quinta-feira, 15 de novembro de 2007

ah, maravilhoso anonimato das horas vagas, como eu te adoro no meu átrio de clausura, como eu te venero sempre que fazes alguém esquecer-se de mim, sempre que a televisão permanece apagada e o telefone não toca, sempre que nem um olhar me fala e tudo permanece na mesma calma, nessa mesma calma em que tudo está, sempre, com um olhar indiferente, perante a vida e perante a morte, perante o azar e perante a sorte. Amo os grandes espaços em imensidão, aqueles que de tão grande a vastidão de me sentir pequeno morre no olhar a chuva das cinzas que cai devagar, e que caindo duplica a sua razão. Amo os grandes ermos sem gente nem pensamentos, só com as ideias do real a bailar em volta, amo os conceitos que há no voo das gaivotas, o planar do falcão, a canção do mocho. Amo os assobios do vento que nos trazem o ar que há em roda, amo essa plena incompreensão de estar-se imerso sendo e não precisar de mais conceitos ou argumentos de chavão, amo essa liberdade que é poder fazer querer sentir achar no seu sítio e em toda a parte, amo essa multiplicidade de formas com que nos partimos e nos repartimos para nos semearmos no chão onde tantos semeiam e tão poucos florescem, onde as ervas crescem a lutar umas com as outras, onde não há paragem ou sossego na vida em rebuliço, amo por isso os grandes silêncios e as grandes praias vazias de gente e cheias de águas e de ondas e de marés e de vidas diferentes da nossa, tão completas e tão cheias, tão perfeitas e tão porosas, tão imensas e tão naturais, tão assim até que não precisam de mais. Amo a prosa leve e descuidada, a rima breve e a fala desensaiada. Amo a canção e a dança que vêm do coração e nos trazem a esperança. Amo esses fins de tardes bravios aonde não chega ninguém, amo os desafios, amos os desabafos, amo os prados os montes os vales em estilhaços de azul e de verde, vermelhos em carmim, amo a fome e a sede, e o ir matá-las mergulhando em mim.

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