Acumular cursos
é meu passatempo
Juntar trocados com remendo
caldos letrados
Muito jumento
já aqui ao lado
e não mete medo
Diplomas, mestrado
ou doutoramento
de todos sou achado
não tenho sossego -
segredo apartado
lançado ao vento
Mas não.
Então?
Não queres o Parlamento?
Palrar com anão
servir jumento
e beijar-lhe a mão?
Quero é conhecimento
Saber
E a sabedoria
O único unguento que aguenta cotovia
e jumento
Ou Roma não fora feita num dia
Nem a Grécia
com tento.
E se me contento de antemão
é por saber
ao certo
que acerto aonde ponho a mão
É medalha
É diploma
É sorte
de latão
folha de estanho ao vento
Sabe ele p'ra onde leva
a sorte
no momento
Mas o signo que me sossega
é o que tenho cá dentro
O quente
coração
e na cabeça só vento
quarta-feira, 31 de janeiro de 2007
creio ser mais fácil para alguém que estude ciência compreender história do que o inverso. A linguagem científica é muito específica, tanto nos vocábulos como nas relações simbólicas (números, equações e demais matemáticas), e é preciso empreender uma longa caminhada até lhes começar a perceber as manhas. Ainda assim, e como tudo, uma vez apreendidas e compreendidas, tudo se torna mais fácil.
creio, assim, que este meu caminho, que com força me empurrou para ciência, não podia ter feito melhor. E é de dentro da ciência que com redobrada força e ânimo redescubro a história que nela há, ou os diferentes modos de pensar a realidade, esse conjunto de sensações humanas, que faz com que a visão que deles possa ter seja a mais abrangente e integrada, como quando uma gota a mais num copo já de si cheio faz transbordar todo o conteúdo, e as coisas que esse copo guardava e separava das restantes coisas, a que chamamos realidade, nela entram e nela se tornam.
creio, assim, que este meu caminho, que com força me empurrou para ciência, não podia ter feito melhor. E é de dentro da ciência que com redobrada força e ânimo redescubro a história que nela há, ou os diferentes modos de pensar a realidade, esse conjunto de sensações humanas, que faz com que a visão que deles possa ter seja a mais abrangente e integrada, como quando uma gota a mais num copo já de si cheio faz transbordar todo o conteúdo, e as coisas que esse copo guardava e separava das restantes coisas, a que chamamos realidade, nela entram e nela se tornam.
terça-feira, 30 de janeiro de 2007
segunda-feira, 29 de janeiro de 2007
um dia, saí da minha terra e parti para a terra de ninguém e de toda a gente à procura do que era ser ente. Encontrei. Mas a razão porque não páro de voltar a encontrar, a razão por que me espanto, é que essa coisa que encontrei sempre me vai escapando. Por entre os dedos da mão. E assim corro afogueado, de ritmo apressado, estendo o braço num abraço apertado. Para ver se vejo coração. Ou pedaço separado. Daquilo que faz correr a mão. Num canto dum canto apressado. E nunca termina a corrida. Veloz, a passo ou despida. Na despedida do encontrado, fica a canção. Esquecida. E no lume do apagado, a mão. Estendida. Sempre a ver se passa recado. Mas nunca perdida.
1 - Cada indivíduo é único em si mesmo.
2 - Existe uma tendência inata para a expressão do seu potencial.
3 - O potencial desenvolve-se por interacção com o meio.
4 - A expressão do potencial requer total liberdade de expressão, interna e externa.
5 - As leis limitam a liberdade individual e colectiva externa.
6 - Logo, quanto maior a quantidade de leis, maior a limitação ao desenvolvimento do potencial individual.
7 - Inversamente, quanto menor a quantidade de leis, maior a liberdade para o desenvolvimento do potencial individual.
8 - Logo, quando a quantidade de leis tender para zero, haverá total liberdade para o desenvolvimento do potencial.
9 - Pela segunda lei da termodinâmica, a entropia do universo tende sempre a aumentar.
10 - Logo, existe uma tendência para a diminuição da quantidade de leis.
11 - Logo, existe uma tendência no meio para a reunião de condições favoráveis ao desenvolvimento do indivíduo.
12 - Logo, existe uma tendência para a liberdade expressa do potencial individual.
2 - Existe uma tendência inata para a expressão do seu potencial.
3 - O potencial desenvolve-se por interacção com o meio.
4 - A expressão do potencial requer total liberdade de expressão, interna e externa.
5 - As leis limitam a liberdade individual e colectiva externa.
6 - Logo, quanto maior a quantidade de leis, maior a limitação ao desenvolvimento do potencial individual.
7 - Inversamente, quanto menor a quantidade de leis, maior a liberdade para o desenvolvimento do potencial individual.
8 - Logo, quando a quantidade de leis tender para zero, haverá total liberdade para o desenvolvimento do potencial.
9 - Pela segunda lei da termodinâmica, a entropia do universo tende sempre a aumentar.
10 - Logo, existe uma tendência para a diminuição da quantidade de leis.
11 - Logo, existe uma tendência no meio para a reunião de condições favoráveis ao desenvolvimento do indivíduo.
12 - Logo, existe uma tendência para a liberdade expressa do potencial individual.
A globalização não existe. É uma tentativa recente e frustrada de um fascismo dissimulado. Se todos são diferentes, porque é que hão-de todos fazer as mesmas coisas, comer todos harbúrgeres, e no MacDonald's, beber Coca Cola, usar roupas da Timberland e da Bershka e ver filmes de Hollywood? Cá está, é mais uma tentativa (e note-se que é tentativa, pois não passa disso) de por todas as pessoas no mesmo saco, rotulá-lo, ou, melhor ainda, com a tecnologia de hoje basta um código de barras, para depois as impedir de mostrar a sua individualidade. O lema da Revolução Francesa levou-se demasiado a sério. Liberdade, em todos nós vive, e pelo menos desde que nascemos, Fraternidade, também, entre os homens de boa vontade, mas Igualdade? Ninguém é igual a ninguém, todo o indivíduo tem uma capacidade única de percepcionar e sentir o mundo à sua volta. Disso até os românticos alemães já se tinham dado conta.
o problema de comunicação que impede a evolução da humanidade como um todo e do indivíduo enquanto pessoa encontra-se quando alguém de grande conhecimento numa dada área transmite essa informação do seu ponto de vista, isto é, como se estivesse a falar com alguém que possui tanta informação sobre o assunto visado como ele. Aqui está claramente um erro lógico, já que não faria sentido que alguém estivesse a ensinar, isto é, a fornecer informação nova, a alguém que já dela tivesse conhecimento. Eis aqui a causa de todos os problemas de ensino universitário.
