A grande contradição dos sistemas filosóficos que se propõem reside muitas vezes numa questão de base, fundamental e transversal a todos eles: a definição do método de tratamento de um determinado tema. Essa metodologia oscila, na maior parte dos casos, entre ou uma abordagem analítica, ou uma abordagem sintética. Aqui se propõe uma nova abordagem que supera ambas.
As abordagens analíticas têm em comum o facto de se basearem na análise das partes, e só posteriormente, e por soma individual dessas partes, considerarem o todo. O todo é, assim, visto como a soma individual das partes, e pode ser então explicado de modo consistente e acabado pela análise das propriedades das partes. Para este modelo atomista, as propriedades do todo são a soma das propriedades das partes que o compõem. Tal perspectiva é redutora porque a percepção humana, tal como a conhecemos, não capta simples e individuais partes excluídas de qualquer contexto. Os avanços na Psicologia, sobretudo no que diz respeito ao estudo das percepções humanas, e neste campo o gestaltismo tem o seu mérito, mostram que nós, seres humanos, percepcionamos todos, ou para utilizar a expressão alemã correspondente (ou, melhor dizendo, mais elucidativa), Gestalts. Definem-se estes "todos" ou "Gestalts" como totalidades organizadas e estruturadas de forma específica (ver os estudos sobre a percepção das chamadas ilusões de óptica, etc.).
Surgem, assim, as perspectivas sintéticas que empregam uma metodologia diametralmente oposta à anterior. Partindo da análise das propriedades das Gestalts, que só é possível depois de estudos muito mais exaustivos e aprofundados, onde se lidam com imensas variáveis a considerar, relevam-se as restrições das Gestalts, ou as parcelas desse sistema que é uma totalidade indivisa, passo a passo. Focando a atenção, sempre ciente do contexto em que se encontra, parte a parte, é possível, mas desta vez com mais dificuldade, dado o grande número de variáveis a considerar (as que dizem respeito ao contexto, ou, por outra, à configuração do sistema da Gestalt), tentar percepcionar qual o papel de cada parte, qual a sua função, ou qual a sua contribuição, para a configuração dessa totalidade organizada. O método comparativo está fundado nestes moldes sintéticos, isto é, parte da visualização dessa totalidade organizada. Porém, e como revés, só é possível assegurar uma dada relação de causa-efeito (por exemplo, a atribuição de uma dada função a uma dada configuração ou restrição do sistema) se, e só se, se obtiver uma boa correlação estatística. Portanto, esta análise está dependente não de relações directas entre os objectos, como no método experimental, em que as variáveis são tão controladas quanto o possível, mas de relações indirectas, todas elas assentes na noção de probabilidade. Ora, resultados deste tipo apenas indicam relações mais prováveis e relações menos prováveis. A elas falta-lhe a objectividade do método experimental, e essa objectividade vem sendo mais necessária, exactamente para definir de forma mais precisa essa complexidade imensa que constitui um sistema organizado, como um sistema biológico, que não é mais que uma totalidade organizada.
Como ambas as abordagens têm as suas vantagens e desvantagens, o ideal seria definir uma abordagem mais global, de modo a superar a tensão, isto é, o conflito que existe entre os partidários de uma metodologia (os resultados laboratoriais são tratados de forma analítica seguindo o método experimental, enquanto que os resultados de campo são tratados de forma sintética e estatística seguindo o método comparativo) e os partidários da outra. Assim, e para esse efeito, postula-se um novo método, que se poderá designar Supra-Atomismo, já que procura abranger a sua vertente analítica a partir da visualização sintética dessas totalidades organizadas, e portanto apresenta-se qualitativamente superior face ao atomismo analítico; ou então a Abordagem dos Princípios Emergentes.
De acordo com os resultados, até à data corroborados por diversas frentes de investigação, do método sintético, os seres humanos percepcionam totalidades organizadas. Portanto, e se assim o é, não haverá melhor ponto de partida para estudar um sistema que começar por identificar qual o todo, ou qual a totalidade organizada, que se pretende estudar. No caso da Biologia este aspecto é particularmente importante, e isso é tanto assim que o método que aqui se propõe parte exactamente de resultados que foram obtidos na área da Ecologia. Mas também é importante ter em mente que estes resultados se aplicam não só à área da Biologia como a todas as restantes áreas em que se pretenda fazer um estudo científico. É preciso frisar bem este ponto, porque se estivermos a braços com um estudo não-científico, então qualquer uma destas conjecturas facilmente se desmorona, já que os axiomas sobre os quais se funda esse estudo não permitem uma abordagem científica válida. Começando então pela identificação da totalidade organizada em estudo, é preciso ainda elaborar outra consideração. Na verdade, a única totalidade realmente existente é aquilo a que chamamos Universo, que é algo que só muito dificilmente se pode imaginar, dada a nossa profunda ignorância em tal campo. Portanto, há que ter em mente sempre que qualquer estudo científico não abordará definitivamente A Gestalt Absoluta, que é o Universo. Partindo da análise de apenas uma parte do Universo, então estaremos sempre a incorrer no erro de considerar uma parte, e não o todo. Mas, dada a observação, aliás curiosa, de que até mesmo a mais ínfima parcela do Universo se comporta como uma totalidade organizada, podemos então aproximar os nossos resultados, os resultados que a partir deste ponto derivaremos, de resultados válidos, ou pelo menos válidos no contexto da totalidade organizada que estamos estudando.
