sábado, 29 de dezembro de 2007
a melhor maneira para nunca deixar embrutecer a imaginação é despojar-se de tudo o que aparecer nela. Assim que chega uma ideia, deite-se ela nesse instante cá para fora. As novas ideias não surgem de mentes cheias de ideias, mas de mentes vazias de qualquer ideia. Uma mente cheia de ideias não pode albergar mais nenhuma; uma mente sempre vazia é capaz de albergar qualquer ideia, e manter-se sempre fresca e jovem exactamente como a mais transparente água se adapta ao recipiente para onde corre.
o videoclip é algo magnífico: atrai muito mais do que a simples música, ou a simples imagem. Há algo de indescritível na junção entre a sucessão de várias imagens e a harmonia dos sons que faz com que a mensagem que cada um desses compassos transporta se eleve muito acima das nossas cabeças, para voar lá longe. Talvez seja porque a sua dimensão significante é ampliada de uma forma incomensurável, talvez seja isso possível pela junção da vibração da música, da vibração da palavra - que como a música é também uma vibração do ar - , pela sucessão da imagem na sua vertente mais simbólica e transcendente.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2007
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
terça-feira, 25 de dezembro de 2007
Os Banqueiros Anarquistas
brevemente: a continuação do conto filosófico de Fernando Pessoa O Banqueiro Anarquista vai mostrar que, de facto, o único regime social que pode ser o verdadeiro Ideal a atingir é o regime anarquista, e o único meio de consegui-lo é tornando-se um anarquista prático, ou seja, um banqueiro anarquista.
pequeno excerto:
- É isso mesmo, como vai V. impedir que haja competição entre cada um desses verdadeiros anarquistas se todos se aplicam no seu comércio capitalista?
O banqueiro olhou para mim com os olhos a brilhar. O brilho pareceu vago por um momento, mas depressa se dissipou e o seu discurso de novo fluía no rio das suas palavras.
- Como já lhe expliquei essa situação não é possível. O único modo de um grande número de pessoas se tornarem anarquistas práticos era se as ficções sociais desaparecessem bruscamente, se não por completo pelo menos em parte; mas ainda assim de uma forma tão visível (pode-se dizer) que a mudança fosse dessa natureza. Ora, como também já lhe mostrei, as ficções sociais tendem a manter-se ao longo do tempo porque quem nasce com a vida facilitada não quer abdicar dela e favorecer aqueles que não têm as oportunidades sociais para se desenvolverem por si. Esta situação resulta imediatamente da existência das ficções sociais, e a nossa história social mostra-nos que este enraizamento das ficções é profundo: V. bem vê que cada revolução não acabou com as ficções sociais, apenas substituiu umas a outras.
Parou por um momento e soltou um grande novelo de fumo a ganhar fôlego para o que aí vinha.
- Note bem: é que até agora limitei-me a explicar o caminho que levei até me tornar um anarquista prático, mas não lhe expliquei como é que as outras pessoas podiam chegar também a anarquistas práticos como eu.
- Ora, mas V. disse-me que, pelas próprias características do seu sistema, não podia ajudar os outros no seu caminho contra as ficções sociais.
- Tem razão, homem. Pela própria natureza do processo anarquista que lhe expliquei, ajudar os outros é reconhecer-lhes a incapacidade de se ajudarem a si próprios, e portanto é o caminho errado a seguir. Mas nada me diz, ainda assim, que não posso eu, banqueiro anarquista – verdadeiramente anarquista, grande açambarcador, se V. quiser –, imaginar como poderá vir a ser o processo pelo qual os outros se transformarão em anarquistas práticos como eu.
pequeno excerto:
- É isso mesmo, como vai V. impedir que haja competição entre cada um desses verdadeiros anarquistas se todos se aplicam no seu comércio capitalista?
O banqueiro olhou para mim com os olhos a brilhar. O brilho pareceu vago por um momento, mas depressa se dissipou e o seu discurso de novo fluía no rio das suas palavras.
- Como já lhe expliquei essa situação não é possível. O único modo de um grande número de pessoas se tornarem anarquistas práticos era se as ficções sociais desaparecessem bruscamente, se não por completo pelo menos em parte; mas ainda assim de uma forma tão visível (pode-se dizer) que a mudança fosse dessa natureza. Ora, como também já lhe mostrei, as ficções sociais tendem a manter-se ao longo do tempo porque quem nasce com a vida facilitada não quer abdicar dela e favorecer aqueles que não têm as oportunidades sociais para se desenvolverem por si. Esta situação resulta imediatamente da existência das ficções sociais, e a nossa história social mostra-nos que este enraizamento das ficções é profundo: V. bem vê que cada revolução não acabou com as ficções sociais, apenas substituiu umas a outras.
Parou por um momento e soltou um grande novelo de fumo a ganhar fôlego para o que aí vinha.
- Note bem: é que até agora limitei-me a explicar o caminho que levei até me tornar um anarquista prático, mas não lhe expliquei como é que as outras pessoas podiam chegar também a anarquistas práticos como eu.
- Ora, mas V. disse-me que, pelas próprias características do seu sistema, não podia ajudar os outros no seu caminho contra as ficções sociais.
- Tem razão, homem. Pela própria natureza do processo anarquista que lhe expliquei, ajudar os outros é reconhecer-lhes a incapacidade de se ajudarem a si próprios, e portanto é o caminho errado a seguir. Mas nada me diz, ainda assim, que não posso eu, banqueiro anarquista – verdadeiramente anarquista, grande açambarcador, se V. quiser –, imaginar como poderá vir a ser o processo pelo qual os outros se transformarão em anarquistas práticos como eu.
domingo, 23 de dezembro de 2007
Quiseram ler a Bíblia
como um livro de História:
acabaram sem glória
a procurar em livros de Geografia
onde ia o Éden que se ouvia
lá longe no eco da memória
Quiseram ler a Bíblia
como um livro de Matemática:
a equação saíu estática
e por mais vento que lhe desse
e sustento que aprouvesse
a solução era errática
Quiseram ler a Bíblia
com um fervor de Religião:
enfiaram um novo Jesus
no centro de uma velha cruz
e sem lhe dar perdão
Mas a Bíblia não é nada disso,
não é música para encher chouriço:
o que viram era só o que em vós havia,
e que de vossa voz ao tropeção saía,
na Bíblia o que vive é o sentido
não o escrito, ou o postiço,
mas o vívido e crescido,
o fruto amadurecido
da Árvore do Conhecimento
que só se tem quando não é colhido,
analisado, esquartejado ou dissolvido,
é aquele que está em todo o lado:
o Espírito Santo renascido.
como um livro de História:
acabaram sem glória
a procurar em livros de Geografia
onde ia o Éden que se ouvia
lá longe no eco da memória
Quiseram ler a Bíblia
como um livro de Matemática:
a equação saíu estática
e por mais vento que lhe desse
e sustento que aprouvesse
a solução era errática
Quiseram ler a Bíblia
com um fervor de Religião:
enfiaram um novo Jesus
no centro de uma velha cruz
e sem lhe dar perdão
Mas a Bíblia não é nada disso,
não é música para encher chouriço:
o que viram era só o que em vós havia,
e que de vossa voz ao tropeção saía,
na Bíblia o que vive é o sentido
não o escrito, ou o postiço,
mas o vívido e crescido,
o fruto amadurecido
da Árvore do Conhecimento
que só se tem quando não é colhido,
analisado, esquartejado ou dissolvido,
é aquele que está em todo o lado:
o Espírito Santo renascido.
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
a razão que faz os surfistas serem pessoas mais francas que as outras pessoas está na água. A convivência com a água durante maiores períodos de tempo faz com que uma maior quantidade das suas emoções seja depurada, e portanto que se apresente mais límpida aos olhos de quem a vê. A água purifica porque permite dissolver não só o açúcar ou sal, mas sobretudo os comprimentos de onda que correspondem às emoções. As suas propriedades são realmente extraordinárias. Ela não só purifica, de alguma forma, talvez mesmo por ser tão especial, e quando se encontra em grandes quantidades, ao interferir com os comprimentos de onda que emitimos, mas também permite transportá-los a todos. Pela água as emoções dissolvem-se e passam por osmose de uns surfistas para outros. É por isso que eles se entendem tão bem, ambos se deram à água, e a água a ambos deu tanto do que são. Por outro lado, também há a adaptação do surfista à água: o surfista, para que possa surfar convenientemente, tem que ser a água que surfa, tem que se transformar na água que passa, para que possa assim acompanhá-la verdadeiramente. Como consequência, aprende a ser fluido como ela. E assim tão fluido que se consegue adaptar a qualquer recipiente onde se coloque. É muito interessante esta relação do surfista com a água, todos deviam ser o surfista na água como o surfista na vida.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
domingo, 16 de dezembro de 2007
sábado, 15 de dezembro de 2007
na cabeça temos duas máquinas
e cada uma pesa em nós de modo distinto
uma máquina é a máquina pensante,
a matemática das engrenagens que
enferruja as nossas juntas. A outra
não é máquina, porque nem sequer
máquina se pode chamar.
É só ar que passa. É só ar
que nos leva sempre a errar.
E é por isso que gosto tanto
e que de tanto gostar nunca me canso,
porque viver é sempre errar.
e cada uma pesa em nós de modo distinto
uma máquina é a máquina pensante,
a matemática das engrenagens que
enferruja as nossas juntas. A outra
não é máquina, porque nem sequer
máquina se pode chamar.
É só ar que passa. É só ar
que nos leva sempre a errar.
E é por isso que gosto tanto
e que de tanto gostar nunca me canso,
porque viver é sempre errar.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA: JORNALISTA DO PÚBLICO DESCOBRE OS GENES DA PRETALHADA
Numa notícia bombástica e nada sensacionalista publicada pelo jornal de altíssima qualidade Público, agora com as cores da moda para atrair traças que se encandeiem facilmente, diz que:
16 por cento dos genes do cientista são de origem negra
Afinal, o Nobel James Watson tem genes negros
(façam o favor de consultar aqui)
Depois de tantos e aturados estudos sobre a sequência do material genético humano, uma jornalista descobriu que existem genes negros! Devo dizer que nem um geneticista poderia ter feito uma descoberta de tal calibre! Parabéns, estão todos de parabéns! Agora fica a dúvida: já que ele descobriu genes que são pretos, será que existem genes amarelos, vermelhos, verdes ou até mesmo cinzento-azulados? É urgente encetar esforços nesta área da coloração genética. Já estou mesmo a ver que nova tecnologia vai despontar dentro de pouco tempo: a pintura de genes. Quem só tem genes monocromáticos vai, certamente, querer fazer umas nuances de outras cores, algo monocromático está completamente fora de moda. Sugiro que façam bandas de duas cores diferentes, alternadas, que agora as riscas bicromáticas estão muito na moda. E fica sempre bem, claro.
Espera lá, ou será que a mulher queria dizer que encontraram os genes que fazem os pretos serem pretos e cheirarem a catinga e falarem aquele português assim muito à preto? Oh meu deus! Proclame-se imediatamente:
Jornalista do Público descobre o gene da pretalhada e mais adianta que James Watson, esse facínora do Nobel, espião americano de americanos para seu proveito próprio, tem genes da pretalhada a dar com um pau!
Ora isto é que dava uma bela notícia! Espero bem que a tecnologia de corte e costura de DNA se desenvolva o mais possível para eu ir tirar todo o resquício de genes de pretos que tiver, e substituir tudo por brancos. Bem, se calhar deixo uns quantos, e aproveito para meter uns genes de chineses, islandeses e brasileiros. A comunidade científica deve estar maravilhada: até hoje ninguém conseguira encontrar o gene dos pretos, mas parece que uma jornalista conseguiu o impensável: de uma assentada só descobriu isso tudo, e ainda por cima no James Watson. Proponho que se tire imediatamente o Nobel da Paz deste ano ao Al Gore e se dê a esta magnífica jornalista que honra todo o mau nome que a sua profissão tem, e também não admira: o capitalismo também consegue alcançar a tão badalada liberdade de imprensa que nos querem vender todos os dias. Mais uma vez, estão todos de parabéns!
