ou também conhecido como Conselho ao Universo dos Concelhos Todos-Filósofos
Ser filósofo é a pior coisa que há. Primeiro, não dá dinheiro nenhum, e portanto não se pode fazer nada. Depois, não está na moda, o que é ainda pior, porque se não nos virem na rua ainda nos passam por cima ou nos escarram em cima. Está claro que o filósofo apanha sempre com alguma coisa em cima, mesmo se essa coisa for a Coisa-Nenhuma. Os cães vadios andam sempre a rondá-los, porque não há abutres na cidade. Se se vive no campo é capaz de se apanhar um lacrau, ou dois, se se estiver com sorte. O céu também não é condescendente. Sempre que lhe dá vontade, mija-nos em cima, e às vezes peida. E a violência de tal flatulência chega a ser tão imensa que produz enormes quantidades de electricidade estática (está claro, a fricção que faz uma nádega a roçar-se noutra). O Chico-Esperto aproveita logo estas ocasiões troantes para sacar a sua garrafa de Leyden e ir vender choques para a Feira da Ladra. Claro que se vende que nem ginjas, o passatempo preferido do povo que vai à Feira, para além do latidos, é claro, é dar choques pelo umbigo ou então destilar veneno das suas mandíbulas. Mas o filósofo lá permanece, conforme pode, que a vida está cara. Às vezes encontra alguns Filósofos Reais, mais deveriam chamar-se Filósofos Duplamente Reais, visto que só acreditam nos sentidos ofuscados que possuem - são sempre ou cegos ou surdos ou mudos - e só falam com Reis e Rainhas, nem sequer chegam perto de Príncipes ou Princesas. Bem, talvez de algumas Princesas, de vez em quando (e, pensando bem, de Príncipes também). Pois aqui eu vos digo: procedam da seguinte maneira e nunca mais vos escarram em cima: se tiverem amor à vida, matem-se, a vocês, não a ela, se lhe tiverem asco, à vida, não ao amor, roubem a ideia ao Boris Vian e construam um arranca-corações. Depois ponham-se a vendê-lo. Todos os Filósofos Duplamente Reais querem ter um (e muitos já o têm mesmo antes de darem conta que compraram um segundo), e melhor ainda se ele servir de catapulta para lançar os corações para dentro das bocas uns dos outros. Na verdade este Desporto Nacional, ou Desporto De Interesse Nacional, como lhe chamam, é o preferido de toda a gente, e por isso é que eles andam sempre ou cegos ou surdos ou mudos (umas vezes os corações acertam no olho, outras no ouvido, outras na boca, e há mesmo aqueles que acertam no olho do cu). Mas atenção: passada a época da venda é retirar-se para outra freguesia: é que não tarda nada começa a espirrar sangue por todo o lado, os corações apodrecem ou os Filósofos espetam-lhe um dedo para ver se ainda estão vivos e eles, os corações, indignados com a possibilidade de serem considerados umas inutilidades ou orgulhosos com as carícias filosóficas (que mais se assemelham a uma tempestade de dardos com ponta de dente de crocodilo) começam a inchar e a inchar até se desfazerem numa orgia sanguínea. Convém nessa altura ter sempre um bote, não uma Arca, porque, na verdade, nem há quem se salve nem há ninguém para salvar, e assim navega-se mais à vontade até chegar ao próximo porto onde nos recebem de braços abertos e de pernas fechadas, ou de pernas abertas e braços fechados.
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