A solução será a situação exactamente oposta: o comunicador deve transmitir informação como se estivesse a falar com alguém que possui muito pouca, ou mesmo nenhuma, informação sobre o assunto visado. Assim, toda a comunicação entre níveis de informação diferentes se baseia num processo de adaptação, em que o comunicador usa toda a sua informação de forma a apresentar apenas os aspectos essenciais da mesma, partindo desde o princípio até ao fim, procurando explicar, ponto por ponto, cada ponto da sua informação, e mostrar onde uns pontos se interligam com outros, e porque é que estão interrelacionados. Esta abordagem dinâmica, contrariamente à abordagem estática que tantas vezes é escolhida, permite uma integração global da informação nova, que, por ser desconhecida para a audiência, ou para cada um dos receptores, não pode ser compreendida, assimilada e acomodada, ou antes equilibrada, à mesma taxa que o processo decorre na mente do comunicador.
Como tal processo requer um maior intervalo temporal do que uma transmissão estática de informação, então é necessário aumentar o tempo da comunicação, de forma a que possa ser possível incluir nela a interligação dos blocos de informação desconhecida, e dos da conhecida também, elemento vital à compreensão global de um dado tipo de conhecimento.
Uma outra alternativa possível será a de diminuir a quantidade de informação que é transmitida, para que, assim, no mesmo intervalo de tempo disponível para uma exposição estática de informação, seja possível integrar os blocos de informação, numa perspectiva holística.
Assim, se com a Convenção de Bolonha o que se pretende é diminuir o intervalo de tempo disponível para a transmissão de informação, aumentando contudo a quantidade de informação que é transmitida, o que se fomenta é, claramente, uma transmissão estática, finita e adulterada da informação, em suma, de potencial conhecimento. Não me parece que traga algum benefício concordar com uma política de transmissão de informação assim.
A solução será a situação exactamente oposta: o comunicador deve transmitir informação como se estivesse a falar com alguém que possui muito pouca, ou mesmo nenhuma, informação sobre o assunto visado. Assim, toda a comunicação entre níveis de informação diferentes se baseia num processo de adaptação, em que o comunicador usa toda a sua informação de forma a apresentar apenas os aspectos essenciais da mesma, partindo desde o princípio até ao fim, procurando explicar, ponto por ponto, cada ponto da sua informação, e mostrar onde uns pontos se interligam com outros, e porque é que estão interrelacionados. Esta abordagem dinâmica, contrariamente à abordagem estática que tantas vezes é escolhida, permite uma integração global da informação nova, que, por ser desconhecida para a audiência, ou para cada um dos receptores, não pode ser compreendida, assimilada e acomodada, ou antes equilibrada, à mesma taxa que o processo decorre na mente do comunicador.
Como tal processo requer um maior intervalo temporal do que uma transmissão estática de informação, então é necessário aumentar o tempo da comunicação, de forma a que possa ser possível incluir nela a interligação dos blocos de informação desconhecida, e dos da conhecida também, elemento vital à compreensão global de um dado tipo de conhecimento.
Uma outra alternativa possível será a de diminuir a quantidade de informação que é transmitida, para que, assim, no mesmo intervalo de tempo disponível para uma exposição estática de informação, seja possível integrar os blocos de informação, numa perspectiva holística.
Assim, se com a Convenção de Bolonha o que se pretende é diminuir o intervalo de tempo disponível para a transmissão de informação, aumentando contudo a quantidade de informação que é transmitida, o que se fomenta é, claramente, uma transmissão estática, finita e adulterada da informação, em suma, de potencial conhecimento. Não me parece que traga algum benefício concordar com uma política de transmissão de informação assim.
um dos grandes problemas das pessoas é não terem tido umas bases de pedagogia. Ou melhor, é não terem aprendido a comunicar. Comunicar é tão essencial como respirar. Se não sabemos comunicar connosco próprios, então como compreendemos o que nos vai dentro? Se não sabemos comunicar com os outros, então como podemos fazer com que os outros compreendam as nossas sensações interiores?
a nossa língua tem aqui um papel muito importante. Porque é um meio extremamente difundido de comunicar. Assim, todo o bom comunicador deve começar por estudar uma língua, de preferência a sua, que é aquela com a qual tem contacto mais directo, para aprender a comunicar. Quem sabe se os problemas de Portugal não residem todos numa aguda preguiça ou desconhecimento linguísticos?
a nossa língua tem aqui um papel muito importante. Porque é um meio extremamente difundido de comunicar. Assim, todo o bom comunicador deve começar por estudar uma língua, de preferência a sua, que é aquela com a qual tem contacto mais directo, para aprender a comunicar. Quem sabe se os problemas de Portugal não residem todos numa aguda preguiça ou desconhecimento linguísticos?
foi graças à internet que tomei consciência da interdependência entre os seres humanos. Eu posso ter estes amigos, que conheço, e cada um deles terá, por sua vez, outros amigos que conhece, e esses amigos dos meus amigos terão outros amigos, e toda a cadeia da amizade cresce cada vez mais em progressão geométrica.
até que houve um dia em que tomei consciência de uma evidência avassaladora que subverte toda esta matemática. Acontece que conhecia uma pessoa que era amiga de outra pessoa que inicialmente não conhecia, mas que depois passei a conhecer, estabelecendo, assim, um círculo de amizade, ou um polígono, irregular e único, como todo o conjunto de ligações. E quando reflecti no assunto, foi fácil constatar que isso pode muito bem ser assim com toda a gente, e até pode ser assim sem que muitos disso estejam cientes, que afinal não nos conhecemos apenas em progressão geométrica, mas também por elos em cadeias, que se vão entrelaçando umas nas outras, como uma cota de malha, mas só que esta se estende em todas as direcções do espaço (e provavelmente do tempo), formando uma equação tão complexa que nem a matemática a consegue descrever.
talvez, dada a perfeição dos elos e das cadeias, dada a progressão ser geométrica, dada toda a combinatória associada, vista de cima, esta reunião de conjuntos, com todas as suas demais intersecções, deva formar uma grande superfície esférica, coroa da própria esfera maciça que é a humanidade, cadeia de cadeias, e ela própria um elo de perfeição na construção dos elos que nos unem..
até que houve um dia em que tomei consciência de uma evidência avassaladora que subverte toda esta matemática. Acontece que conhecia uma pessoa que era amiga de outra pessoa que inicialmente não conhecia, mas que depois passei a conhecer, estabelecendo, assim, um círculo de amizade, ou um polígono, irregular e único, como todo o conjunto de ligações. E quando reflecti no assunto, foi fácil constatar que isso pode muito bem ser assim com toda a gente, e até pode ser assim sem que muitos disso estejam cientes, que afinal não nos conhecemos apenas em progressão geométrica, mas também por elos em cadeias, que se vão entrelaçando umas nas outras, como uma cota de malha, mas só que esta se estende em todas as direcções do espaço (e provavelmente do tempo), formando uma equação tão complexa que nem a matemática a consegue descrever.
talvez, dada a perfeição dos elos e das cadeias, dada a progressão ser geométrica, dada toda a combinatória associada, vista de cima, esta reunião de conjuntos, com todas as suas demais intersecções, deva formar uma grande superfície esférica, coroa da própria esfera maciça que é a humanidade, cadeia de cadeias, e ela própria um elo de perfeição na construção dos elos que nos unem..