16 por cento dos genes do cientista são de origem negra
Afinal, o Nobel James Watson tem genes negros
(façam o favor de consultar aqui)
Depois de tantos e aturados estudos sobre a sequência do material genético humano, uma jornalista descobriu que existem genes negros! Devo dizer que nem um geneticista poderia ter feito uma descoberta de tal calibre! Parabéns, estão todos de parabéns! Agora fica a dúvida: já que ele descobriu genes que são pretos, será que existem genes amarelos, vermelhos, verdes ou até mesmo cinzento-azulados? É urgente encetar esforços nesta área da coloração genética. Já estou mesmo a ver que nova tecnologia vai despontar dentro de pouco tempo: a pintura de genes. Quem só tem genes monocromáticos vai, certamente, querer fazer umas nuances de outras cores, algo monocromático está completamente fora de moda. Sugiro que façam bandas de duas cores diferentes, alternadas, que agora as riscas bicromáticas estão muito na moda. E fica sempre bem, claro.
Espera lá, ou será que a mulher queria dizer que encontraram os genes que fazem os pretos serem pretos e cheirarem a catinga e falarem aquele português assim muito à preto? Oh meu deus! Proclame-se imediatamente:
Jornalista do Público descobre o gene da pretalhada e mais adianta que James Watson, esse facínora do Nobel, espião americano de americanos para seu proveito próprio, tem genes da pretalhada a dar com um pau!
Ora isto é que dava uma bela notícia! Espero bem que a tecnologia de corte e costura de DNA se desenvolva o mais possível para eu ir tirar todo o resquício de genes de pretos que tiver, e substituir tudo por brancos. Bem, se calhar deixo uns quantos, e aproveito para meter uns genes de chineses, islandeses e brasileiros. A comunidade científica deve estar maravilhada: até hoje ninguém conseguira encontrar o gene dos pretos, mas parece que uma jornalista conseguiu o impensável: de uma assentada só descobriu isso tudo, e ainda por cima no James Watson. Proponho que se tire imediatamente o Nobel da Paz deste ano ao Al Gore e se dê a esta magnífica jornalista que honra todo o mau nome que a sua profissão tem, e também não admira: o capitalismo também consegue alcançar a tão badalada liberdade de imprensa que nos querem vender todos os dias. Mais uma vez, estão todos de parabéns!
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Tenho um grande apreço por quem não acredita em Deus.
Eu também não acredito nele.
Acredito nas pedras, na água, na luz que o sol me dá, na erva fresca da manhã
Mas não acredito em Deus.
Deus é uma ideia que as pessoas meteram na cabeça
quando não tinham nada para fazer e os olhos estavam cerrados
e cansados de tantas mentiras.
Mas pode ser que Deus seja uma ideia que as pessoas não meteram na cabeça
pela simples razão de que ela já na cabeça lhes tinha sido metida,
e isso já me faria pensar duas vezes.
Mas se Deus está na cabeça do homem, então
ou o homem ou alguém lhe teve que meter a ideia na cabeça
(se pensarmos que ter uma ideia na cabeça
implica que alguém lá tenha posto alguma coisa)
ou então a ideia sempre lá esteve,
e nesse caso ninguém podia lá meter ideia nenhuma
porque se ela sempre lá esteve, na cabeça,
(fosse a cabeça esta ou outra que desconhecemos)
então não existia o antes de haver a ideia
existia apenas a ideia, e nada mais.
Mas mesmo assim continuo a gostar de quem não acredita em Deus
nem sequer na ideia que têm na cabeça
porque esses procuram o que há na cabeça
antes de haver ideia alguma.
Só haverá pesar se a cabeça onde eles procuram
não passar também ela de uma ideia de cabeça
uma ideia que às vezes tem muitas outras
uma ideia que é sempre tida por muitos outros,
mas isso só se a cabeça for uma ideia.
Mas a ideia que tenho da cabeça, em si mesma, essa,
já é uma ideia de qualquer coisa,
e a ideia que tenho da cabeça é em nada diferente da ideia que tenho de Deus.
E não sei qual ideia é mais real que a outra.
Para mim, são as duas, tão reais
como qualquer outra coisa.
Talvez as cabeças sejam só ideias,
e talvez as ideias sejam só o tudo
que nos é permitido conhecer.
Por isso, e ao contrário do que Caeiro diria,
não me volto para a realidade que está lá fora.
A realidade que está lá fora é igual à realidade que está cá dentro.
Tudo é uma grande ideia do todo,
e todos são pequenas ideias de tudo.
O que é real na nossa cabeça são as ideias, não o que está lá fora.
Lá fora está só o que está cá dentro,
e cá dentro está a ideia onde tudo mora.
Eu também não acredito nele.
Acredito nas pedras, na água, na luz que o sol me dá, na erva fresca da manhã
Mas não acredito em Deus.
Deus é uma ideia que as pessoas meteram na cabeça
quando não tinham nada para fazer e os olhos estavam cerrados
e cansados de tantas mentiras.
Mas pode ser que Deus seja uma ideia que as pessoas não meteram na cabeça
pela simples razão de que ela já na cabeça lhes tinha sido metida,
e isso já me faria pensar duas vezes.
Mas se Deus está na cabeça do homem, então
ou o homem ou alguém lhe teve que meter a ideia na cabeça
(se pensarmos que ter uma ideia na cabeça
implica que alguém lá tenha posto alguma coisa)
ou então a ideia sempre lá esteve,
e nesse caso ninguém podia lá meter ideia nenhuma
porque se ela sempre lá esteve, na cabeça,
(fosse a cabeça esta ou outra que desconhecemos)
então não existia o antes de haver a ideia
existia apenas a ideia, e nada mais.
Mas mesmo assim continuo a gostar de quem não acredita em Deus
nem sequer na ideia que têm na cabeça
porque esses procuram o que há na cabeça
antes de haver ideia alguma.
Só haverá pesar se a cabeça onde eles procuram
não passar também ela de uma ideia de cabeça
uma ideia que às vezes tem muitas outras
uma ideia que é sempre tida por muitos outros,
mas isso só se a cabeça for uma ideia.
Mas a ideia que tenho da cabeça, em si mesma, essa,
já é uma ideia de qualquer coisa,
e a ideia que tenho da cabeça é em nada diferente da ideia que tenho de Deus.
E não sei qual ideia é mais real que a outra.
Para mim, são as duas, tão reais
como qualquer outra coisa.
Talvez as cabeças sejam só ideias,
e talvez as ideias sejam só o tudo
que nos é permitido conhecer.
Por isso, e ao contrário do que Caeiro diria,
não me volto para a realidade que está lá fora.
A realidade que está lá fora é igual à realidade que está cá dentro.
Tudo é uma grande ideia do todo,
e todos são pequenas ideias de tudo.
O que é real na nossa cabeça são as ideias, não o que está lá fora.
Lá fora está só o que está cá dentro,
e cá dentro está a ideia onde tudo mora.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Buracos
Fartou-se de rir
Silvestre Vitalício
quando lhe falaram
do buraco de ozono.
Como podem ser
tão supersticiosos?, perguntou.
Se o céu inteiro é um buraco!, argumentou.
Pecado é o Homem
usar seu vazio
para tapar esse altíssimo nada.
Mia Couto
Mia Couto é um dos maiores poetas vivos do nosso tempo que já passaram a perna há muito para lá do tempo. Tudo nele é poesia, até uma palavra inventada, se for, porque até ele veio, e até nós se mostra. Mas raros são aqueles que deixam de escrever poesia para se tornar nela. Mia Couto já há muito que deixou de ser poeta, agora, estendido, é todo poema.
Silvestre Vitalício
quando lhe falaram
do buraco de ozono.
Como podem ser
tão supersticiosos?, perguntou.
Se o céu inteiro é um buraco!, argumentou.
Pecado é o Homem
usar seu vazio
para tapar esse altíssimo nada.
Mia Couto
Mia Couto é um dos maiores poetas vivos do nosso tempo que já passaram a perna há muito para lá do tempo. Tudo nele é poesia, até uma palavra inventada, se for, porque até ele veio, e até nós se mostra. Mas raros são aqueles que deixam de escrever poesia para se tornar nela. Mia Couto já há muito que deixou de ser poeta, agora, estendido, é todo poema.
domingo, 9 de dezembro de 2007
sábado, 8 de dezembro de 2007
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
a desgraça órfã é a eterna cruz. quando sabemos que outro alguém também sofre com aquilo que nos faz sofrer é como se o nosso sofrimento deixasse de doer tanto, a nossa mágoa já não pesasse como pesava. o sofrimento que é comum a vários partilha-se, a sua importância desvanece-se porque não é propriedade única e exclusiva de uma só pessoa, mas é como se esse grande sofrimento ficasse repartido por muitas cabeças, e o quociente fosse menos pesado que o dividendo. Mas ai daqueles que sofrem com a sua única, própria e exclusiva cruz. Esses, não podem partilhar o seu sofrimento com ninguém, visto que ninguém os compreende. E ninguém os compreende porque ninguém sofre da mesma maneira que eles. E porque não sofrem dessa mesma maneira, para eles é como se esse sofrimento não existisse. E se não é real para eles, então poucos ou nenhuns prestam atenção ao que ele verdadeiramente significa, para a pessoa que o tem, ou ao que ele poderia significar, se ele fosse também deles. É por isso que pesa mais a cruz que se carrega ao pescoço, a única que não pode ser partilhada.
mas há também algo de tesouro nessa cruz, é o facto de ser única. Como é única, e não encontra par, é rara e preciosa, e aquilo que ela significa tem um valor incalculável para nós. A nossa eterna pena é termos a visão tão turvada que não o conseguimos ver. A quem pede aos deuses uma vida alegre e despreocupada, os deuses dão uma vida cheia de prazeres, com que se contentem alegre e despreocupadamente. A quem procura tornar-se um deus vivo, dão os deuses provas e tormentos terríveis, ideias e visões tenebrosas, obstáculos duros e quase intransponíveis, para separar aqueles que são deuses tornando-se daqueles que querem ser deuses por direito próprio. Ninguém é deus pelo simples facto de respirar o mesmo ar que os deuses respiram. Quem quer ser deus, supere os obstáculos intransponíveis, supere-se a si mesmo, dê o salto para fora de dentro de si. Quando todos os obstáculos estiverem ultrapassados então chegaremos à conclusão de que todas essas provas não foram mais que correcções da nossa consciência para que pudesse melhor ver a grandeza que há nela, que sempre houve e que sempre haverá...
mas há também algo de tesouro nessa cruz, é o facto de ser única. Como é única, e não encontra par, é rara e preciosa, e aquilo que ela significa tem um valor incalculável para nós. A nossa eterna pena é termos a visão tão turvada que não o conseguimos ver. A quem pede aos deuses uma vida alegre e despreocupada, os deuses dão uma vida cheia de prazeres, com que se contentem alegre e despreocupadamente. A quem procura tornar-se um deus vivo, dão os deuses provas e tormentos terríveis, ideias e visões tenebrosas, obstáculos duros e quase intransponíveis, para separar aqueles que são deuses tornando-se daqueles que querem ser deuses por direito próprio. Ninguém é deus pelo simples facto de respirar o mesmo ar que os deuses respiram. Quem quer ser deus, supere os obstáculos intransponíveis, supere-se a si mesmo, dê o salto para fora de dentro de si. Quando todos os obstáculos estiverem ultrapassados então chegaremos à conclusão de que todas essas provas não foram mais que correcções da nossa consciência para que pudesse melhor ver a grandeza que há nela, que sempre houve e que sempre haverá...
