segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Nunca me senti bem onde quer que fosse.
Nunca me senti par neste mundo de ímpares.
Talvez eu me sinta ímpar porque sou realmente ímpar,
E talvez os outros sejam pares porque são realmente pares,
Ou então o mundo é feito de pares e eu estou desirmanado,
Ou então o mundo é feito de ímpares que andam aos pares para se sentirem menos sozinhos.
Não sei.
Nada me sente, e tudo se esquece.
Pensei que mesmo para um ímpar fosse possível ser-se alguma coisa.
Mas afinal são os ímpares que não têm par neste mundo.

Para onde quer que vá, e onde quer que seja
Nunca sou eu, mas algo que nunca sobeja
Procuro encher um poço sem fundo que sempre se escoa
Procuro encontrar a vasilha que me dê de beber a água desse poço,
Mas o poço nunca se enche, e a vasilha tem falhas
E metade da água se vai para parte nenhuma
E da metade que resta a mistura de sabores é tanta
Que não consigo dizer a que sabe a água
«Se é água, sabe a água», dizem-me de longe
Mas sempre me pareceu que a água sabia a algo mais,
Algo mais que nunca arranjei palavra para pronunciá-lo
Se é que palavra existe para dizer o que se sente.

A vida é demasiado dura para o pobre camponês
Não por ser pobre, mas por ter que levar com o sol em cheio na cara
E arar a terra como quem faz adeus ao futuro sem pensar nele
A dízima que se paga é branda,
(Se não se pagasse por ela, outra coisa nos faria pagá-la)
Mas o que custa é cravar a terra
Quando ela não quer ser mexida nem tocada
Apenas deixada estar ao seu destino, como outra coisa qualquer.

Há qualquer coisa que debaixo do firmamento me escapa
Ou por cima dele, já não sei
Não há ajuda de boi nem de vaca, só longo o céu
Que demora a passar - e quando passa
Arranca de nós qualquer coisa, como se na dor ao tirar
Ficasse só um vazio que nos monta
Para em seguida nos largar.

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Daquilo que provei ficou-me o sabor amargo da sua ausência
E a pesar de ter procurado por essa essência
Nada vi mais daquilo que fiquei.

O mundo lá fora é como um filme de cinema mudo
Em que as imagens se sucedem sempre e sem som algum.
Por mais que tente ver o que muda quando muda
A diferença entre um e outro é a mesma que entre um e nenhum.
No espaço que não existe, entre os seres que se movem
O que há em mim assiste como se não fizesse parte da história
Porque o seu lugar é do outro lado, a ver que filme fala
O seu longo bocado e pára. Sempre sem achar vitória.
Talvez seja por isso que não me encaixo
Porque não tenho forma feita
O que sou está inacabado
Por entre tudo o que espreita
Olho para cima, para baixo e para o lado
Não consigo ver aquele que me observa
Por entre o muro que ladeia o estrado
Há qualquer cabina, flanco de fotograma,
Há qualquer luz vermelha que me chama
Mas que distorce as cores caídas no oleado
E todas me ardem com intensa flama.

Queria eu passar por detrás do ecrã
Mas lá fora não há nada, há apenas um projector apagado
Um fumo, uma ponta de cigarro
Nem sombra de uma antemanhã.
Será que viver é andar acossado?
Se o é, mesmo a esperança se torna vã.

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