sábado, 17 de novembro de 2007

Porque é que só agora começa a despertar um interesse em várias franjas da nossa sociedade por temas místicos? Este comportamento tem uma explicação meramente psicológica, exactamente de acordo com a Teoria da Motivação de Maslow. O que acontece é que o nível de vida do total de indivíduos que habita as sociedades ditas ocidentais aumentou consideravelmente no decurso deste último século, e portanto as necessidades fisiológicas e de segurança dos indivíduos estão agora asseguradas pela existência de estruturas sociais acessíveis a todos. Mesmo as condições de trabalho melhoraram bastante, e o advento das políticas sociais e do próprio socialismo trouxe várias comodidades financeiras que, quer concordem com a sua utilização devida no nosso tempo quer não, não deixam de ser um elemento importante na estabilidade social das populações. Longe estão as sociedades ocidentais das figuras daqueles quadros impressionistas onde se viam multidões e multidões de mendigos que pedinchavam e morriam de frio nas ruas, filhas do trabalho infantil e da opressão da mulher. Mesmo as necessidades de filiação, a estabilidade emocional que pode ser conseguida através de relações sociais estáveis, podem ser facilmente construídas e destruídas, e hoje até de tal forma que mancharia uma qualquer dama do século XIX de vergonha só de pensar em tais procedimentos. Como o ser humano é um ser insatisfeito por natureza, como o ser humano está sempre à procura daquilo que não tem, melhor que isto só o diria o Variações, como o ser humano sente que, ainda assim, todo esse conforto material, e mesmo o conforto psicológico de um ambiente familiar estável, um círculo de amigos sólido, um namorado ou uma namorada se houver caso disso, não chegam para que ele, para que cada um, se sinta plenamente realizado, é aí que o ser humano se volta para a contemplação espiritual. A contemplação espiritual, que se clarifique em que consiste, é nada mais que a expressão no plano do real e do concreto, isto é, a concretização pelas suas próprias mãos, do potencial humano que reside em cada um de nós, da nossa veia de poetas que procura a todo o custo manifestar-se, seja qual for o meio que encontre nesse caminho para levar a cabo esse seu imenso desejo. Bem entendido, o potencial só pode ter lugar para que se possa manifestar se a fome física estiver saciada, se houver um lar, se houver amizades e um sentimento de segurança, e não uma instabilidade de permanente ameaça à integridade física e psíquica de cada um. Mas esse potencial, aquilo que nos torna verdadeiramente humanos, quando encontra um espaço livre no meio de todas as pulsões já satisfeitas, quando é cultivado com aprumo e sentido, logo com força se sobrepõe a todas as outras e se torna no nosso próximo objectivo a atingir. É o desejo de Agostinho em não trabalhar, em ter só prazer: em fazer aquilo para o qual fomos realmente talhados. Ou talvez, não chegando a tanto, poderemos antes dizer que é fazer aquilo que, segundo o contexto histórico em que nos encontramos, e com isto estamos pensando em todos os constrangimentos históricos a que possamos estar sujeitos, melhor nos serve. Esse desejo é espiritual porque, segundo a própria etimologia da palavra, nos surge de um sopro: não se sabe de onde vem, não se sabe para onde vai, sabe-se apenas que surge e que puxa cada indivíduo a fazer isto ou aquilo, de acordo com a sua própria natureza. A receita para compreender melhor esse sopro é a experiência. Temos agora ao nosso dispôr muito tempo livre para que possamos experimentar novas manifestações culturais: tempo para dedicar a uma arte, como a música ou a pintura, e note-se que o que há de novo nesta situação é que podemos dedicarmo-nos à arte sem haver detrimento, de uma maneira geral, de outras necessidades físicas ou psíquicas. Claro que a tecnologia é fundamental neste processo: é pela tecnologia que podemos escapar todos ao trabalhar muitas horas por dia, e passar apenas a trabalhar menos horas. Ou então também podemos dizer que podemos aliar a tecnologia à arte, e a facilidade que temos em aprender ou em criar algo pode estar tão próxima de nós como de um qualquer clique num rato que envia uma sequência de caracteres escritos para um computador e, dele, para todo o mundo...

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