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
terça-feira, 4 de dezembro de 2007
a inveja, a acérrima inveja, e o egoísmo que dela nasce são aquilo que faz andar o mundo. É pela inveja que temos daquilo que os outros têm e que nós não temos que nos esforçamos a alcançar os nossos ideais somente com o desejo de ultrapassar os outros. O altruísmo é uma forma de egoísmo mais elevado, apenas assenta no maior prazer que podemos sentir por ajudar alguém. É outro vício da consciência, hedonista como qualquer outro, e tão banal enquanto comum a todos os que sentem, e a todos quanto sentes. Todos os seres buscam o prazer, é essa a prioridade máxima em qualquer caso, nem que seja na dor do sacrifício que fazem para alcançar um prazer maior.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
domingo, 2 de dezembro de 2007
amo objectivamente o subjectivo e, portanto, subjectivizo-me objectivamente em tantos sem sair do mesmo para que permaneça sempre o mesmo objectivo e sempre diferentemente subjectivo. Este caminho vai mais além do que o de Pessoa porque Pessoa subjectivizava-se objectivamente saindo de si e transportando-se para outros. Ora, nos tempos que correm, o que é necessário não é separar, visto que tanto há já separado, e que tanto se procura separar. Portanto, o único caminho verdadeiramente válido a seguir é o caminho da união, da reunião ou do casamento. Subjectivizar sem sair do mesmo sítio, já não físico ou psicológico, mas sem sair de si, sem procurar nomear em outros aquilo que se é. De uma vez por todas entenda-se: Pessoa nunca deixou de ser Pessoa quando era Reis, Caeiro, ou outros tantos. Pessoa foi sempre o mesmo Pessoa, apenas levava ao extremo a contemplação subjectivamente analítica que tinha de si mesmo. Mas isso obrigava, por processos que são inerentes a si próprio, a esquartejar conceptualmente aquilo que era, ou aquilo que sentia. O que falta entender, acima de tudo, é que hoje como ontem Pessoa nunca deixou de ser Pessoa, e cada Poeta que poetava era uma porção diferente do todo indissociável que Pessoa era. Pessoa era isso tudo ao mesmo tempo, apenas se partia na dimensão temporal e se paria na dimensão espacial para que melhor se pudesse entender, para que melhor pudesse ser entendido. Mas hoje isso já não chega. O que é preciso fazer, hoje, é juntar o espaço com o tempo, o um com o outro, o ser com o existir, a certeza com a incerteza. Disso, o que resultará, não se sabe. Nem pode ser nomeado, se é que se poderá nomear tal coisa. Se se pudesse, talvez se dissesse que era a coisa sendo, ela própria, e não sendo, ao mesmo tempo, e sobre todos os aspectos. E essa coisa é a vida, é o próprio universo, são os saltos quânticos entre lagoas de infinito. O que é preciso é transpôr-se essa lagoa nunca deixando, nem por um momento, de a ser, ela mesma, profunda e grande, grande e profunda. O que é preciso é deixar-se ir sendo, à vontade como quem vai boiando ao sabor da maré, arrastado pela corrente do momento. É abrir as comportas do pensamento e as portadas da chaminé. Deixar o fumo entrar e depois sair com ele, permanecendo sempre onde se está, em todo o lado e em parte nenhuma. Viver o paradoxo não como o paradoxo, em si, que se é, mas paradoxo sendo e não sendo ao mesmo tempo, ora presente ora ausente, sem noção de liberdade ou de dia futuro, sem noção de noite ou dia, de humanidade ou de bestialidade, sem qualquer noção desarticulada sobre o que quer que seja, apenas sendo e não sendo, fazendo e apagando, e estando sempre superior a tudo isso e no cerne da vida. Matar para viver, matar-se para deixar viver, viver para se ir matando e vivificando a realidade no sonho, ou sonhando com a realidade, deixando o sonho entregue a si mesmo. Sem horas, relógios, horários ou conceitos, e fazendo crer que cada um deles é importante quando o não é. Usar os instrumentos sendo os próprios instrumentos, tocar-se e soprar-se, percutir-se, e estando sempre a observar-se de fora, a observar-se como uma plateia gigantesca de ideias fervilhando cada uma para seu lado, todas juntas e todas diferentes, todas iguais e todas unas. Uma orquestra que se toca e se assiste a si própria ao mesmo tempo, falando em silêncio e em silêncio permanecendo. Com um pé no palco e outro na cadeira, e sem os dois pés no chão, com a cabeça sem ar a ser atravessada, sentindo e pensando, revolvendo o olhar em qualquer direcção. Desarmando os bandidos para usar as suas armas contra eles, para usar as suas armas contra nós e contra todos nós, para dar as armas aos outros para que os outros nos possam desarmar, para deixar-nos armados e desarmados, conscientes e inconscientes, a falar e a desconversar, sempre aos pares de cada conjunto ímpar. Nesta época em que cada coisa cada vez é mais incipiente, usar cada coisa para mostrar a sapiência, trocar as voltas ao mestre e ao mestrando, ensinar os professores a aprenderem para que os alunos aprendam consigo mesmo, e até que consiguem ensinar os professores sem deixarem de ser alunos. A maior virtude da vida é ser-se aquilo que se é sem saber, sem saber que se é, mas sabendo-o, ou melhor, sentindo-o como quem não sabe o que é sentir, mas que sente apenas sem precisar de sentir aquilo que vai percorrendo. Saber-se e desconhecer-se, liberdade de vendaval gritante pelas encostas do vento escorregando. Despersonalizar-se personalizando a sua imagem de síntese autoritária e permissiva a tudo. Desprender-se e prender-se a si, soltar as amarras da sua consciência para vigiar o inconsciente de cada vez que se liberta, e rir de si próprio a plenos pulmões, para chorar de si mais à vontade, sentir, sentir, sentir e sentir, o gosto da chuva, o sabor do vento, a idade da morte, o saber ao certo e ao incerto, ao vento e ao monte, à lua e ao sol, a tudo o que nos existe, nos assiste, por dentro como por fora, por fora como por dentro, de todas as maneiras e de todos os modos, nunca deixando de ser aquilo que é cá dentro e nunca deixando a sua pele de fora, armadura esquelética e férrea do interior exposto, exterior de placas e de camadas gordurosas inertes internas. O que há a fazer é casar o Pessoa com o António Botto, a Virginia Woolf com o Henrique VIII, o Newton com a Maria Montessori, Da Vinci com o Cesariny e Júlio Dantas com o Giordano Bruno.
uma grande vantagem na vida é ter uma memória muito grande. Assim sabemos quem fala verdade e quem fala mentira, quem diz e quem faz e quem faz sem dizer, ou quem diz sem fazer, quem diz o que dissémos e faz o que não fizemos, quando dizemos o que fazemos e quando dizemos aquilo que outros nos disseram. Toda a consciência do que é a vida passa pela memória daquilo que não existe mas que foi, daquilo que já passou e não acontece, daquilo que é a causa do agora e que já não tem substância própria.
a publicidade é o lixo mental do nosso século. Ela instala-se no nosso cérebro, bem pronta a atacar quando menos esperamos. Esta nova forma de condicionamento neopavloviano procura criar redes de associações mentais que emparelhem estímulos neutros com sentimentos bons e agradáveis em relação aos produtos que se procuram vender. Os hipermercados estão construídos de tal forma que deixam a mente num estado dormente: as suas grandes dimensões aglomeram muitas pessoas, o que cansa muito a mente porque ela mal consegue compreender uma pessoa de cada vez; a sua música de elevador, comercial, para grandes massas, segue os compassos da música popular, de modo a ficar no ouvido e a adormecer a nossa atenção instilando soporíferos; a nossa já degradada concentração percorre prateleiras e prateleiras infinitas do labiríntico capitalismo de modo a que não consigamos encontrar aquilo que pretendemos e de modo a que fiquemos presos naquela masmorra horrível; os locais onde se encontram os produtos mudam sucessiva e ciclicamente para que ainda nos percamos mais nesses labirintos e não saiamos dali sem encontrar, pelo menos, trezentos minotauros; as coisas que se querem vender estão mesmo ao nível dos olhos, à mão de semear, bem como as promoções de produtos que estão quase fora de prazo; toda esta dormência mental é necessária para que, quando a nossa memória passa em revista um produto, se lembre do anúncio mais assim ou mais assado ao qual associou sentimentos favoráveis e acabe por levá-lo, a favor ou contra a sua vontade, faça-lhe esse produto falta ou não, e sobretudo para que leve cada um de nós ao endividamento extremo, que é o penhor em punho. Por isso detesto a publicidade e detesto quem a publicita, detesto a imposição externa e a serenidade acrítica, detesto a imposição forçada e a obediência extrema, por isso detesto a televisão com os seus anúncios intermináveis, por isso detesto letreiros luminosos de néon, por isso detesto aqueles que querem que nós pensemos da maneira que eles pensam, por isso detesto frases e ideias já feitas, e por isso também não sigo, e me recuso terminantemente a seguir, qualquer caminho que já foi traçado, qualquer caminho que já foi percorrido, e qualquer caminho que já foi pensado. A publicidade é a inimiga do homem: é a corrupção da mente, a infantilidade do juízo. E não admira nada que a publicidade seja algo horrível e deturpador, nasceu de mentes nacionais-socialistas que eram a versão capitalista da ditadura.
Queimem todos os panfletos capitalistas!
Morte aos produtos do consumismo!
Bombas para os hipermercados e supermercados!
Curto-circuitos para as televisões!
Morte às embalagens de plástico!
Vómitos para cima das grandes empresas!
Não, não e não a tudo o que for embalado!
Não às sopas instantâneas!
Mijo para cima das comidas já preparadas!
Desconfiança para tudo o que cheirar a dinheiro, e sobretudo quando europeu!
Vivam os rissóis da vizinha de baixo!
E as frutas e os legumes da praça ao princípio do dia!
Vivam os queijos ilegais e as vacas malhadas!
E os canteiros e as hortas maninhos e daninhas!
Vivam os caracóis que comem as couves!
E as lagartas que são as mães das borboletas!
Vivam os pulgões e as joaninhas que os comem!
Vivam a Lua, o Sol, as estações do ano e os cometas!
Queimem todos os panfletos capitalistas!
Morte aos produtos do consumismo!
Bombas para os hipermercados e supermercados!
Curto-circuitos para as televisões!
Morte às embalagens de plástico!
Vómitos para cima das grandes empresas!
Não, não e não a tudo o que for embalado!
Não às sopas instantâneas!
Mijo para cima das comidas já preparadas!
Desconfiança para tudo o que cheirar a dinheiro, e sobretudo quando europeu!
Vivam os rissóis da vizinha de baixo!
E as frutas e os legumes da praça ao princípio do dia!
Vivam os queijos ilegais e as vacas malhadas!
E os canteiros e as hortas maninhos e daninhas!
Vivam os caracóis que comem as couves!
E as lagartas que são as mães das borboletas!
Vivam os pulgões e as joaninhas que os comem!
Vivam a Lua, o Sol, as estações do ano e os cometas!
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
O Regresso da ASAE
Cinema Quarteto em Lisboa encerrado
O cinema Quarteto, em Lisboa, foi hoje encerrado por falta de condições de segurança, sobretudo de prevenção de incêndios, disse à Lusa a inspectora-geral das Actividades Culturais, Paula Andrade. "Falta um sistema automático de detecção de incêndios, há reposteiros de material altamente inflamável a tapar caminhos de evacuação e revestimentos de paredes e tectos em material também muito inflamável", descreveu Paula Andrade à Lusa. A inspectora-geral das Actividades Culturais referiu igualmente que o cinema, com 33 anos, situado numa rua paralela à Avenida dos Estados Unidos da América, apresenta "muita falta de manutenção no recinto, sobretudo ao nível das instalações eléctricas". A falta de um sistema de extracção de fumos foi outra das irregularidades apontadas pela responsável. "O encerramento durará até as anomalias serem corrigidas", garantiu Paula Andrade. Contactado pelo Lusa, Carlos Pagará, da Associação Cine-Cultural da Amadora, que explora os cinemas, contestou a decisão, defendendo que deveria ter sido dado um prazo para regularização da situação.