Só uma extrema falta de lucidez pode levar alguém a fazer sofrer uma pessoa. E o caso é tanto mais grave se esse alguém inflige sofrimento porque ele próprio sofreu. Trata-se de uma cadeia de sofrimento, em que quem sofre se torna em quem fez sofrer, e que só pode conduzir à auto e hetero-destruição. Por isso é que matar um assassino não faz sentido nenhum. Quando matamos, assassino ou missionário, matamos uma pessoa. E se matamos alguém que mata pessoas, então estamos a perpetuar o seu acto. O sofrimento só tem fim quando acabar a cadeia da violência. Era essa a grande mensagem de Gandhi.
domingo, 28 de janeiro de 2007
podem as pessoas queixar-se de níveis baixos de literacia em Portugal, mas o certo é que a dispersão da cultura, confirmando a segunda lei da termodinâmica, tem vindo sempre a aumentar. Para alguém do nosso século será difícil imaginar o que era o Portugal e a Europa da Idade Média, após as invasões bárbaras, dilacerados ambos por guerras e confrontos, pilhagens e roubos, destruição e saques. Não fossem os padres, e monges, e abades, e todos os demais religiosos, não existiria cultura nenhuma, teria tudo sido arrastado pela lama. E é graças a eles, e à sua tarefa diligente e fina de copiar manuscritos, que devemos a conservação de alguma cultura, ideias gregas, romanas e árabes, que por esses tempos fora foram apreciadas e contempladas por quem teve o prazer de as estudar. E por isso muito devemos à Igreja de Cristo, que é dizer que muito devemos a quem teve tão laboriosas tarefas, e portanto nem só de autos-de-fé e Tribunal do Santo Ofício vive a história do homem. Deviam as pessoas pensar duas vezes antes de cuspirem na cara de quem lhes deu a cultura.
E, contudo, a entropia avança, e com ela a cultura, pelo Universo, claro está, sempre subindo, numa espiral evolutiva. Afinal de contas avançámos muito. Não que isso seja suficiente, nunca o é, e queremos sempre puxar mais a corda para ver até onde subimos. Mas pelo menos já é um sinal que indica que afinal sempre existe alguma evolução. Escolaridade obrigatória, várias universidades, meios de comunicação dispersos, tudo concorre para aproximar esses mares que ligavam os continentes por descobrir, e por ligar esses continentes que em tanto permaneciam desconhecidos. O dever do artista é criar pontes.
E, contudo, a entropia avança, e com ela a cultura, pelo Universo, claro está, sempre subindo, numa espiral evolutiva. Afinal de contas avançámos muito. Não que isso seja suficiente, nunca o é, e queremos sempre puxar mais a corda para ver até onde subimos. Mas pelo menos já é um sinal que indica que afinal sempre existe alguma evolução. Escolaridade obrigatória, várias universidades, meios de comunicação dispersos, tudo concorre para aproximar esses mares que ligavam os continentes por descobrir, e por ligar esses continentes que em tanto permaneciam desconhecidos. O dever do artista é criar pontes.
o teatro verdadeiro que existe e que se faz é o pai de três conhecimentos metafisicamente essenciais. O primeiro, mais próximo de nós, é aquele que podemos ter ao conhecer os nossos sentimentos, o jogo das sensações em que estamos imersos e com o qual nos habituamos a lidar em nós, no dia-a-dia. E porque, para nós, como tudo o resto, somos apenas sensações, é-nos muito útil este tipo de conhecimento, especialmente no que toca o saber quem somos e o modo como lidamos com as nossas sensações. O segundo, o que nos ultrapassa, é aquele a partir do qual podemos aprender a ler as pessoas, sabendo quais as sensações que elas sentem, e assim familiarizarmo-nos com o seu discurso emotivo, ou o mais abrangente, o sensacional. A adaptação a alguém torna-se assim facilitada, já que ganhamos a percepção mais abrangente que nos permite comunicar de forma mais efectiva, isto é, de uma forma que seja o mais perceptível para a nossa interlocutora. O terceiro, e talvez o mais importante de todos, é o que transcende os dois primeiros, já que a sua natureza é essencialmente transcendente: o conhecimento, ou direi sensação, já que nada temos mais que isso, de exteriorização da sensação e da sua catarse, que nos permite reciclar as sensações antigas e transmutá-las em novas, assim como, e este é o ponto importante, transmutar as sensações más em boas, e portanto aprender algo com aquilo que se sente. Toda a nossa evolução depende disso: uma reciclagem sensacional, ou quando a sensação é mais forte, emocional. E é por isso que aconselho a fazer teatro.
sábado, 27 de janeiro de 2007
chegámos a uma altura em que os conhecimentos se acumulam uns sobre os outros cada vez mais depressa, e de tal forma que nem o nosso cérebro, melhor dizendo, encéfalo, mesmo nas suas maravilhosamente complexas redes neuronais, consegue parecer acompanhar essa actualização constante.
E é assim certo que a evolução não está em continuar somando conhecimentos como uma máquina, ou um computador bem comportado. O que é preciso é relacioná-los, encontrar comparações, pontos de contacto. Já caíu fora de moda, e de validade lógica, procurar na vida o que há de diferente sem querer saber do que é semelhante, ou repetir sempre o mesmo, mudando apenas uma vírgula ou um ponto. Até o próprio método experimental, de tão precisamente exacto, já está morrendo de velho. O que é necessário é a comparação, isto é, a síntese que, embora apenas possível após análise aturada, é aquela que lhe dá verdadeira dimensão de significado global.
Muitos já se aperceberam de que isto é o futuro, e que não vale a pena olhar só para o passado, como por exemplo os cientistas do Romantismo alemão, ou direi melhor Naturphilosophie. Mas o problema dos alemães foi que se voltaram tanto para a técnica e para a especialização que acabaram fechando uma cerca à volta deles próprios, e de tal forma que de lá não sai grande coisa de novo, a não ser umas filosofias baratas a que chamam de existencialismo, talvez porque, e é capaz de não andar muito longe disso, eles só se preocupam, e, como se isso não bastasse, preocupam-se com o que existe. O problema é que o que para eles existe era o que existia para Descartes, e, a partir dele, parece-me que as coisas já andaram evoluindo muito, mesmo em termos de psicologia, outra invenção alemã para controlar o espírito, se é que isso é possível. Mas enfim, vamos dar-lhes o beneplácito da vontade, que sempre ajudou em alguma coisa, quanto mais não fosse a turvar-lhes o caminho até os realmente videntes poderem ter meios para mostrar o mundo todo de uma vez só, que é como ele é, uma vez e uma só, e todo inteiro, não partido e repartido às metades e aos quartos, e por aí adiante até aos infinitesimais.
O problema é que agora vai ser preciso quebrar barreiras, e chegar atrasado às reuniões, e mudar as convenções, ou talvez mandá-las para um qualquer buraco negro, e quanto mais negro melhor. Portanto, é preciso jogar fora tanto a pontualidade britânica como o cientificismo alemão, ou o tecnicismo chinês. Realmente, acontece que nós, que somos portugueses, até temos alguma sorte, no meio deste processo todo, porque o português é avesso a todas essas coisas, e aquilo que ele quer mesmo fazer é culturar tudo quanto a sua vista põe em cima. Vamos então culturar, em Portugal ou no Brasil, Timor ou Macau, em Goa ou na Guiné, Cabo Verde ou Moçambique, Açores ou Madeira. E é por isso que o português vai ter uma missão importante, que é a de guiar as pessoas na sua cultura a culturar também sem pressas de cronómetro.