Assim, o estudo começa pela identificação da totalidade organizada, parcela do Universo, que se pretende estudar. Uma vez nomeada essa totalidade organizada, procede-se ao levantamento de características gerais, que podemos associar facilmente a essa totalidade, ou que se podem verificar ocorrer nessa totalidade, e que permitem identificá-la e distingui-la do maior número possível de restantes parcelas do Universo, também totalidades organizadas, que se pretendam estudar. Uma vez definido o objecto de estudo, de forma sintética, ou procurando a síntese pela visão do sistema enquanto totalidade organizada, não é mais possível proceder de forma sintética. O número de variáveis com que teríamos de lidar escapa à nossa compreensão devido à sua imensa complexidade. Então que caminho podemos tomar? Se a abordagem sintética não mais nos dá resultados que possam ser manipulados de forma precisa e rigorosa, portanto, fazendo uso do método experimental, então teremos que partir para uma abordagem analítica. Assim, teremos que relevar as partes do sistema (totalidade organizada, inserida num contexto específico) que fisicamente podemos delimitar umas das outras, ou seja, em que não existe continuidade, ou que podemos isolar. Aqui começa a verdadeira análise, ou seja, é aqui que se faz uso do método experimental: submete-se essa parte, que é uma porção da totalidade que se encontra fisicamente separada de outras partes (ou, em último caso na análise, que pode ser fisicamente separada das outras partes) a diferentes condições experimentais, fazendo variar apenas o valor de uma das variáveis em questão de cada vez, e procurando estabelecer relações de causa-efeito. Procede-se assim para todas as partes do sistema que for possível encontrar fisicamente isoladas, e caso o sistema não fique bem caracterizado com essa abordagem analítica, recorre-se, na medida do que as nossas capacidades o permitirem, à separação física de elementos constituintes dessas partes, para que se caracterize o sistema até onde se pretenda.
Até aqui esta proposta não adianta muitas novidades às restantes abordagens para o estudo de sistemas, mas este último passo, terminantemente decisivo, é talvez aquele que faz toda a diferença. Não basta caracterizar a totalidade organizada de forma sintética, não basta sequer caracterizar cada parte ou cada elemento de cada parte de forma analítica; é preciso, mais que isso, estabelecer a ponte entre ambas, pois é aí que reside o grande mistério da Vida, o momento em que o analítico toca o sintético. Como podemos fazê-lo? Procurando reconstituir o sistema em estudo, a totalidade organizada.
Neste campo podemos seguir ainda duas abordagens diferentes: para reconstituir as interacções que se estabelecem entre as partes do sistema (totalidade organizada) e que dão origem às propriedades especiais e específicas desse todo, podem estudar-se combinações das partes em contexto laboratorial ou então no contexto da totalidade organizada. Os recentes avanços na área da Ecologia, tão interessantes, e sobretudo no âmbito dos chamados princípios emergentes, fundamentam esta escolha. Já foi reconhecido nos estudos de Ecologia que, ao estudar uma dada parcela do mundo, quanto mais se caminha em direcção a níveis de complexidade superior (organismo -> população -> comunidade -> ecossistema -> paisagem -> biótopo -> biosfera) mais surgem novas propriedades, e propriedades que não se encontravam em nenhuma das partes isoladas quando considerado um nível de complexidade inferior. Essas propriedades, chamadas princípios emergentes, os princípios ou propriedades que emergem pela existência de interacções entre as partes de um sistema, são a prova viva de que só considerando o todo, a totalidade organizada, é possível caracterizar de forma mais exacta um dado sistema que se propõem estudar. Assim, é preciso estudar as partes do sistema de duas maneiras: isolando diferentes combinações de partes (primeiro todas as combinações de duas partes, depois todas as combinações de três partes, e assim sucessivamente) em contexto laboratorial, aplicando o método experimental; e, em paralelo, estudar as partes do sistema considerando apenas combinações de partes (da mesma maneira anteriormente explicitada) no contexto do sistema em estudo, da totalidade organizada (tarefa muito mais difícil, dado o grande número de variáveis em questão, mas que também será importante para determinar em que aspecto ou em que aspectos um método difere do outro).
Esta abordagem é tremendamente exaustiva e muito mais laboriosa do que qualquer um dos dois sistemas iniciais. Mas talvez seja aquela que de futuro será a mais indicada, basta para isso que tenhamos capacidade tecnológica para armazenar e processar grandes conjuntos de dados, e depois cruzar toda essa informação. Portanto, há que, primeiro e antes de mais, melhorar a capacidade dos computadores, para que seja possível lidar com quantidade enormes de informação (esta questão começa agora a surgir com a sequenciação dos genomas de várias espécies), e depois é preciso inventar estratégias algorítmicas e matemáticas para processar grandes quantidades de dados, seja para avaliar respostas em função da alteração de variáveis, seja para comparar diferentes conjuntos de dados. Esse irá ser o próximo grande passo da Biologia, e em especial na Ecologia, na Neurobiologia, na Biologia do Desenvolvimento, na Bio-Informática, e nas Genómica, Proteómica e Metabolómica.
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1 comentário:
Estava a quase 24 horas lendo e tentando definir a melhor forma de iniciar a escrita da minha pesquisa...abordagem sintética????...será que está coerente?????.....cara, foi aí que resolví dar uma conferida, e pra minha sorte encontrei sua inspiração...adorei..vc fundamentou a estrutura que havia ´pensado, mas tinha dúvidas...valeu!! encontro ..valeu!
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