(edição online do Jornal de Notícias)
Depois de um grande sono de mil anos eis que a Grande Múmia Capitalista acorda de novo, e desta vez com um apetite voraz insaciável. Começou a comer tudo por onde passava, fosse novo ou velho, bom ou mau, e no fim ainda nos vomita em cima. A sua Maldição caíu sobre nós. Nesta sua nova encarnação, ou entrapação porque a carne já não é muita, ela adoptou a forma da grande entidade reguladora que dá pelo nome de ASAE. Mas também não é nada de admirar: para uma entidade que foi chamada Autoridade de Segurança Alimentar e Económica não se pode esperar muito. Para já é uma autoridade, verdadeira herdeira do legado PIDEsco e que serve muito bem os desejos cretinizantes dos governos socialistas. Depois, é uma Autoridade de Segurança, ou seja, usa da sua Autoridade para manter a Segurança das populações, diz-lhes o que devem comer, o que devem beber, o que devem ver, onde devem ir e como devem pensar para se manterem em segurança, já que quem tem uma ideia própria ou quem diz mal do governo ou é escutado (sendo o meio preferido a escuta telefónica), ou é perseguido (veja-se o caso da intervenção policial na questão da manifestação sindical), ou é despedido (falar mal do Chefe de Estado, mesmo quando verdade, é proibido em todos os estados democráticos), ou então leva com um processo em cima, e, pior que isso tudo, ainda há aqueles que vão para o Instituto Piaget para serem professores (as Modernas e as Independentes só servem as medidas de futuros chefes de estado, não vamos lá confundir as coisas). Mas o que faz realmente sentido é esta múmia ser uma Autoridade Económica, porque explica de uma vez só, e sem precisar de mais palavras, qual o seu objectivo: puramente capitalista, economicista, a verdadeira Inquisição dos tempos modernos que é alimentada a dinheiro que vai parar sempre aos sacos azuis de uns poucos. Mas também é normal que neste país ninguém reclame nada: estão todos habituados a ver múmias a andar pela rua, e portanto mais uma ou mais outra não faz assim tão grande diferença.
este pedaço de terra
este pedaço de terra chama-se Europa porque está continuamente a ser raptado pelo grande touro que atropela tudo e todos no seu caminho para o abismo: o capitalismo cego e desenfreado.
MOVIMENTO SLOW FOOD
Como bons portugueses e bons garfos que somos vamos lá responder a este ultrajante vilipêndio face à identidade culinária nacional:
1) Optaremos sempre por produtos nacionais e recusaremos essas porcarias adulteradas do estrangeiro, sobretudo todas aquelas que orgulhosamente se intitularem familiares dessa aberração genética que é a fast-food;
2) Cuspiremos sempre em cima do primeiro hambúrger que nos aparecer à frente;
3) Dobraremos o número de mastigadelas que daremos para saborear melhor a comida, activando o paladar e conseguindo sentir melhor o que é bom e o que é mau;
4) Atrasar-nos-emos tantas as vezes quantas as necessárias para saborear melhor um belo prato português, daqueles que abrilhantam a nossa gastronomia;
5) QUE FIQUE BEM CLARO: PORTUGAL É MUITO PROVAVELMENTE O PAÍS DESSA COISA A QUE DERAM O NOME DE EUROPA ONDE SE COME MELHOR, DESAFIO ALGUÉM A CONTRADIZER ESTE POSTULADO QUE CARACTERIZA DE FORMA DETERMINANTE E SEMPRE CARACTERIZOU O VERDADEIRO ESPÍRITO PORTUGUÊS
6) O bacalhau será sempre à Gomes-de-Sá ou à Brás e NUNCA frito, a açorda será sempre alentejana e NUNCA uma papa de farinha e camarão descosido, o cozido será SEMPRE à portuguesa, seja com grão ou com feijão, e sempre com bastante couve, o choco há-de ser sempre frito ou grelhado à maneira de Setúbal, e a cortiça dos sobreiros do nosso Alentejo, e as castanhas das nossas castanheiras, e a amêndoa do Algarve, e o queijo de Seia, e a broa de milho há-de ser sempre estaladiça e amassada com as mãos das gentes que a vivem na boca e no estômago, o vinho há-de ser sempre pisado pelos homens que andaram nas vindimas, e as rolhas hão-de ser sempre de cortiça da mais pura, onde os líquenes se demoram, e com todos eles a NOSSA salsa e os NOSSOS coentros, a NOSSA hortelã e as NOSSAS pêras. Recusaremos e desconfiaremos terminantemente de tudo aquilo que vier embalado, pronto a consumir, de tudo aquilo que estiver congelado, desamassado, liofilizado, desidratado, esquentado, irradiado, ou qualquer outro intermédio artificial, e sobretudo quando em promoção.
7) A comida é, foi, e será sempre sagrada para um verdadeiro português. Se esse não for o caso então esse alguém que assim o achou deixou nesse momento, e de uma vez só, de ser português.
RECUSEMOS A COMIDA QUE VEM EMBALADA EM MÁQUINAS AUTOMÁTICAS!
RECUSEMOS OS HAMBÚRGUERES, AS PIZZAS, O PEIXE FRITO EM ÓLEO INDUSTRIAL, O FRANGO FRITO EM ÓLEO INDUSTRIAL!
RECUSEMOS OS TRANSGÉNICOS DE UMA VEZ POR TODAS! A NATUREZA JÁ NOS DÁ TUDO O QUE PRECISAMOS, E SE TEMOS PROBLEMAS É PORQUE OS RECURSOS QUE EXISTEM NÃO SÃO PARTILHADOS ENTRE TODOS NÓS!
RECUSEMOS TODO E QUALQUER ATENTADO CONTRA A NOSSA LIBERDADE GASTRONÓMICA, CONTRA A NOSSA IDENTIDADE NACIONAL E RECUSEMOS TERMINANTEMENTE QUALQUER SUBMISSÃO A INTERESSES CAPITALISTAS ESTRANGEIROS E COM UMA INFINITA FALTA DE GOSTO!
1) Optaremos sempre por produtos nacionais e recusaremos essas porcarias adulteradas do estrangeiro, sobretudo todas aquelas que orgulhosamente se intitularem familiares dessa aberração genética que é a fast-food;
2) Cuspiremos sempre em cima do primeiro hambúrger que nos aparecer à frente;
3) Dobraremos o número de mastigadelas que daremos para saborear melhor a comida, activando o paladar e conseguindo sentir melhor o que é bom e o que é mau;
4) Atrasar-nos-emos tantas as vezes quantas as necessárias para saborear melhor um belo prato português, daqueles que abrilhantam a nossa gastronomia;
5) QUE FIQUE BEM CLARO: PORTUGAL É MUITO PROVAVELMENTE O PAÍS DESSA COISA A QUE DERAM O NOME DE EUROPA ONDE SE COME MELHOR, DESAFIO ALGUÉM A CONTRADIZER ESTE POSTULADO QUE CARACTERIZA DE FORMA DETERMINANTE E SEMPRE CARACTERIZOU O VERDADEIRO ESPÍRITO PORTUGUÊS
6) O bacalhau será sempre à Gomes-de-Sá ou à Brás e NUNCA frito, a açorda será sempre alentejana e NUNCA uma papa de farinha e camarão descosido, o cozido será SEMPRE à portuguesa, seja com grão ou com feijão, e sempre com bastante couve, o choco há-de ser sempre frito ou grelhado à maneira de Setúbal, e a cortiça dos sobreiros do nosso Alentejo, e as castanhas das nossas castanheiras, e a amêndoa do Algarve, e o queijo de Seia, e a broa de milho há-de ser sempre estaladiça e amassada com as mãos das gentes que a vivem na boca e no estômago, o vinho há-de ser sempre pisado pelos homens que andaram nas vindimas, e as rolhas hão-de ser sempre de cortiça da mais pura, onde os líquenes se demoram, e com todos eles a NOSSA salsa e os NOSSOS coentros, a NOSSA hortelã e as NOSSAS pêras. Recusaremos e desconfiaremos terminantemente de tudo aquilo que vier embalado, pronto a consumir, de tudo aquilo que estiver congelado, desamassado, liofilizado, desidratado, esquentado, irradiado, ou qualquer outro intermédio artificial, e sobretudo quando em promoção.
7) A comida é, foi, e será sempre sagrada para um verdadeiro português. Se esse não for o caso então esse alguém que assim o achou deixou nesse momento, e de uma vez só, de ser português.
RECUSEMOS A COMIDA QUE VEM EMBALADA EM MÁQUINAS AUTOMÁTICAS!
RECUSEMOS OS HAMBÚRGUERES, AS PIZZAS, O PEIXE FRITO EM ÓLEO INDUSTRIAL, O FRANGO FRITO EM ÓLEO INDUSTRIAL!
RECUSEMOS OS TRANSGÉNICOS DE UMA VEZ POR TODAS! A NATUREZA JÁ NOS DÁ TUDO O QUE PRECISAMOS, E SE TEMOS PROBLEMAS É PORQUE OS RECURSOS QUE EXISTEM NÃO SÃO PARTILHADOS ENTRE TODOS NÓS!
RECUSEMOS TODO E QUALQUER ATENTADO CONTRA A NOSSA LIBERDADE GASTRONÓMICA, CONTRA A NOSSA IDENTIDADE NACIONAL E RECUSEMOS TERMINANTEMENTE QUALQUER SUBMISSÃO A INTERESSES CAPITALISTAS ESTRANGEIROS E COM UMA INFINITA FALTA DE GOSTO!
ASAE: a NeoPIDE
A MEIA DÚZIA DE LAVRADORES que comercializam directamente os seus produtos e que sobreviveram aos centros comerciais ou às grandes superfícies vai agora ser eliminada sumariamente. Os proprietários de restaurantes caseiros que sobram, e vivem no mesmo prédio em que trabalham, preparam-se, depois da chegada da "fast food", para fechar portas e mudar de vida.
Os cozinheiros que faziam a domicílio pratos e "petiscos", a fim de os vender no café ao lado e que resistiram a toneladas de batatas fritas e de gordura reciclada, podem rezar as últimas orações. Todos os que cozinhavam em casa e forneciam diariamente, aos cafés e restaurantes do bairro, sopas, doces, compotas, rissóis e croquetes, podem sonhar com outros negócios. Os artesãos que comercializam produtos confeccionados à sua maneira vão ser liquidados.
A SOLUÇÃO FINAL vem aí. Com a lei, as políticas, as polícias, os inspectores, os fiscais, a imprensa e a televisão. Ninguém, deste velho mundo, sobrará. Quem não quer funcionar como uma empresa, quem não usa os computadores tão generosamente distribuídos pelo país, quem não aceita as receitas harmonizadas, quem recusa fornecer-se de produtos e matérias-primas industriais e quem não quer ser igual a toda a gente está condenado.
Estes exércitos de liquidação são poderosíssimos: têm Estado-maior em Bruxelas e regulam-se pelas directivas europeias elaboradas pelos mais qualificados cientistas do mundo; organizam-se no governo nacional, sob tutela carismática do Ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho; e agem através do pessoal da ASAE, a organização mais falada e odiada do país, mas certamente a mais amada pelas multinacionais da gordura, pelo cartel da ração e pelos impérios do açúcar.
EM FRENTE À FACULDADE onde dou aulas, há dois ou três cafés onde os estudantes, nos intervalos, bebem uns copos, conversam, namoram e jogam às cartas ou ao dominó. Acabou! É proibido jogar! Nas esplanadas, a partir de Janeiro, é proibido beber café em chávenas de louça, ou vinho, águas, refrigerantes e cerveja em copos de vidro. Tem de ser em copos de plástico. Vender, nas praias ou nas romarias, bolas de Berlim ou pastéis de nata que não sejam industriais e embalados? Proibido.