E é assim certo que a evolução não está em continuar somando conhecimentos como uma máquina, ou um computador bem comportado. O que é preciso é relacioná-los, encontrar comparações, pontos de contacto. Já caíu fora de moda, e de validade lógica, procurar na vida o que há de diferente sem querer saber do que é semelhante, ou repetir sempre o mesmo, mudando apenas uma vírgula ou um ponto. Até o próprio método experimental, de tão precisamente exacto, já está morrendo de velho. O que é necessário é a comparação, isto é, a síntese que, embora apenas possível após análise aturada, é aquela que lhe dá verdadeira dimensão de significado global.
Muitos já se aperceberam de que isto é o futuro, e que não vale a pena olhar só para o passado, como por exemplo os cientistas do Romantismo alemão, ou direi melhor Naturphilosophie. Mas o problema dos alemães foi que se voltaram tanto para a técnica e para a especialização que acabaram fechando uma cerca à volta deles próprios, e de tal forma que de lá não sai grande coisa de novo, a não ser umas filosofias baratas a que chamam de existencialismo, talvez porque, e é capaz de não andar muito longe disso, eles só se preocupam, e, como se isso não bastasse, preocupam-se com o que existe. O problema é que o que para eles existe era o que existia para Descartes, e, a partir dele, parece-me que as coisas já andaram evoluindo muito, mesmo em termos de psicologia, outra invenção alemã para controlar o espírito, se é que isso é possível. Mas enfim, vamos dar-lhes o beneplácito da vontade, que sempre ajudou em alguma coisa, quanto mais não fosse a turvar-lhes o caminho até os realmente videntes poderem ter meios para mostrar o mundo todo de uma vez só, que é como ele é, uma vez e uma só, e todo inteiro, não partido e repartido às metades e aos quartos, e por aí adiante até aos infinitesimais.
O problema é que agora vai ser preciso quebrar barreiras, e chegar atrasado às reuniões, e mudar as convenções, ou talvez mandá-las para um qualquer buraco negro, e quanto mais negro melhor. Portanto, é preciso jogar fora tanto a pontualidade britânica como o cientificismo alemão, ou o tecnicismo chinês. Realmente, acontece que nós, que somos portugueses, até temos alguma sorte, no meio deste processo todo, porque o português é avesso a todas essas coisas, e aquilo que ele quer mesmo fazer é culturar tudo quanto a sua vista põe em cima. Vamos então culturar, em Portugal ou no Brasil, Timor ou Macau, em Goa ou na Guiné, Cabo Verde ou Moçambique, Açores ou Madeira. E é por isso que o português vai ter uma missão importante, que é a de guiar as pessoas na sua cultura a culturar também sem pressas de cronómetro.
a música é algo realmente fantástico. Não admira que só pelo simples facto de ouvir Mozart toda a nossa disposição se altere, e para melhor. A música é o sangue que corre nas veias do espírito, e que o faz pulsar, assim como se de um coração mecânico se tratasse. Não há melhor resposta para uma depressão: se a música pode proporcioná-la, através da vibração do seu estado de espírito, pode certamente também curá-la. As pessoas não deviam ir ao psicólogo, deviam era ouvir música.
os portugueses têm um papel importante na criação das condições para o desenvolvimento do potencial de cada pessoa. É que os portugueses são descobridores por natureza. Há neles um gene qualquer que os faz ser curiosos acerca do mundo que os rodeia, e acerca eles próprios. E por isso é que nasceram os descobrimentos, uma pessoa fez uma pergunta, e então será que haverá algo mais por ali, foi pensando e deixando levar-se pelo ar do pensamento puramente mental, e acabou criando uma empresa notável, que chegou aos quatro cantos do mundo, digamos assim, se ele os tivesse, mas como os não tem, foi ele pelo mundo afora e tocou em todos os pontos da nossa pequena esfera achatada pelos pólos. Por isso há algo mais que une todos esses sítios, de uma forma que ninguém consegue explicar, e esse algo mais é o toque que os portugueses lá deixaram. O que existe é um referencial comum, uma cultura comum a vários povos com diferentes costumes e línguas, religiões e filosofias, mas todos eles conviveram com os portugueses, e com eles tomaram contacto. E isso acho que, só por si, é um facto extraordinário.
por outro lado, esse papel tão importante não se trata de aproximar fisicamente as culturas, ou as pessoas, mas também de aproximar cada um de si, do que cada um realmente é, e daquilo que pode ser. E quando se trata disso, de fazer, as palavras já não chegam. O que é preciso é ir ao encontro dessas coisas que andam pairando no ar à espera de serem descobertas, e já que o português tem jeito para isso, deixemo-lo ir à sua vida, pois que esta é que é a sua verdadeira razão de viver.
mas para isso ele não pode nem deve ter quaisquer restrições que lhe impeçam de concretizar neste plano físico aquilo que já tanto, e com tanta força, foi sonhado por todos. O português deve procurar libertar-se de todos os referenciais, de todos os padrões, ou normas, taxativas, que lhe queiram impor um código de barras para o poderem passar no supermercado. Passado o obstáculo das peias, e transposta a norma, que será sempre por uma transgressão, um corte, que é coisa que essas gentes britânicas de sua pontualidade não entendem, é preciso ainda alguma ordem, que mais não é que a ordem necessária à instauração física da total desordem mental. Mas para a mente poder ser ordenadamente desordenada ela tem que poder expressar-se, e seja como for, ela precisa de dar sinal da sua vida no plano físico, do fazer, para que outros possam ver que isso é algo possível, e que deve ser feito por todos, e que é algo que todos podem fazer. Portanto, não só é preciso quebrar as interdições que nos querem travar o caminho e que vêm de fora, como as interdições que também nos querem travar, mas que surgem de dentro, e que, apesar de mais perto de nós, são aquelas que mais nos custam a libertar. E porque a desordem vai ser então mais que muita, tem que haver alguém capaz, uma pessoa ou entidade, mas alguém, físico, vivo, e bem desperto, que consiga tomar as rédeas da vida e dar um sentido de ser ao português. Essa pessoa, ou esse conjunto de pessoas, procurará governar apenas como um verdadeiro governante deve governar, que é deixar os seus súbditos à desordem de cada um e, por outro lado, garantir a ordem de base, estrutural, do seu Reino, pois que como um Rei governará. Mas assim como o copo de vidro não retira à água a sua substância, mas apenas a molda na forma que melhor se adapta à do copo, esse Rei, chamemos-lhe assim, apenas construirá a estrutura, a ordem, que poderá suportar tal desordem, interna e externa. E é graças a essa ordem que toda a desordem instaurada, e fomentada, não se anulará em si própria, já que era fácil que tal acontecesse, caso contrário fosse, visto que a natureza da desordem é ser da ordem do imprevisível. Quando tudo estiver composto, e cada um no seu lugar, aí então o caso mudará em extremo de figura, e o que anteriormente pareceria uma desordem, ficará completamente transmutado numa ordem eterna, visto que é perfeita e sem mácula. Assim como as rodas dentadas de uma máquina, na posição certa, todas se engrenam num concerto que faz mover a própria máquina, Portugal rumará finalmente a colocar a chave na fechadura do Mundo, e a movê-la, com a ajuda de todos quantos aqueles que a quiserem empurrar, e aí é que o Mundo se vai abrir realmente, não como antes se abrira a Índia, a China, ou o Japão, mas agora de vez, e para sempre, vai abrir-se para os outros Mundos que existem fora, mas também que existem dentro, do nosso próprio Mundo.
