazendo uso do método experimental, então teremos que partir para uma abordagem analítica. Assim, teremos que relevar as partes do sistema (totalidade organizada, inserida num contexto específico) que fisicamente podemos delimitar umas das outras, ou seja, em que não existe continuidade, ou que podemos isolar. Aqui começa a verdadeira análise, ou seja, é aqui que se faz uso do método experimental: submete-se essa parte, que é uma porção da totalidade que se encontra fisicamente separada de outras partes (ou, em último caso na análise, que pode ser fisicamente separada das outras partes) a diferentes condições experimentais, fazendo variar apenas o valor de uma das variáveis em questão de cada vez, e procurando estabelecer relações de causa-efeito. Procede-se assim para todas as partes do sistema que for possível encontrar fisicamente isoladas, e caso o sistema não fique bem caracterizado com essa abordagem analítica, recorre-se, na medida do que as nossas capacidades o permitirem, à separação física de elementos constituintes dessas partes, para que se caracterize o sistema até onde se pretenda.

Até aqui esta proposta não adianta muitas novidades às restantes abordagens para o estudo de sistemas, mas este último passo, terminantemente decisivo, é talvez aquele que faz toda a diferença. Não basta caracterizar a totalidade organizada de forma sintética, não basta sequer caracterizar cada parte ou cada elemento de cada parte de forma analítica; é preciso, mais que isso, estabelecer a ponte entre ambas, pois é aí que reside o grande mistério da Vida, o momento em que o analítico toca o sintético. Como podemos fazê-lo? Procurando reconstituir o sistema em estudo, a totalidade organizada.

Neste campo podemos seguir ainda duas abordagens diferentes: para reconstituir as interacções que se estabelecem entre as partes do sistema (totalidade organizada) e que dão origem às propriedades especiais e específicas desse todo, podem estudar-se combinações das partes em contexto laboratorial ou então no contexto da totalidade organizada. Os recentes avanços na área da Ecologia, tão interessantes, e sobretudo no âmbito dos chamados princípios emergentes, fundamentam esta escolha. Já foi reconhecido nos estudos de Ecologia que, ao estudar uma dada parcela do mundo, quanto mais se caminha em direcção a níveis de complexidade superior (organismo -> população -> comunidade -> ecossistema -> paisagem -> biótopo -> biosfera) mais surgem novas propriedades, e propriedades que não se encontravam em nenhuma das partes isoladas quando considerado um nível de complexidade inferior. Essas propriedades, chamadas princípios emergentes, os princípios ou propriedades que emergem pela existência de interacções entre as partes de um sistema, são a prova viva de que só considerando o todo, a totalidade organizada, é possível caracterizar de forma mais exacta um dado sistema que se propõem estudar. Assim, é preciso estudar as partes do sistema de duas maneiras: isolando diferentes combinações de partes (primeiro todas as combinações de duas partes, depois todas as combinações de três partes, e assim sucessivamente) em contexto laboratorial, aplicando o método experimental; e, em paralelo, estudar as partes do sistema considerando apenas combinações de partes (da mesma maneira anteriormente explicitada) no contexto do sistema em estudo, da totalidade organizada (tarefa muito mais difícil, dado o grande número de variáveis em questão, mas que também será importante para determinar em que aspecto ou em que aspectos um método difere do outro).

Esta abordagem é tremendamente exaustiva e muito mais laboriosa do que qualquer um dos dois sistemas iniciais. Mas talvez seja aquela que de futuro será a mais indicada, basta para isso que tenhamos capacidade tecnológica para armazenar e processar grandes conjuntos de dados, e depois cruzar toda essa informação. Portanto, há que, primeiro e antes de mais, melhorar a capacidade dos computadores, para que seja possível lidar com quantidade enormes de informação (esta questão começa agora a surgir com a sequenciação dos genomas de várias espécies), e depois é preciso inventar estratégias algorítmicas e matemáticas para processar grandes quantidades de dados, seja para avaliar respostas em função da alteração de variáveis, seja para comparar diferentes conjuntos de dados. Esse irá ser o próximo grande passo da Biologia, e em especial na Ecologia, na Neurobiologia, na Biologia do Desenvolvimento, na Bio-Informática, e nas Genómica, Proteómica e Metabolómica.