Nas feiras e nos mercados, tanto em Lisboa e Porto, como em Vinhais ou Estremoz, os exércitos dos zeladores da nossa saúde e da nossa virtude fazem razias semanais e levam tudo quanto é artesanal: azeitonas, queijos, compotas, pão e enchidos.
Na província, um restaurante artesanal é gerido por uma família que tem, ao lado, a sua horta, donde retira produtos como alfaces, feijão verde, coentros, galinhas e ovos? Acabou. É proibido. Embrulhar castanhas assadas em papel de jornal? Proibido.
Trazer da terra, na estação, cerejas e morangos? Proibido. Usar, na mesa do restaurante, um galheteiro para o azeite e o vinagre é proibido. Tem de ser garrafas especialmente preparadas.Vender, no seu restaurante, produtos da sua quinta, azeite e azeitonas, alfaces e tomate, ovos e queijos, acabou. Está proibido.
Comprar um bolo-rei com fava e brinde porque os miúdos acham graça? Acabou. É proibido. Ir a casa buscar duas folhas de alface, um prato de sopa e umas fatias de fiambrepara servir uma refeição ligeira a um cliente apressado? Proibido.
Vender bolos, empadas, rissóis, merendas e croquetes caseiros é proibido. Só industriais.É proibido ter pão congelado para uma emergência: só em arcas especiais e com fornos de descongelação especiais, aliás caríssimos. Servir areias, biscoitos, queijinhos de amêndoa e brigadeiros feitos pela vizinha, uma excelente cozinheira que faz isto há trinta anos? Proibido.
AS REGRAS, cujo não cumprimento leva a multas pesadas e ao encerramento do estabelecimento, são tantas que centenas de páginas não chegam para as descrever. Nas prateleiras, diante das garrafas de Coca-Cola e de vinho tinto tem de haver etiquetas a dizer Coca-Cola e vinho tinto. Na cozinha, tem de haver uma faca de cor diferente para cada género. Não pode haver cruzamento de circuitos e de géneros: não se pode cortar cebola na mesma mesa em que se fazem tostas mistas.
No frigorífico, tem de haver sempre uma caixa com uma etiqueta "produto não válido", mesmo que esteja vazia. Cada vez que se corta uma fatia de fiambre ou de queijo para uma sanduíche, tem de se colar uma etiqueta e inscrever a data e a hora dessa operação. Não se pode guardar pão para, ao fim de vários dias, fazer torradas ou açorda. Aproveitar outras sobras para confeccionar rissóis ou croquetes? Proibido.
Flores naturais nas mesas ou no balcão? Proibido. Têm de ser de plástico, papel ou tecido. Torneiras de abrir e fechar à mão, como sempre se fizeram? Proibido. As torneiras nas cozinhas devem ser de abrir ao pé, ao cotovelo ou com célula fotoeléctrica. As temperaturas do ambiente, no café, têm de ser medidas duas vezes por dia e devidamente registadas.
As temperaturas dos frigoríficos e das arcas têm de ser medidas três vezes por dia, registadas em folhas especiais e assinadas pelo funcionário certificado. Usar colheres de pau para cozinhar, tratar da sopa ou dos fritos? Proibido. Tem de ser de plástico ou de aço. Cortar tomate, couve, batata e outros legumes? Sim, pode ser. Desde que seja com facas de cores diferentes, em locais apropriados das mesas e das bancas, tendo o cuidado de fazer sempre uma etiqueta com a data e a hora do corte.
O dono do restaurante vai de vez em quando abastecer-se aos mercados e leva o seu próprio carro para transportar uns queijos, uns pacotes de leite e uns ovos? Proibido. Tem de ser em carros refrigerados.
TUDO ISTO, como é evidente, para nosso bem. Para proteger a nossa saúde. Para modernizar a economia. Para apostar no futuro. Para estarmos na linha da frente. E não tenhamos dúvidas: um dia destes, as brigadas vêm, com estas regras, fiscalizar e ordenar as nossas casas. Para nosso bem, pois claro.
António Barreto faz-nos o «Retrato da Semana» - Público de 25 de Novembro de 2007
Os cozinheiros que faziam a domicílio pratos e "petiscos", a fim de os vender no café ao lado e que resistiram a toneladas de batatas fritas e de gordura reciclada, podem rezar as últimas orações. Todos os que cozinhavam em casa e forneciam diariamente, aos cafés e restaurantes do bairro, sopas, doces, compotas, rissóis e croquetes, podem sonhar com outros negócios. Os artesãos que comercializam produtos confeccionados à sua maneira vão ser liquidados.
A SOLUÇÃO FINAL vem aí. Com a lei, as políticas, as polícias, os inspectores, os fiscais, a imprensa e a televisão. Ninguém, deste velho mundo, sobrará. Quem não quer funcionar como uma empresa, quem não usa os computadores tão generosamente distribuídos pelo país, quem não aceita as receitas harmonizadas, quem recusa fornecer-se de produtos e matérias-primas industriais e quem não quer ser igual a toda a gente está condenado.
Estes exércitos de liquidação são poderosíssimos: têm Estado-maior em Bruxelas e regulam-se pelas directivas europeias elaboradas pelos mais qualificados cientistas do mundo; organizam-se no governo nacional, sob tutela carismática do Ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho; e agem através do pessoal da ASAE, a organização mais falada e odiada do país, mas certamente a mais amada pelas multinacionais da gordura, pelo cartel da ração e pelos impérios do açúcar.
EM FRENTE À FACULDADE onde dou aulas, há dois ou três cafés onde os estudantes, nos intervalos, bebem uns copos, conversam, namoram e jogam às cartas ou ao dominó. Acabou! É proibido jogar! Nas esplanadas, a partir de Janeiro, é proibido beber café em chávenas de louça, ou vinho, águas, refrigerantes e cerveja em copos de vidro. Tem de ser em copos de plástico. Vender, nas praias ou nas romarias, bolas de Berlim ou pastéis de nata que não sejam industriais e embalados? Proibido.
Nas feiras e nos mercados, tanto em Lisboa e Porto, como em Vinhais ou Estremoz, os exércitos dos zeladores da nossa saúde e da nossa virtude fazem razias semanais e levam tudo quanto é artesanal: azeitonas, queijos, compotas, pão e enchidos.
Na província, um restaurante artesanal é gerido por uma família que tem, ao lado, a sua horta, donde retira produtos como alfaces, feijão verde, coentros, galinhas e ovos? Acabou. É proibido. Embrulhar castanhas assadas em papel de jornal? Proibido.
Trazer da terra, na estação, cerejas e morangos? Proibido. Usar, na mesa do restaurante, um galheteiro para o azeite e o vinagre é proibido. Tem de ser garrafas especialmente preparadas.Vender, no seu restaurante, produtos da sua quinta, azeite e azeitonas, alfaces e tomate, ovos e queijos, acabou. Está proibido.
Comprar um bolo-rei com fava e brinde porque os miúdos acham graça? Acabou. É proibido. Ir a casa buscar duas folhas de alface, um prato de sopa e umas fatias de fiambrepara servir uma refeição ligeira a um cliente apressado? Proibido.
Vender bolos, empadas, rissóis, merendas e croquetes caseiros é proibido. Só industriais.É proibido ter pão congelado para uma emergência: só em arcas especiais e com fornos de descongelação especiais, aliás caríssimos. Servir areias, biscoitos, queijinhos de amêndoa e brigadeiros feitos pela vizinha, uma excelente cozinheira que faz isto há trinta anos? Proibido.
AS REGRAS, cujo não cumprimento leva a multas pesadas e ao encerramento do estabelecimento, são tantas que centenas de páginas não chegam para as descrever. Nas prateleiras, diante das garrafas de Coca-Cola e de vinho tinto tem de haver etiquetas a dizer Coca-Cola e vinho tinto. Na cozinha, tem de haver uma faca de cor diferente para cada género. Não pode haver cruzamento de circuitos e de géneros: não se pode cortar cebola na mesma mesa em que se fazem tostas mistas.
No frigorífico, tem de haver sempre uma caixa com uma etiqueta "produto não válido", mesmo que esteja vazia. Cada vez que se corta uma fatia de fiambre ou de queijo para uma sanduíche, tem de se colar uma etiqueta e inscrever a data e a hora dessa operação. Não se pode guardar pão para, ao fim de vários dias, fazer torradas ou açorda. Aproveitar outras sobras para confeccionar rissóis ou croquetes? Proibido.
Flores naturais nas mesas ou no balcão? Proibido. Têm de ser de plástico, papel ou tecido. Torneiras de abrir e fechar à mão, como sempre se fizeram? Proibido. As torneiras nas cozinhas devem ser de abrir ao pé, ao cotovelo ou com célula fotoeléctrica. As temperaturas do ambiente, no café, têm de ser medidas duas vezes por dia e devidamente registadas.
As temperaturas dos frigoríficos e das arcas têm de ser medidas três vezes por dia, registadas em folhas especiais e assinadas pelo funcionário certificado. Usar colheres de pau para cozinhar, tratar da sopa ou dos fritos? Proibido. Tem de ser de plástico ou de aço. Cortar tomate, couve, batata e outros legumes? Sim, pode ser. Desde que seja com facas de cores diferentes, em locais apropriados das mesas e das bancas, tendo o cuidado de fazer sempre uma etiqueta com a data e a hora do corte.
O dono do restaurante vai de vez em quando abastecer-se aos mercados e leva o seu próprio carro para transportar uns queijos, uns pacotes de leite e uns ovos? Proibido. Tem de ser em carros refrigerados.
TUDO ISTO, como é evidente, para nosso bem. Para proteger a nossa saúde. Para modernizar a economia. Para apostar no futuro. Para estarmos na linha da frente. E não tenhamos dúvidas: um dia destes, as brigadas vêm, com estas regras, fiscalizar e ordenar as nossas casas. Para nosso bem, pois claro.