por outro lado, esse papel tão importante não se trata de aproximar fisicamente as culturas, ou as pessoas, mas também de aproximar cada um de si, do que cada um realmente é, e daquilo que pode ser. E quando se trata disso, de fazer, as palavras já não chegam. O que é preciso é ir ao encontro dessas coisas que andam pairando no ar à espera de serem descobertas, e já que o português tem jeito para isso, deixemo-lo ir à sua vida, pois que esta é que é a sua verdadeira razão de viver.
mas para isso ele não pode nem deve ter quaisquer restrições que lhe impeçam de concretizar neste plano físico aquilo que já tanto, e com tanta força, foi sonhado por todos. O português deve procurar libertar-se de todos os referenciais, de todos os padrões, ou normas, taxativas, que lhe queiram impor um código de barras para o poderem passar no supermercado. Passado o obstáculo das peias, e transposta a norma, que será sempre por uma transgressão, um corte, que é coisa que essas gentes britânicas de sua pontualidade não entendem, é preciso ainda alguma ordem, que mais não é que a ordem necessária à instauração física da total desordem mental. Mas para a mente poder ser ordenadamente desordenada ela tem que poder expressar-se, e seja como for, ela precisa de dar sinal da sua vida no plano físico, do fazer, para que outros possam ver que isso é algo possível, e que deve ser feito por todos, e que é algo que todos podem fazer. Portanto, não só é preciso quebrar as interdições que nos querem travar o caminho e que vêm de fora, como as interdições que também nos querem travar, mas que surgem de dentro, e que, apesar de mais perto de nós, são aquelas que mais nos custam a libertar. E porque a desordem vai ser então mais que muita, tem que haver alguém capaz, uma pessoa ou entidade, mas alguém, físico, vivo, e bem desperto, que consiga tomar as rédeas da vida e dar um sentido de ser ao português. Essa pessoa, ou esse conjunto de pessoas, procurará governar apenas como um verdadeiro governante deve governar, que é deixar os seus súbditos à desordem de cada um e, por outro lado, garantir a ordem de base, estrutural, do seu Reino, pois que como um Rei governará. Mas assim como o copo de vidro não retira à água a sua substância, mas apenas a molda na forma que melhor se adapta à do copo, esse Rei, chamemos-lhe assim, apenas construirá a estrutura, a ordem, que poderá suportar tal desordem, interna e externa. E é graças a essa ordem que toda a desordem instaurada, e fomentada, não se anulará em si própria, já que era fácil que tal acontecesse, caso contrário fosse, visto que a natureza da desordem é ser da ordem do imprevisível. Quando tudo estiver composto, e cada um no seu lugar, aí então o caso mudará em extremo de figura, e o que anteriormente pareceria uma desordem, ficará completamente transmutado numa ordem eterna, visto que é perfeita e sem mácula. Assim como as rodas dentadas de uma máquina, na posição certa, todas se engrenam num concerto que faz mover a própria máquina, Portugal rumará finalmente a colocar a chave na fechadura do Mundo, e a movê-la, com a ajuda de todos quantos aqueles que a quiserem empurrar, e aí é que o Mundo se vai abrir realmente, não como antes se abrira a Índia, a China, ou o Japão, mas agora de vez, e para sempre, vai abrir-se para os outros Mundos que existem fora, mas também que existem dentro, do nosso próprio Mundo.
estamos numa era em que os problemas se acumulam não pela informação que chega às pessoas, mas sim pela desinformação. A evolução e dispersão dos meios tecnológicos chegou a um tal ponto em que cada um pode saber o que se passa no outro lado do mundo em instantes. E foi pelo efeito, ou pela cura, que surgiu nova doença: a informação é tanta, que se torna desinformante. Passa a promover a confusão, e não o esclarecimento. Está então visto que o próximo passo não será fazer chegar a todos a informação, esta já chega, e em demasia. Não se tem é controlo sobre a qualidade da informação que é dispersa.
A tarefa do presente é depurar a informação que é dispersa, porque existe informação a mais. O que circula é tanto bom, quanto mau, e portanto há tanta informação como desinformação. Se queremos evoluir como seres informados, temos que passar a informação a um nível totalmente diferente. E isso faz-se pela cultura.
A cultura é um tema central do mundo em que vivemos. Está nela o verdadeiro problema. Porque sem a cultura não é possível distinguir o que é informação do que é desinformação. A cultura dá-nos bases, sólidas, a partir das quais podemos construir a nossa informação.
A tarefa que temos que empreender para dar cultura às pessoas passa pela educação. Uma boa educação consiste na transmissão da cultura, a única informação verdadeira, que permite estabelecer o que é real, e o que não é.
Por enquanto, ainda vamos tendo uma educação medíocre, que não faz uso da nossa capacidade de entendimento, pensamento crítico e sentido da percepção do fenómeno, da sensação, que é a coisa mais real que podemos ver. É preciso dar a volta a este sistema, e, portanto, o que é preciso é apresentar a cultura de uma forma que ela possa ser aprendida, e não apenas repetida, decorada ou automatizada. Para isso já existem máquinas suficientemente capazes. O que é preciso é dar relevo à subjectividade que nasce da individualidade, ao potencial pelo acto, e à palavra pela acção. É preciso dar as condições necessárias para que qualquer pessoa, seja ela quem for, possa ter o prazer de se expressar da maneira que mais conveniente lhe for, para que ela própria possa ser capaz de fazer cultura, e assim multiplicar a cultura que já existe. A única maneira de fazer isso é criando.
A tarefa do presente é depurar a informação que é dispersa, porque existe informação a mais. O que circula é tanto bom, quanto mau, e portanto há tanta informação como desinformação. Se queremos evoluir como seres informados, temos que passar a informação a um nível totalmente diferente. E isso faz-se pela cultura.
A cultura é um tema central do mundo em que vivemos. Está nela o verdadeiro problema. Porque sem a cultura não é possível distinguir o que é informação do que é desinformação. A cultura dá-nos bases, sólidas, a partir das quais podemos construir a nossa informação.
A tarefa que temos que empreender para dar cultura às pessoas passa pela educação. Uma boa educação consiste na transmissão da cultura, a única informação verdadeira, que permite estabelecer o que é real, e o que não é.
