A vocês, a vocês pinguins engravatados que andaram em colégios,
a vocês todo o nojo do mundo, todo o asco e toda a vileza, toda a vergonha e toda a ignorância do mundo,
a vocês que não sabem o que é a vida,
a vocês que quando partem uma unha o vosso mundo desaba,
a vocês que têm os cabelos todos iguais,
a vocês que têm os desalinhos todos aprumados,
a vocês que têm os sorrisos de quem não sabe sorrir na boca,
a vocês que têm tudo e não sabem nada,
a vocês todo o desprezo dandy do mundo,
a vocês os escritórios abafados,
a vocês os fatos e as gravatas,
a vocês os telemóveis topo de gama,
a vocês os jogos de computador pirateados,
a vocês as revistas de saúde masculina,
a vocês os canais de pornografia,
a vocês as vossas vidinhas miseráveis e tortas,
a vocês a vossa miséria rota e desfraldada,
a vocês a imundice do mundo,
a vocês as beatas que sujam a rua,
a vocês o dióxido de carbono dos tubos de escape,
a vocês os grandes carros e os grandes cargos políticos,
a vocês os professores que são poetas sem o serem,
a vocês as grandes ruas, os grandes hotéis de luxo debruados a ouro e chumbo,
a vocês as bengalas de prata,
a vocês os relógios brilhantes e as sedas finas,
a vocês o surf e as modas,
a vocês as namoradas de Carcavelos,
a vocês os morangos com açúcar das vizinhas do andar de baixo,
a vocês tudo o que o dinheiro pode comprar, menos a decência,
a vocês a intrépida estupidez do falso olhar altivo,
a vocês as revistas de banda desenhada,
a vocês os companheirismos postiços,
a vocês as séries de ricos para ricos,
a vocês a obesidade e a indiferença,
a vocês a modorra das horas que passam,
a vocês os fins-de-semana no Estoril e os apartamentos de Verão no Algarve,
a vocês o sexo com ou sem preservativo,
a vocês o capitalismo burocrático,
a vocês a fome no mundo,
a vocês a desreligiosidade,
a vocês A Aparição do Vergílio Ferreira,
a vocês os poetas franceses,
a vocês o que é estrangeiro,
a vocês os filmes com actrizes famosas,
a vocês as faculdades privadas pagas a peso de ouro,
a vocês a casa o carro e a roupa lavada,
a vocês as férias na neve e de patins,
a vocês os irmãos e os animais de estimação,
a vocês a vossa máquina de lavar roupa já enxaguada,
a vocês a vossa curta e breve e miserável existência de cadáveres postos a cagar crianças que foram abortadas à nascença.
A vocês tudo isso e tudo isso para o diabo que vos carregue!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Irra, que novelo de raiva que tu mal conténs dentro de ti e que é, raios partam mas é, tão delicioso de ver transposto para o papel, seja ele virtual ou não!
Sou assumido fã da escrito do macabro e da maledicência, e fiquei pleno de satisfação com este texto!
Bem hajas por isso!
é nosso dever procurar, por todos os meios que estejam ao nosso alcance, destruir, tanto quanto pudermos, todo o vestígio de ficção social que encontremos no nosso caminho. Por ficção social, esclareça-se já aqui, deve entender-se todo o elemento que contribui para a desigualdade na liberdade de desenvolvimento de qualquer porção de potencial humano, seja esse entrave social, cultural, religioso, histórico, sexual ou psíquico. De resto, bem haja quem vem por bem!
Ao ler o teu post, foi inevitável lembrar-me da descarga de raiva e frustração do Edward Norton no 25yh Hour, na já mítica cena do espelho... Gostei da sinceridade inoculada no texto.
Parabéns Daniel!
não conhecia a tão badalada cena, mas está sinceramente boa, agora compreendo o que querias dizer. Também te quero agradecer pelas tuas luminosas sugestões cinéfilas e pelo teu cuidado com a nossa língua, tão exímia, tão precisamente cirúrgica e tão magnífica, a língua dos poetas e dos poemas, o nosso português.
Enviar um comentário