António Barreto faz-nos o «Retrato da Semana» - Público de 25 de Novembro de 2007
terça-feira, 27 de novembro de 2007
ATRAVESSIA NOMEU DESCERTO
Zé Makimbaque olhou uma vez mais para a palma das suas mãos que cuspia suor devagarinho, como um doce néctar de ambrósia. Nunca tinha tido tempo para apreciar as refrangências da luz na sua palma da mão. O universo parecia ali sorrir-lhe num espelho de cores que falavam umas com as outras, que se beijavam e que comiam pedaços de si ao acaso. Era bonito, pensava, mas não tão bonito como o chá de tília que a minha avó fazia em dias de tempestade. Até a chuva se demorava um pouco mais na vidraça só para ver o bafo quente que a avó dava ao chá, enquanto as ervas se revolviam de um prazer enorme em ver-se destiladas à deriva nos seus destinos. Mas isto de olhar para a palma de mão tem muito que se lhe diga, dizia Zé, e ele sentia o Sol, grande e redondo, redondo e grande a dizer-lhe que sim com a cabeça. Perdi a memória, por momentos. Não. Espera. Olho a areia amarela e vermelha e às vezes castanha. Sou Zé Makimbaque. Não podia ser outro, claro, este Zé só há aqui e em mais nenhum sítio do mundo, mas não direi do universo porque ele é muito grande e ainda me perdia a tentar encontrar-me. Fiquemo-nos pelo nosso planeta, e olhem lá que já é trabalho que chegue para uma pessoa só. Até parecia que ele estava a falar com alguém, e na verdade até estava, os seus botões, meio casados meio descasados, disseram logo que sim, porque gostavam muito dele. Afinal, eram eles que pediam à sua pele para os tornar fresquinhos com as primeiras gotas da manhã. O deserto era imenso, imenso como a Praça ao fim-de-semana, imenso como quando não há carros e as pessoas se demoram em casa ou nos supermercados. Nunca percebi porque chamam aos supermercados supermercados. Uma vez, lembrava-se, chamara-lhes supermerdacos e todos se riram à sua volta, mas à falta do riso fizeram-lhe uma cara carrancuda. Enfim, ele gostava mais do novo nome que lhes arranjara, e a partir daí passou a chamar-lhes sempre supermerdacos. O que isso queria dizer ele não sabia, e nem sabia que as coisas tinham que querer dizer alguma coisa para serem compreendidas, mas aquilo que ele sabia é que o nome soava bem. Na verdade fora por isso que Zé estava ali onde estava. Não se lembrava bem, que a cabeça nunca fora muito grande para guardar alguma coisa, embora ele guardasse secretamente o desejo ou a reminescência de que ela era tão grande quanto ele quisesse, mas deixava sempre esse pensamento voar para longe, que os pensamentos não gostam de ficar muito tempo no mesmo sítio. Chamar supermerdacos a supermercados é uma tarefa muito penosa, digna de um Sísifo que carrega uma pedra do tamanho de um arranha-céus. No fundo, ninguém gosta de supermerdacos, ou supermercados, mas a verdade é que todos vão lá. Tudo começara quando uns psicólogos brilhantes que só comiam batatas fritas de pacote e tinham duzentos doutoramentos, sendo que quatro deles eram honoris causa, resolveram fazer mais um estudo brilhante sobre os meandros dessa coisa complicada que é a psique humana. Claro que o pior que pode acontecer no mundo, no nosso e talvez noutros, é meter seres humanos a tentarem descobrir o que nos faz ser uns seres humanos. O resultado nunca pode dar alguma coisa de jeito, apenas um esgoto ou dois, ou uma casca de banana, se se tiver sorte. Mas os psicólogos, como eram tão brilhantes aos olhos dos Senhores Directores Das Empresas Que Controlavam O Mundo, tiveram todos os meios aos seus alcances para poder chegar à equação matemática que ia explicar por completo e em definitivo o que faz um ser humano ser um ser humano. Cá ao Zé, desconfiado como ele é, essa história nunca lhe cheirou bem. Em tempos também tinha gostado dessas histórias, tinham-lhe contado muitas quando era pequeno, e em tempos que já lá vão até ele tinha querido ir estudar psicologia numa dessas Universidades De Renome Internacional. Mas por este ou por aquele motivo não se conseguia decidir quanto ao seu destino. E como essa indecisão era grande, foi bater à porta da casa onde mora o Destino, que é um bicho que nunca se vê mas anda sempre por aí, ou por aqui, e fez um acordo com ele. Deixo-te aqui o meu destino que nunca tive porque, também, ele foi sempre teu. O Destino ficou risonho e desatou às gargalhadas, uma gargalhada cósmica porque, como nós bem sabemos, o Destino é filho do Universo e ainda tem algum humor que conseguiu herdar do pai. Mas aquele era realmente um grande tesouro, é que nunca lhe tinham dito uma coisa daquelas de uma forma tão clara, tão azul como o azul do céu num dia em que o céu do azul deixa as nuvens dormir até tarde em casa para estender o seu manto mais à vontade. Foi também nessa altura que começaram os problemas do Zé porque as pessoas não gostavam nada de quem não tinha destinos para dar e vender, e sobretudo para roubar, é o passatempo preferido das pessoas. Passatempo e passatampas!, dizia sempre o nosso Zé. Foi nesse dia que ele viu a notícia no jornal de que os Senhores Professores Doutores Muitas Vezes estavam quase a decifrar a equação que explicava tudo quanto havia para explicar no mundo. Ele sentiu-se muito assustado de repente, sem saber o como nem o porquê. e quando foi à internet ver os desenvolvimentos que tinham até então ocorrido deparou-se com um triste espectáculo. Então não é que tinham ido prender os Doutores todos num laboratório e não os deixavam sair enquanto não encontrassem a solução! Isso não se faz, excepto se falamos de pessoas que fazem mais pelo mundo estando de boca fechada do que de boca aberta. Mas como toda a gente trabalha melhor sobre imposição externa, sobretudo quando se é um amante da flagelação, os cientistas adoraram a ideia e desataram a correr para os laboratórios do mundo, e começaram a pensar, e a pensar muito, a fazer tanta força para pensar que saíam rolos de fumo das suas cabeças e cheirava muito mal, a coisas queimadas e mortas, algumas delas já enterradas, mas ainda com aquele cheiro a podre que nos faz torcer o nariz sempre que passamos por elas. Elas sentem-se muito ofendidas, nesses casos, porque o dever delas é cheirarem mal, e é por isso que o Zé, apesar de não poder passar sem torcer o nariz sempre lhes dava razão. Mas quando o último cientista do último canto do mundo se fechou no último laboratório que estava vago e começou a pensar duramente na equação, quando todos no mundo e o mundo em todos estava pensando, quando o fumo branco que saía das suas cabeças se juntou todo num grande novelo de lã fofa, começou a escurecer muito, tão escuro que até o escuro tinha medo de sair de casa à noite. O Sol bem que tentava separar os farrapos de pensamentos, mas eles estavam cheios de termos e fórmulas e constantes, de letras gregas e árabes e romanas e de parâmetros, de estatística e de derivadas, integrais e primitivas, e aquele enleio era tão grande que nem o Sol quis chegar mais perto da teia que o ameaçava engolir. As nuvens começaram a cobrir toda a terra, e em breve toda ela escureceu, ficou tão suja que as pessoas já não sabiam se era a terra que se tinha tornado mais branca porque o sujo das ruas parecia mais claro ou se era o céu que tinha escurecido a tal ponto do preto e do esgoto passarem pela mesma coisa. O preto ficava muito chateado porque estavam a querer-lhe meter aquele mau cheiro do esgoto em cheio, de cima a baixo, e tanta zanga se gerava que o mundo se tornava cada vez mais negro, cada vez mais sujo, e de repente houve até um termo da equação que surgiu a explicar a sujidade, e ela aumentava sempre de forma exponencial. Parecia mesmo o fim do mundo. E foi aí que começou a chover. Choveu noite e choveu dia, choveu sempre e muito, e as pessoas, as que ainda acreditavam na Bíblia, que por sinal eram cada vez menos e cada vez mais ao mesmo tempo, disseram logo que vinha aí o apocalipse, que era o sinal do fim, e que todos iam ser envolvidos nos seus pecados. E esta expressão ganhou tanta força que começou tudo a pecar, pecavam as velhotas com os velhotes e os velhotes com as velhotas, os novos com as novas e as novas com os novos, os pais com os tios e os irmãos com os primos, e assaltavam até lojas e faziam emissões contínuas de televisão para ver quem enlouquecia mais depressa. Uns passavam a andar de pernas para o ar, outros matavam-se logo para não terem que ver o fim mais logo, uns poucos riam à gargalhada para morrerem de riso, outros choravam ainda mais, e o caldo engrossava e ficava um pouco mais salgado. Surgiram logo teorias matemáticas nas cabeças de todos os génios do mundo, tudo aquilo seria fruto do diabo, e quem sabe da diaba, se não fosse castigo de deus algum deus os poderia salvar, se não era deus se era Alá, se não era Alá era Mustafá, se não era Mustafá era o Quim Zé, se não era o Quim Zé era o Buda, se não era o Buda era o Lao Tsé, mas como ninguém sabia nessa altura quem era o Lao Tsé porque só viam televisão, então pensavam logo que estavam a fazer confusão e deixavam-se de ideias. Mas como tantas cabeças pensantes pensavam ao mesmo tempo, então não havia margem para dúvidas, e todos desataram a atribuir culpas a uns e a outros, a esfolarem-se e a guerrearem, a cuspirem e a peidarem, a andar sempre molhados sem nunca estarem limpos, e aquela água toda começou a cheirar muito mal, e em pouco tempo já sabia a vómito. Todos se empurravam e se comiam uns aos outros, e de repente o canibalismo passou a prática nacional, internacional e comensal, com honras de Presidentes Disto e Daqueloutro, ou Daqui ou Dali. Felizmente o Dalí já tinha morrido nessa altura, senão daria pulos de contente e iria a correr enfiar-lhes molhos de pincéis pelo cu acima, coisa que pelo menos um terço da população gostaria imenso. Mas como não tinham pincéis, nem tintas, nem mentes, nem mentiras, como estava tudo alagado e diluído em tanta água, começaram a afogar-se nela. Quem não gostou desta conversa foi o Sol, que para além de ter perdido o protagonismo naquela terra agora também era ignorado e enxovalhado daquela maneira. Não senhor, tenho que pôr ordem neste mar de alagados e de alagadiços, e vai daí e começou a inchar e a soprar, e a soprar e a inchar de tal maneira que os pensamentos enovelados começaram a ficar raquíticos de tanto serem esticados pela água e encolhidos pelo Sol. A equação estava quase completa, e a terra estava mesmo prestes a verter as suas águas todas pelo cano abaixo, que é como quem diz para os esgotos do universo, mas o último raio de Sol que chegava à terra apressou-se mais que os seus companheiros e deu o esticanço final ao pensamento que se estava formando que ele se partiu em todos. Ora, como os pensamentos se erguiam todos em pirâmide, uma pirâmide de novelos sempre e cada vez mais emaranhados, e como o raiozinho malandreco foi logo quebrar um pensamento daqueles que estavam em baixo, pimba, lá se foi toda a pirâmide de uma só vez, colapsou toda no mar das ideias que para ali andavam afogou-se toda, puxou com ela os cientistas todos, fez nascer um monstro marinho cheio de fome que chegou e os comeu todos, e nessa altura o Zé só se lembrava era do seu tetra-avô Cronos que também gostava de fazer coisas dessas mas que depois parou porque tinha o colesterol muito alto, e toda a gente sabe que numa idade como a dele não se podem fazer caso de ideias como essas. Mas esse monstro, essa besta fenomenal que deixou os poucos que viviam ainda ou que se iam suicidar nesse momento de boca aberta, tinha uma boca tão grande, mas tão grande que, para além de engolir todos os Professores-Doutores e todos os novelos do pensamento, mesmo emaranhados, engoliu a água toda, mas não deixou sequer um pingo dela para poder lavar as mãos daquele assunto numa baciazinha de louça daquelas que tinham sobrado e que a avó tinha religiosamente guardado no terceira prateleira a contar de quem vez das escadas ao fundo. O Sol até arrotava de satisfação, tinha-lhe sabido bem restaurar o seu saber sobre o domínio daquela aguada toda, para mostrar que ainda era ele que mandava na água, que ela, bicha traiçoeira, sempre lhe cuspia uns borrifos para ouvir aquele som maroto que a faz passar a vapor. Sóis como eu não podem tolerar umas manchazinhas no orgulho, ora essa. O problema é que o Sol tinha um buraco no orgulho, e sempre que tentava guardar um bocadinho dele ele caía logo para baixo, para a terra, e se calhar era por isso que havia tanta gente orgulhosa no mundo. O nosso Zé, desgraçadinho como era, ficou todo encharcado, mas como achava que aquilo se ia passar mais dia menos dia, e como se estava a borrifar de calma para a situação, resolveu fechar-se em casa e ir nadar um bocadinho nos meandros da sua mente, que ele não era desses que gostavam de saber o que é que ela estava a saborear, era antes daqueles que se deitavam a nadar por ela fora sem saber o que iriam encontrar na próxima curva do caminho. Caíu num sono tão profundo, mas tão profundo, que nem a água se atreveu a acordá-lo da navegação em alto-mar, e apenas lhe mordiscava os pés de vez em quando. Porque o Zé ficou encharcado, completamente encharcado, mas foi tudo por dentro, que por fora continuava tão seco como quando tinha nascido para o sol. Quando lhe diziam isto ele ria sempre e dizia que também tinha nascido para o dó e para o mi, lá longe onde o sol não se põe. As pessoas riam sempre porque lhes ficava bem, mas poucas ou nenhuma percebia aquilo que ele dizia. Ele, farto já de tanto pensamento, sim, ele, que não gostava nada de pensar, ou melhor, ele, que gostava era de não pensar em nada, deitou-se a adormecer, e hibernou longamente até passar todo este espectáculo. Estava mesmo no ponto mais alto do seu sonho quando começou a sentir esse calor todo na sua mão e essas gotinhas tão gostosas na sua palma, e foi aqui que acordou para aquilo que nunca pudera imaginar que viesse a ser a sua vida: estava sozinho, sem uma alma ao pé de si, num quarto sem paredes numa casa sem tempo, e à sua frente um deserto, decerto infinito, a olhar, sempre a perder de vista, e tanto o era que ele, de tanto o olhar, ia ficando sem uma vista ou duas.