Por enquanto, ainda vamos tendo uma educação medíocre, que não faz uso da nossa capacidade de entendimento, pensamento crítico e sentido da percepção do fenómeno, da sensação, que é a coisa mais real que podemos ver. É preciso dar a volta a este sistema, e, portanto, o que é preciso é apresentar a cultura de uma forma que ela possa ser aprendida, e não apenas repetida, decorada ou automatizada. Para isso já existem máquinas suficientemente capazes. O que é preciso é dar relevo à subjectividade que nasce da individualidade, ao potencial pelo acto, e à palavra pela acção. É preciso dar as condições necessárias para que qualquer pessoa, seja ela quem for, possa ter o prazer de se expressar da maneira que mais conveniente lhe for, para que ela própria possa ser capaz de fazer cultura, e assim multiplicar a cultura que já existe. A única maneira de fazer isso é criando.
sexta-feira, 26 de janeiro de 2007
as pessoas, mesmo nós, apressaram-se a subestimar Lamarck. Lamarck dava importância ao indivíduo e à estrutura. À função e à estrutura. Ele manifestava o apreço individual por tudo aquilo que era sujeito. A evolução que ele tratava era intrínseca, não extrínseca e global como a darwiniana. Mas a verdade é que o indivíduo, a pessoa, também se adapta. Nós é que ainda não percebemos bem como é que isso se processa, e então apressamo-nos a dizer que tudo não passa de rubbish.
às vezes, no meio da maratona da vida, páro por momentos na berma do caminho. Para retemperar forças. E pergunto-me, será que isto tudo, e toda esta correria, faz sentido? Porque é que nos havemos de cansar tanto? Nessa altura, vejo uma luz a acenar-me lá ao fundo e recomeço a correr. No one wonders why.
a única razão possível e válida para tirar um curso é credibilidade pública. Se queremos fazer aquilo que somos temos que ter umas letras rabiscadas num papel para impressionar alguém. No fundo, não passa de uma extrema fraqueza de espírito essa de dar mais valor a um papel impresso por mãos alheias do que a algo que alguém faça realmente. Compreender alguém exige, e não é para todos.
quinta-feira, 25 de janeiro de 2007
os grandes génios só o foram por uma questão de extrema lucidez interior. Podiam nem saber muito bem quem eram, ou ao que vinham, mas o certo é que faziam. Eram. A grandeza das pessoas mede-se pelo seu grau de espontaneidade. Quem muito rema no seu barco não sai do mesmo sítio, que é o mesmo de quem rema muito pouco. Há que saber aproveitar a corrente que nos leva.
já vem sendo altura de as pessoas deixarem de franzir o nariz quando se ouve a palavra "metafísica", ou "esoterismo". Esta atitude irreflectida é consequência do ódio que as pessoas têm à religião, que é coisa que nem elas sabem explicar bem. Cá a mim a religião nunca me fez mal nenhum. Estigmatize-se mais a realidade, para se turvar a vista. Assim é que o mundo não tem meio de andar para a frente. A metafísica e o esoterismo são caminhos como o científico ou o artístico. Seja a eles dado o seu lugar, aquele a que têm direito.
uma dificuldade é como um presente. Gera ansiedade, e expectativa, sofre-se para se saber o que vai lá dentro, que nunca se sabe o que é. Até chegar à prenda, é preciso tirar o papel com cuidado, para não rasgar, guardar o laço para depois utilizar. Para não ter chance de estragar o que vai lá dentro. Depois de todo o trabalho, abre-se a caixa. E não é que vale a pena?
e pensar que os nossos antepassados descobridores pensavam que o mundo era só a Europa e pouco mais, e que nem sonhavam nos monstros que não existiam no mar e no pedaço de terra que é a América que se antepunha entre eles e as Índias - orientais, claro. Talvez daqui a muito (ou talvez nem isso) tempo também seja assim connosco, os nossos descendentes pensando em como nós éramos tão cegos face àquilo que está mesmo aqui ao nosso lado...
tenho a noção lúcida de que a forma de ensino que está instalada nas universidades do nosso tempo está condenada ao fracasso. Uma visão estática do mundo não durará muito tempo, porque as pessoas e o mundo evoluem todos, e a história o mostra, no sentido da maior e melhor expressão da potencialidade de cada um. Sonho com o dia em que passará para os livros de história a história do nosso tempo, e as crianças dessa altura rir-se-ão muito dos disparates que se ensinavam nessas universidades, e sobretudo da importância que era dada a esses disparates.
o clima é um dos mais poderosos agentes sociológicos. Veja-se o exemplo de Porto e Lisboa. Duas cidades portuguesas, importantes, é certo. Nada de mais dissemelhante. E tudo por causa de uns quantos graus abaixo, ou acima - dependendo do referencial. No Porto, graus a baixo fazem com que as pessoas fiquem mais rígidas, sejam mais rígidas. São também mais pontuais, mais formais e mais duras. Soturnas, é a palavra. Como o Porto. São mais lunares. Mais nocturnas. Por isso, no que toca ao trabalho, são as melhores. As mais eficientes. A rigidez dá-lhes estrutura.
Lisboa é o oposto. Uns graus a cima, e as pessoas são mais desprendidas. Não têm tantos compromissos, de educação e de carácter. A única formalidade, se é que pode haver alguma, é chegar atrasado a algum encontro, ou mesmo evento. Mesmo além-fronteiras. O estrangeiro é bem-vindo, é bem recebido, não com desconfiança soturna de quem quer proteger o seu precioso para que lho não roubem, mas sim com um à-vontade alentejano. Ou tejano, porque é disso que se trata. A segurança não é tão apertada, e a espontaneidade é maior. Há menos convenções sociais, cada um quer é viver. As ruas são mais abertas, e só pecam quando estão tão abertas que se prostituem ao abandono. Há má gestão, laisser-faire diria um psicólogo, ou o Eça, que tem tanto de bom, o pior é que isso ainda significa que tem também tanto de mau.
Confucionista é o Porto. Taoísta é Lisboa. E Portugal? Nasce do casamento do senhor com a senhora. Ele, sempre muito directo e recto, ocidental. Ela sempre muito curvilínea, oblíqua, em espiral - oriental. Portugal é filho dos dois, e nós somos seus netos. De resto, de Norte a Sul da Pátria, as características variam no meio das que pertencem ao nossos avós, com os graus Celsius - escala que não é absoluta, pois não se pode medir absolutamente o infinitamente variável.
Lisboa é o oposto. Uns graus a cima, e as pessoas são mais desprendidas. Não têm tantos compromissos, de educação e de carácter. A única formalidade, se é que pode haver alguma, é chegar atrasado a algum encontro, ou mesmo evento. Mesmo além-fronteiras. O estrangeiro é bem-vindo, é bem recebido, não com desconfiança soturna de quem quer proteger o seu precioso para que lho não roubem, mas sim com um à-vontade alentejano. Ou tejano, porque é disso que se trata. A segurança não é tão apertada, e a espontaneidade é maior. Há menos convenções sociais, cada um quer é viver. As ruas são mais abertas, e só pecam quando estão tão abertas que se prostituem ao abandono. Há má gestão, laisser-faire diria um psicólogo, ou o Eça, que tem tanto de bom, o pior é que isso ainda significa que tem também tanto de mau.
