quarta-feira, 14 de novembro de 2007

solução para os males do mundo: soltar a desordem contra a ordem, a loucura contra as ficções sociais.

Deve sublinhar-se que a importância da loucura na vida já foi defendida na Grécia Antiga: podemos ter registo, se não por outros meios pelo menos pelos diálogos platónicos, que Sócrates já fazia o elogio da loucura como estado fundamental para poder existir aquilo a que verdadeiramente se chama de criação, a criação como algo original e singular que faz surgir - por processos que desconhecemos - plenas realidades ricas e individuais como qualquer outro ser que podemos encontrar na rua, e por vezes até com maior riqueza que estes.

Ora, a loucura é o estado a que é necessário chegar, isto é, é o estado que é necessário atingir para que se possa criar - e isto também já o sabemos por Camões, que ouvia a voz da sua Musa, para não falar de todos esses inspirados poetas gregos. Mas a loucura é apenas um estado, isto é, é apenas uma condição, necessária, sim, à criação, mas que apenas predispõe a alma para que seja fecundada pela ideia, pelo conceito, que quando indistintos ou simbolizados aparecem diante de nós feitos sonho. Não é, portanto, de admirar que Fernando Pessoa elogie também, e em grande tom, a loucura, e sobretudo o sonho, posto que é o sonho a meta de todo o estado de loucura, o objecto simbólico e fonte de toda a criação que o Poeta pretende alcançar.

O grande infortúnio em que caímos nós, poetas da geração presente, foi o acaso, se é que acasos existem realmente, de termos nascido numa cultura ocidental extremamente tecnicista, cientifizada e mecanizada segundo estruturas cartesianas. A loucura, já severamente manchada pela psicologia de Freud, adquiriu o sentido, para a estrutura mental de um comum indivíduo, dir-se-ia, nesta nova linguagem probabilística, para a maior parte dos indivíduos da nossa população, um sentido nefasto, nefasto porque não se submete a qualquer tipo de controlo, e portanto nefasto porque não pode ser decomposta analiticamente sem perda das suas propriedades intrínsecas.

O único caminho que nos permitirá desenrolar todas as ideias criadoras que fazem andar o mundo para a frente será o caminho da libertação da loucura, e uma compreensão mais alargada daquilo em que consiste tal estado de abertura mental ao desconhecido. Para que isso possa ser uma realidade e não um mero amontoado de palavras escritas num papel, sugere-se o cultivo dos estados de espírito que podem conduzir a um pleno estado de loucura: procurar o esvaziamento da mente tão apreciado pelos taoístas e budistas, cultivar a ausência de pensamento, dar primazia às sensações, sobretudo as visuais e auditivas, para falar das que chegam do exterior até ao nosso interior, e obedecer às pulsões interiores, sobretudo àquelas que podem ser satisfeitas, para que não se instale um sentimento de impotência generalizado que seria prejudicial para a nossa estrutura psíquica.

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