domingo, 25 de novembro de 2007
a verdade é aquilo que está à vista de todos e que nós não conseguimos ver: nós próprios. Está sempre à vista de todos porque todos nos podem ver, e está sempre escondido de nós porque nós não nos conseguimos ver a nós próprios. Só quando conseguirmos casar os outros connosco é que poderemos ver aquilo que realmente somos. Para isso não nos é possível conhecer directamente, ou ver, aquilo que somos, e por isso recorremos ao espelho. O espelho é o instrumento que nos permite continuar a ser o que somos e conseguir, se a tanto nos dermos a isso, ver através dos nossos próprios olhos o ser outro que somos à vista de todos. Daí a estranheza que é vermo-nos ao espelho olhando para nós próprios e multiplicando a imagem interior na exterior que enxergamos de nós. É pelo objecto exterior que podemos lançarmo-nos no abismo que é o mergulho interior.
um dos sentimentos mais fortes que passam por mim quando leio Pessoa é o da unidade. Todos os heterónimos são a mesma voz - com tons diferentes, dirão, é certo, mas não deixam de ser a mesma voz. Há um qualquer pedaço de eternidade que torna iguais todos os heterónimos, equivalentes todos os raciocínios, indivisos todos os pensamentos. E isso, em Pessoa, isso é que é lindo.
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
para mim os vivos são os livros em que me vou desfolhando,
meus companheiros os poetas mortos em batalhas de causas perdidas.
Para aqueles que me dizem vivos e me vão apontando
semeio-lhes neles sepulturas de pedra e lajes partidas...
por entre o negro da noite e o frio do cemitério
caminho descalço, lavado o pranto, de gosto,
desgosto ou mistério, entranho encanto,
estranho-me de dia e acordo de novo velho.
erro aqui e além, como fantasma
agarrando o abismo e o ar que falta
por entre as horas o momento pasma
e o sossego, apertado silêncio, salta.
nascer morrer, viver é nada
um fumo de transição,
uma curva da estrada,
a noite guia-me
pela mão.
meus companheiros os poetas mortos em batalhas de causas perdidas.
Para aqueles que me dizem vivos e me vão apontando
semeio-lhes neles sepulturas de pedra e lajes partidas...
por entre o negro da noite e o frio do cemitério
caminho descalço, lavado o pranto, de gosto,
desgosto ou mistério, entranho encanto,
estranho-me de dia e acordo de novo velho.
erro aqui e além, como fantasma
agarrando o abismo e o ar que falta
por entre as horas o momento pasma
e o sossego, apertado silêncio, salta.
nascer morrer, viver é nada
um fumo de transição,
uma curva da estrada,
a noite guia-me
pela mão.
terça-feira, 20 de novembro de 2007
o tédio, o cansaço, o tédio, o cansaço,
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
poemas de vós todos perdidos
De cerúleo gabão não bem coberto,
Passeia em Santarém chuchado moço,
Mantido às vezes de sucinto almoço,
De ceia casual, jantar incerto;
Dos esburgados peitos quase aberto,
Versos impinge por miúdo e grosso.
E do que em frase vil chamam caroço,
Se o quer, é vox clamantis in deserto.
Pede às moças ternura, e dão-lhe motes!
Que tendo um coração como estalage,
Vão nele acomodando a mil pexotes.
Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,
Cercado de um tropel de franchinotes?
É o autor do soneto: é o Bocage!
Bocage
e é assim que se apaga da existência, de tanto ser perde-se o ter, de tão pouco que se tem fica só o que não se pode perder, vivem-se todos os dias pelo sonho e a realidade passa a crer-nos mais irreais, folhas lançadas pela árvore do esquecimento, a chuva fustiga-nos e embala-nos, apaga-nos, deseja-nos, evola-nos até às altitudes inacessíveis das Grandes Montanhas Brancas, pela neve e pelo frio, até nunca mais acordar do sonho que se está sonhando, até transformar a vida, matando-a no próprio sonho que se sonha, no próprio sonho que se transforma, no próprio sonho que se é...
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
A Alameda
A Alameda estava despida de toda a claridade. Graves postes de iluminação baça distinguiam-se entre as fileiras de casas brancas e azuis. A sua metálica solidez impressionava os pássaros que por ali pousavam, não pelo reluzir de formas de zinco, mas pela sua figura de coisa morta, pelo seu silêncio de catedral ao vazio. As árvores, espantadas com a surpresa e a atenção que os pássaros davam aos arranha-céus cinzentos, cresciam ainda com mais vigor. Por um misto de saudade de coisas que já não voltam e por um pequeno e ténue, mas existente, sentimento de vingança, estendiam, ao crescer, os seus ramos para esses edifícios metálicos e exangues. Não se tratava de amor algum, somente uma tentativa para esconder a fealdade artificial que fora imposta à rua meio clara-meio escura. As suas folhas verdejantes tomavam conta do cinzento cadavérico e animavam-no, e a Alameda parecia menos morta com aquelas máscaras de carvalho maciço. A natureza procura sempre estender a sua mão para eliminar a porcaria que os homens fazem, e é por isso que nos campos mais feios crescem sempre as melhores ervas e os melhores arbustos. Esses resistentes estão lá para lembrar o homem de que, por mais que tente vergar a natureza à sua cabeça racional, ela acaba sempre por lhe fazer cheque-mate, mesmo quando a situação parece de todo condenada ao triunfo da máquina. As árvores entrelaçavam num abraço asfixiante a tecnologia, o fruto do labor de séculos, do homem. Acolhiam-na, tolerando a sua presença, mas diziam também que ela não poderá crescer tanto como elas, que nunca saberá verdejar, que nunca saberá florescer, e que também, dos filhos que alguma vez parir, eles lhe nascerão todos estéreis. A técnica, diziam as árvores, está condenada ao desaparecimento. Os pássaros estremeciam, fascinados. O ser vegetal foi dotado de uma inteligência muito grande: só cresce consoante pode, vive a contemplar a terra e estende-se sempre em direcção ao céu. Por isso são as plantas que mandam nos destinos dos animais, de acordo com o modo como são por eles tratadas. Por isso era aquela Alameda tão fria a mais quente da cidade inteira. As últimas árvores que tinham resistido tinham chamado os pássaros do Sul, lá muito ao longe, e disseram-lhes que anda havia uma réstia de vida por onde eles se podiam agarrar. Não era muito, mas os pássaros são bichos de promessa, confiam na palavra dsa árvores e seguem-nas, a saber-lhes o sentido. Um dia também voltarão para nós a cobrar a sua promessa. E oxalá que nesse dia estejamos na companhia de muitas árvores, para que a palavra dada não nos escape.
domingo, 18 de novembro de 2007
sábado, 17 de novembro de 2007
Porque é que só agora começa a despertar um interesse em várias franjas da nossa sociedade por temas místicos? Este comportamento tem uma explicação meramente psicológica, exactamente de acordo com a Teoria da Motivação de Maslow. O que acontece é que o nível de vida do total de indivíduos que habita as sociedades ditas ocidentais aumentou consideravelmente no decurso deste último século, e portanto as necessidades fisiológicas e de segurança dos indivíduos estão agora asseguradas pela existência de estruturas sociais acessíveis a todos. Mesmo as condições de trabalho melhoraram bastante, e o advento das políticas sociais e do próprio socialismo trouxe várias comodidades financeiras que, quer concordem com a sua utilização devida no nosso tempo quer não, não deixam de ser um elemento importante na estabilidade social das populações. Longe estão as sociedades ocidentais das figuras daqueles quadros impressionistas onde se viam multidões e multidões de mendigos que pedinchavam e morriam de frio nas ruas, filhas do trabalho infantil e da opressão da mulher. Mesmo as necessidades de filiação, a estabilidade emocional que pode ser conseguida através de relações sociais estáveis, podem ser facilmente construídas e destruídas, e hoje até de tal forma que mancharia uma qualquer dama do século XIX de vergonha só de pensar em tais procedimentos. Como o ser humano é um ser insatisfeito por natureza, como o ser humano está sempre à procura daquilo que não tem, melhor que isto só o diria o Variações, como o ser humano sente que, ainda assim, todo esse conforto material, e mesmo o conforto psicológico de um ambiente familiar estável, um círculo de amigos sólido, um namorado ou uma namorada se houver caso disso, não chegam para que ele, para que cada um, se sinta plenamente realizado, é aí que o ser humano se volta para a contemplação espiritual. A contemplação espiritual, que se clarifique em que consiste, é nada mais que a expressão no plano do real e do concreto, isto é, a concretização pelas suas próprias mãos, do potencial humano que reside em cada um de nós, da nossa veia de poetas que procura a todo o custo manifestar-se, seja qual for o meio que encontre nesse caminho para levar a cabo esse seu imenso desejo. Bem entendido, o potencial só pode ter lugar para que se possa manifestar se a fome física estiver saciada, se houver um lar, se houver amizades e um sentimento de segurança, e não uma instabilidade de permanente ameaça à integridade física e psíquica de cada um. Mas esse potencial, aquilo que nos torna verdadeiramente humanos, quando encontra um espaço livre no meio de todas as pulsões já satisfeitas, quando é cultivado com aprumo e sentido, logo com força se sobrepõe a todas as outras e se torna no nosso próximo objectivo a atingir. É o desejo de Agostinho em não trabalhar, em ter só prazer: em fazer aquilo para o qual fomos realmente talhados. Ou talvez, não chegando a tanto, poderemos antes dizer que é fazer aquilo que, segundo o contexto histórico em que nos encontramos, e com isto estamos pensando em todos os constrangimentos históricos a que possamos estar sujeitos, melhor nos serve. Esse desejo é espiritual porque, segundo a própria etimologia da palavra, nos surge de um sopro: não se sabe de onde vem, não se sabe para onde vai, sabe-se apenas que surge e que puxa cada indivíduo a fazer isto ou aquilo, de acordo com a sua própria natureza. A receita para compreender melhor esse sopro é a experiência. Temos agora ao nosso dispôr muito tempo livre para que possamos experimentar novas manifestações culturais: tempo para dedicar a uma arte, como a música ou a pintura, e note-se que o que há de novo nesta situação é que podemos dedicarmo-nos à arte sem haver detrimento, de uma maneira geral, de outras necessidades físicas ou psíquicas. Claro que a tecnologia é fundamental neste processo: é pela tecnologia que podemos escapar todos ao trabalhar muitas horas por dia, e passar apenas a trabalhar menos horas. Ou então também podemos dizer que podemos aliar a tecnologia à arte, e a facilidade que temos em aprender ou em criar algo pode estar tão próxima de nós como de um qualquer clique num rato que envia uma sequência de caracteres escritos para um computador e, dele, para todo o mundo...