Confucionista é o Porto. Taoísta é Lisboa. E Portugal? Nasce do casamento do senhor com a senhora. Ele, sempre muito directo e recto, ocidental. Ela sempre muito curvilínea, oblíqua, em espiral - oriental. Portugal é filho dos dois, e nós somos seus netos. De resto, de Norte a Sul da Pátria, as características variam no meio das que pertencem ao nossos avós, com os graus Celsius - escala que não é absoluta, pois não se pode medir absolutamente o infinitamente variável.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2007
as incoerências são insuportáveis. Como o caso do astrólogo que faz mapas astrais às pessoas por dinheiro. Se ele está a ajudar alguém a ser, e não a ter, porque é que fará tanta questão em meter o ter na conversa? A única, justa e máxima, recompensa que pode ter é a satisfação metafísica e impessoal de ter ajudado alguém. Caso contrário, andamos aqui todos a brincar às sanguessugas.
A Regra de Ouro
Todas as universidades deviam empurrar o sujeito a ser autodidacta. Deviam ter um ambiente tal que aquele que não se instruísse por ele próprio estava mal. Mas o que acontece é que os sujeitos vão para ouvir o professor, decorar o mais possível, portar-se bem na aula, fazer uma tese, se for caso disso, e pronto, está o caso arrumado… e ainda por cima saiem de lá com uma terrível ideia: a de que estudaram para terem uma profissão… ora hoje, sobretudo, isso é muito perigoso porque vamos desembocar num mundo em que não haverá profissões… elas só existirão enquanto a coisa não passa a Mundo Novo, porque quando passar… através da técnica… vamos ter muitos tempos livres… e, realmente, a ideia de todos nós é não termos profissão nenhuma…
Agostinho da Silva
Agostinho da Silva
a diferença que existe entre Umberto Eco e Saramago está na semântica. Toda a gente, desde que entenda português, consegue ler Saramago e reconhecer o que ele quer dizer quando tece as suas histórias. O que ali aparece é a evidência, objectivamente evidenciada, e portanto acessível a todos os intelectos, desde os menos aos mais profundos. De outro modo, Eco, como o seu próprio nome, só reverbera numa grande extensão de intelecto. Nele, até o que parece evidente não o é, e mesmo a evidência que ele constrói é subjectiva, revela-se. É por isso que Saramago recebeu o prémio Nobel, mas Eco não.
há nos Grandes Portugueses um misto de destino trágico e predestinação, de aventura e ousadia e de empresa, de crise, de risco e de maneira hábil de tentar superá-los a todos. Um grande português é alguém que escreve enquanto combate, combate enquanto verseja, e pensa em todo o mundo de uma só vez quando fala com uma pessoa, e fala a todos como se estivesse a falar com cada um. Pode ser que um dia ainda encontrem o gene para isso.
não existem reformas pedagógicas, existem apenas agendas políticas. Quando cai uma, cai tudo com ela, tanto o bom como o mau. É esta a instabilidade em que vivemos. Na Roma Antiga eram os imperadores, na nossa era são as agendas culturais. De tão efémera que é, ou que a querem fazer parecer, a cultura não é deixada existir.
concordo com Kuhn quando diz que é necessário conhecer os paradigmas em que a maior parte das pessoas do nosso tempo se move, mas só existe algum valor em conhecê-los e aceitá-los enquanto não existe ou não está bem desenvolvida a atitude crítica. A partir desse momento, toda a aprendizagem que neles se baseie é obsoleta. A verdadeira aprendizagem é aquela que passa pela ruptura de paradigmas, a análise histórica da evolução do pensamento.
terça-feira, 23 de janeiro de 2007
gosto do carácter incerto que é a alma de um blog. Pode toda a gente vir vê-lo, pode vir quem quiser, desde que seja possuidora, por acaso ou por curiosidade, do endereço certo. Pode andar de boca em boca de toda a gente, na graça e na desgraça, na troça e na glória. E pode um dia desaparecer, com um dígito mal terminado, com um código não binário, com um vírus que infecte esta celulazinha do mundo que faz a humanidade. Nunca se sabe.
a ciência é nada mais que história. Porque a ciência não é feita de equações, é feita de experiências e de resultados, de conclusões e de fracassos, de refutações lógicas e de celebrações grandiosas. Não admira que ninguém saiba o que é a ciência. Para os historiadores, é só história, para os cientistas é só matemática, para os psicólogos é psicologia... é bastante entediante tomar conta destas realidades medonhas, que não têm verdadeiramente nada de medonho, simplesmente elas espelham que cada um é o que é, e cada um vê aquilo que é. Não vemos o mundo senão à nossa imagem e semelhança, como diz a Bíblia, em que fez Deus o Homem à sua imagem e semelhança - e Deus poderia fazê-lo à imagem de outra coisa? Mesmo para Deus o Homem teria de ser feito à sua semelhança, porque mesmo Deus só vê o seu mundo. Só o mundo é real.
o verdadeiro problema do mundo é os cientistas só saberem falar científico, e os literatos só saberem falar literário. Trata-se de um problema de comunicação, as pessoas deviam era voltar todas a aprender a ler e a investigar. Ponham-se cientistas a interpretar textos de Pessoa, a aprender os mistérios de Leonardo, a filosofar com Platão. Ponham-se os literatos nos laboratórios, a olhar para as mitocôndrias e células, a falar da gravitação ou do espaço-tempo, da matéria e da anti-matéria. O mundo seria então perfeito.
Navegar é preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
Fernando Pessoa
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
Fernando Pessoa
o problema dos homens reside numa e numa só coisa: pensamento. Uns pensam demais, outros pensam de menos. É muito difícil encontrar uma pessoa que pense na sua devida proporção, que deve ser cuidadosamente calculada com base na sua estatura média, nível de literacia, condicionantes da educação, do contexto sociológico em que se move, presença ou ausência de crença ou outro tipo de religião transcendental ou imanente, grau de conhecimentos científicos, artísticos e jornalísticos, credibilidade e procrastinação. Enfim, capacidade de dizer mentiras. Para uns o difícil é pensar, para outros o difícil é não saber parar de pensar. Os outros, não sabem onde ficam. Cá está a solução para os males do mundo.
o ódio que se tem aos padres e outros missionários da religião no nosso tempo não difere em nada do ódio que os padres e outros missionários da religião tinham às pessoas ateias do seu tempo. Nada de novo se instalou, apenas se mudaram os papéis. A opinião maldita continua a ser a das massas influenciáveis, ou dos sedentos de poder. Os tempos podem mudar, as vontades também, mas o que não muda é o ser.
escrevo para mim mesmo como se estivesse escrevendo para alguém. O que é escrever senão mostrar-se, mostrar aquilo que se sente, aquilo que se pensa? Camões dava-se a conhecer quando se escrevia, Pessoa não gostava de se prostituir, mas não podia evitar dar de si quando escrevia. Navegar não é preciso, escrever é preciso, porque escrever é ser, de que vale correr o mundo inteiro se não se sabe o que se é, se não se sabe, se não se conhece aquilo com que se anda correndo? É o mesmo que permanecer desconhecido ao mundo.
o grande problema do mundo está no uso de cintos. A civilização ocidental habituou-se de tal modo ao uso do cinto que não pode ir para a rua sem fazer uso dele. Os alfaiates, que já não há, e as modistas, que também não, enfim, aqueles que hoje dizem que fazem roupa para as gentes mais não fazem que impingir-lhes coisas que não lhes servem, como a pele de uma cobra que tem que ser deitada fora para que possa nascer uma nova. Uma carcaça adejante, precisando do cinto do decoro burguês e da altiva sensaboria. Aí está o problema da civilização.
os orientais nunca usaram, nem usarão, cintos para nada, e para ninguém. Imaginem o que seria ver um buda chinês, daqueles de ventre bem desenvolvido, e bojudo, com um cinto a tapar-lhe a bela luzidia de uma barriga de mestre? Para além das óbvias indigestões que o pobre teria, ainda bem que ele já tinha atingido o nirvana, que não se importava com isso, o pior era se ainda estivesse a treinar para isso, para além disso, o pobre andaria sempre enjoadíssimo e de mau humor. E assim como é que as pessoas alcançavam a budeidade?
Só os cantores de ópera são sensatos no mundo ocidental: trocam as impressões crepusculares e ofuscantes de uma ribalta burguesa, vá-se lá saber se ela percebe ponta daquilo que para ali se diz, se sabe latim ou italiano, ou se a puseram num instituto de alemão, ou no colégio luso-francês, ou anglo-saxónico, trocam mesmo isso por um ventre e uma imensa caixa torácica, e aposto que um enorme coração de tanto sentimento, e de tanto sentirem, e de tanta reverberação vocal, das cordas, do ar, dos pulmões e da barriga, claro, porque não vamos nós deixar a barriga em misérias, que também somos filhos de deus.
os orientais nunca usaram, nem usarão, cintos para nada, e para ninguém. Imaginem o que seria ver um buda chinês, daqueles de ventre bem desenvolvido, e bojudo, com um cinto a tapar-lhe a bela luzidia de uma barriga de mestre? Para além das óbvias indigestões que o pobre teria, ainda bem que ele já tinha atingido o nirvana, que não se importava com isso, o pior era se ainda estivesse a treinar para isso, para além disso, o pobre andaria sempre enjoadíssimo e de mau humor. E assim como é que as pessoas alcançavam a budeidade?
Só os cantores de ópera são sensatos no mundo ocidental: trocam as impressões crepusculares e ofuscantes de uma ribalta burguesa, vá-se lá saber se ela percebe ponta daquilo que para ali se diz, se sabe latim ou italiano, ou se a puseram num instituto de alemão, ou no colégio luso-francês, ou anglo-saxónico, trocam mesmo isso por um ventre e uma imensa caixa torácica, e aposto que um enorme coração de tanto sentimento, e de tanto sentirem, e de tanta reverberação vocal, das cordas, do ar, dos pulmões e da barriga, claro, porque não vamos nós deixar a barriga em misérias, que também somos filhos de deus.
o universo bloguístico é o sucessor honrado de um manuscrito pessoano. Com a diferença de que o segundo ficava preso num baú, e não era mostrado a ninguém, senão aos mais íntimos. Agora, brada-se aos sete ventos tudo o que temos cá dentro. Para Pessoa seria uma prostituição do ser? Bem, aqui acho que quem ganha mesmo é o Camões, e ele nem sonhava o que poderiam ser as máquinas calculantes em bits e bytes, e códigos binários. Talvez sonhasse, enfim, com um paraíso do ser, do trabalho reformado, dado ao ser para o ser. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
há um quê de metafísico na relação entre a relação da gravitação universal e da força eléctrica de Coulomb. Quem poderia adivinhar que tanto para os maiores corpos do sistema solar como para os mais pequenos corpúsculos que compõem toda a matéria está subjacente a mesma lei do inverso do quadrado, das massas ou das cargas, da gravidade ou da falta dela, que as cargas unem ou repelem, consoante a ocasião. Eis aqui a prova da correspondência do macrocosmos com o microcosmos, tanto fenómenos que se medem em distâncias de anos-luz e googols e seus múltiplos são também os fenómenos que se medem em seus submúltiplos, mostrando que o infinitamente grande e o infinitamente pequeno são, no fundo, o mesmo, apenas com a diferença de que o infinitamente grande é composto por infinitos infinitamente pequenos, que se sucedem de uma forma ordenada, mas sempre sucessiva, de tal forma que a lei que a eles preside não se altera, nem mesmo na curvatura do espaço-tempo criada, isto a ter Einstein razão. Um físico actual não diria o mesmo, mas antes que nem o espaço nem o tempo existem, existem sim, para nós, meros mortais e condenados a viver na liberdade do livre-arbítrio, mas na verdade inexistentes perante o todo, posto que o que existe, para nós, é o mundo, aquilo em que vivemos, o isto e o agora onde nos movemos e onde somos movidos, ou onde julgamos que somos movidos, quando apenas nos movemos a nós próprios.
pão nosso
graças a deus ter eu nascido no alentejo. para saber ao que sabe o sabor do pão verdadeiro.
dedicado a todos os senhores que se julgam poetas sem o serem.
Poema do fecho éclair
Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.
Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.
Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.
Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.
Foi dono da Terra,
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava
Filipe Segundo.
Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.
Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.
O que ele não tinha
era um fecho éclair.
António Gedeão
Poema do fecho éclair
Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.
Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.
Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.
Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.
Foi dono da Terra,
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava
Filipe Segundo.
Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.
Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.
O que ele não tinha
era um fecho éclair.
António Gedeão
a poesia não é prosa. É ritmo, por vezes alucinante, racionalização de sentimento sentido, emoção de pensamento racionalizado. A poesia é espontaneidade. Camões não era nenhum metrómono, nem matemático. Ele ouvia a musa, e assim ela o ditava, assim ele escrevia. Poetar não é pensar. É despir-se do pensamento e ficar a sós com a mente, despir-se de todo o pensamento que a única coisa que resta é o silêncio. Mas esse silêncio não se faz de ausências de sons, faz-se antes de presenças de sentires, de sensações. Não é o suster da respiração, é a respiração correndo alegremente como gota de água num riacho que se sabe que, mais tarde ou mais cedo, acabará no mar. Poesia é deixar-se levar. Escutar a voz da musa. Ninguém escreve sob efeito de programação informática. O melhor linguísta é o pior poeta. O poeta apenas dá porque recebe de mais alto, é canal, conivente, é certo, mas não agente. Como um crivo que filtra água da chuva e retém, por vezes, uma pequena folha, ou um rebento, ora mais tenro, ora mais seco. E o ritmo, o passar da água, essa cadência, o fluir, o que vem e o que veio, o que é faz-se poesia. O monstro do Dr. Frankenstein não enlouqueceu porque tinha uma aparência medonha, ele enlouqueceu, sim, porque ninguém lhe mostrava afecto.
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