o problema do capitalismo, enquanto sistema económico que permita a evolução da humanidade, é o facto do capital, uma vez multiplicado, não deixar as mãos de quem o recebe. A descentralização do capital é o factor que falta na equação económica mundial para que o capitalismo fosse o sistema ideal a atingir. Assim, não o sendo, teremos nós que enveredar por outra via. Uma ideia muito interessante de Agostinho da Silva é o facto da crescente mecanização da indústria ter criado vagas e vagas de desempregados por todo o mundo. Esta situação temporária é extremamente interessante porque mostra que, com o aumento da tecnologia, são estritamente necessárias muito menos pessoas para executar uma tarefa com sucesso. Assim, e nas palavras do sábio ancião, já muitos seres que dão entrada neste mundo nascem reformados à nascença porque não vão ter que trabalhar. Na verdade, um trabalho como o industrial é excelente para fazer crescer tumores psíquicos de todos os tipos, esquizofrenias e insatisfações. Se os lugares disponíveis para linhas de montagem passam a escassear, então aqueles que nascerem agora já não poderão alistar-se nesse exército do capitalismo, e portanto têm uma maior liberdade para escolherem algo verdadeiramente original, e para prestarem mais atenção àquilo que realmente são. O desenvolvimento da tecnologia e dos meios de comunicação, que veio trazer a maior taxa de dispersão de informação que alguma vez já vimos, permite estimular também os jovens cérebros e fazê-los mais depressa desenvolver o seu potencial, e isso é algo que nem as políticas de estupidificação escolar nem a Igreja Evangélica podem mudar. Mas, no seguimento desta situação, advinha-se uma nova crise, e esta é a verdadeira crise de que ninguém fala. Ora, se há menos lugares nas fábricas, então haverá mais pessoas a escolherem fazer outra coisa das suas vidas, como por exemplo seguir uma formação mais especializada nesta ou naquela determinada área do saber. Claro que temos que entrar em consideração com o decréscimo da taxa de natalidade, é verdade, mas vamos pressupor que esta consegue ser controlada e não diminui tão acentuadamente. Ficarão agora mais pessoas com mais tempo livre, e tempo livre em que podem escolher não trabalhar, e aqui é que está toda a importância deste ponto, é que ninguém gosta de trabalhar: todos gostam é de fazer aquilo que mais gostam, e portanto todos buscam o prazer, seja por que caminhos ou mecanismos for. A crise que já se anda instalando resulta da incapacidade das estruturas sociais para conseguir escoar o número de pessoas que vai receber formação especializada: observamos hoje mesmo numa saturação do mercado de trabalho a vários níveis, diria mesmo a quase todos, salvo raras excepções. Não podemos perder de vista que Portugal era, há cem anos atrás, um país muito diferente daquilo que é hoje: o sector primário tinha uma importância muito maior, uma tendência que agora se vem revertendo cada vez mais. Os agricultores do tempo de Salazar estão a dar entrada a novos médicos, advogados, psicólogos, biólogos, professores, historiadores, artistas. O mercado é que não tem capacidade para conseguir dar emprego a todos estes profissionais, ainda por cima quando está habituado a esbanjar dinheiro que nem um português - ou não fosse o nosso país Portugal... Se o país não preparar as estruturas necessárias para receber estes novos profissionais a procura vai aumentar em muito, assim como o número de desempregados, e poderemos ter num futuro próximo o caos generalizado. Esta situação só poderá ser evitada se o estado, e só o estado, começar a abrir as portas para todos estes profissionais: abrir mais lugares para professores, abrir mais lugares para psicólogos, facilitar a criação e o desenvolvimento de empresas do ramo da biotecnologia, e, claro, garantir apoios a todas as estruturas culturais do país! Mas para isso é preciso haver uma completa revolução no modo de gerir os dinheiros públicos, era preciso uma mão de Salazar organizar de que forma esse dinheiro seria repartido pelos ministérios e quais as medidas mais urgentes a tomar. Talvez a tarefa mais importante que tenhamos em mãos seja exactamente a de preparar o caminho para que os futuros dirigentes e, enfim, todos quantos aqueles que têm um cérebro que possa ser utilizado para pensar possam crescer no sentido de chegarem até uma maior compreensão do mundo. Enquanto o verdadeiro significado desta situação não for compreendida em todas as suas vertentes não poderemos evoluir no sentido de um mundo mais livre para todos.
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
o princípio do prazer
Siobhan Donaghy
...quer-me parecer que a melhor coisa que esta senhora fez foi sair das "Sugarbabes" para desenvolver melhor o seu potencial a solo...
A vocês
A vocês, a vocês pinguins engravatados que andaram em colégios,
a vocês todo o nojo do mundo, todo o asco e toda a vileza, toda a vergonha e toda a ignorância do mundo,
a vocês que não sabem o que é a vida,
a vocês que quando partem uma unha o vosso mundo desaba,
a vocês que têm os cabelos todos iguais,
a vocês que têm os desalinhos todos aprumados,
a vocês que têm os sorrisos de quem não sabe sorrir na boca,
a vocês que têm tudo e não sabem nada,
a vocês todo o desprezo dandy do mundo,
a vocês os escritórios abafados,
a vocês os fatos e as gravatas,
a vocês os telemóveis topo de gama,
a vocês os jogos de computador pirateados,
a vocês as revistas de saúde masculina,
a vocês os canais de pornografia,
a vocês as vossas vidinhas miseráveis e tortas,
a vocês a vossa miséria rota e desfraldada,
a vocês a imundice do mundo,
a vocês as beatas que sujam a rua,
a vocês o dióxido de carbono dos tubos de escape,
a vocês os grandes carros e os grandes cargos políticos,
a vocês os professores que são poetas sem o serem,
a vocês as grandes ruas, os grandes hotéis de luxo debruados a ouro e chumbo,
a vocês as bengalas de prata,
a vocês os relógios brilhantes e as sedas finas,
a vocês o surf e as modas,
a vocês as namoradas de Carcavelos,
a vocês os morangos com açúcar das vizinhas do andar de baixo,
a vocês tudo o que o dinheiro pode comprar, menos a decência,
a vocês a intrépida estupidez do falso olhar altivo,
a vocês as revistas de banda desenhada,
a vocês os companheirismos postiços,
a vocês as séries de ricos para ricos,
a vocês a obesidade e a indiferença,
a vocês a modorra das horas que passam,
a vocês os fins-de-semana no Estoril e os apartamentos de Verão no Algarve,
a vocês o sexo com ou sem preservativo,
a vocês o capitalismo burocrático,
a vocês a fome no mundo,
a vocês a desreligiosidade,
a vocês A Aparição do Vergílio Ferreira,
a vocês os poetas franceses,
a vocês o que é estrangeiro,
a vocês os filmes com actrizes famosas,
a vocês as faculdades privadas pagas a peso de ouro,
a vocês a casa o carro e a roupa lavada,
a vocês as férias na neve e de patins,
a vocês os irmãos e os animais de estimação,
a vocês a vossa máquina de lavar roupa já enxaguada,
a vocês a vossa curta e breve e miserável existência de cadáveres postos a cagar crianças que foram abortadas à nascença.
A vocês tudo isso e tudo isso para o diabo que vos carregue!
a vocês todo o nojo do mundo, todo o asco e toda a vileza, toda a vergonha e toda a ignorância do mundo,
a vocês que não sabem o que é a vida,
a vocês que quando partem uma unha o vosso mundo desaba,
a vocês que têm os cabelos todos iguais,
a vocês que têm os desalinhos todos aprumados,
a vocês que têm os sorrisos de quem não sabe sorrir na boca,
a vocês que têm tudo e não sabem nada,
a vocês todo o desprezo dandy do mundo,
a vocês os escritórios abafados,
a vocês os fatos e as gravatas,
a vocês os telemóveis topo de gama,
a vocês os jogos de computador pirateados,
a vocês as revistas de saúde masculina,
a vocês os canais de pornografia,
a vocês as vossas vidinhas miseráveis e tortas,
a vocês a vossa miséria rota e desfraldada,
a vocês a imundice do mundo,
a vocês as beatas que sujam a rua,
a vocês o dióxido de carbono dos tubos de escape,
a vocês os grandes carros e os grandes cargos políticos,
a vocês os professores que são poetas sem o serem,
a vocês as grandes ruas, os grandes hotéis de luxo debruados a ouro e chumbo,
a vocês as bengalas de prata,
a vocês os relógios brilhantes e as sedas finas,
a vocês o surf e as modas,
a vocês as namoradas de Carcavelos,
a vocês os morangos com açúcar das vizinhas do andar de baixo,
a vocês tudo o que o dinheiro pode comprar, menos a decência,
a vocês a intrépida estupidez do falso olhar altivo,
a vocês as revistas de banda desenhada,
a vocês os companheirismos postiços,
a vocês as séries de ricos para ricos,
a vocês a obesidade e a indiferença,
a vocês a modorra das horas que passam,
a vocês os fins-de-semana no Estoril e os apartamentos de Verão no Algarve,
a vocês o sexo com ou sem preservativo,
a vocês o capitalismo burocrático,
a vocês a fome no mundo,
a vocês a desreligiosidade,
a vocês A Aparição do Vergílio Ferreira,
a vocês os poetas franceses,
a vocês o que é estrangeiro,
a vocês os filmes com actrizes famosas,
a vocês as faculdades privadas pagas a peso de ouro,
a vocês a casa o carro e a roupa lavada,
a vocês as férias na neve e de patins,
a vocês os irmãos e os animais de estimação,
a vocês a vossa máquina de lavar roupa já enxaguada,
a vocês a vossa curta e breve e miserável existência de cadáveres postos a cagar crianças que foram abortadas à nascença.
A vocês tudo isso e tudo isso para o diabo que vos carregue!
não há nenhuma outra ciência que bata a Geometria. Todas as pessoas deviam ser instruídas nessa sábia arte de saber calcular e medir áreas e perímetros de seres, de avaliar alturas e trigonometrias de saberes, de representar catetos e hipotenusas procurando sempre triângulos rectos. O que falta neste mundo é uma grande dose de Geometria para saber avaliar distâncias e calcular áreas, para medir palavras e calcular sentidos, para limpar o terreno do discurso que vai servir para construir as nossas pirâmides do conhecimento de acordo com as pessoas, o nosso auditório, que são aqueles que realmente lá irão morar.
O Construtor morre
quando finda a sua Obra.
O Construtor morre
quando finda a sua Obra.
nunca percebi porque é que uma das brincadeiras que perdura durante tanto tempo na vida dos homens é o jogo de procurarem mexer nos genitais uns dos outros, muitas vezes para levá-los mesmo à dor. Parece-me que tanto le Marquis de Sade como Freud conseguiriam explicar este estranho caso: trata-se claramente de uma manifestação inconsciente de tensões sexuais acumuladas ao longo da permanência prolongada de uns com os outros. Basta termos passado por um meio exclusivamente masculino para perceber que demasiada testosterona no ar não vai acabar bem, essa tensão ou essa pulsão mantém-se, e de forma visível para todos aqueles que estiverem atentos. Se Freud poderia explicar o porquê da repetição do comportamento do ponto de vista da obtenção do prazer - na satisfação dessas pulsões - le Marquis poderia facilmente explicar essas tendências sádicas que assolam aqueles que retiram prazer em inflingir dor directamente através dos genitais de outros. Mas o que é ainda mais surpreendente é que este comportamento, que aliás não é nada raro em determinados grupos masculinos, se manifesta tanto mais e tantas mais vezes quanto maior é a ligação emocional de uns homens por outros, mesmo que esta não passe da amizade sincera. Mais uma vez, novo argumento a favor dos nossos conhecedores da psique sexual humana: o amor que um homem sente por outro tende a manifestar-se a todos os níveis, incluindo o sexual, mesmo que esse homem não sinta uma inclinação preferencial para o contacto sexual com outro homem. É como se essa amizade, esse amor, necessitasse, devido à sua própria natureza, - que aliás desconhecemos - de manifestar-se do modo mais rápido e mais imediato que lhe coubesse, e esse será preferencialmente o do acto tanto porque é aquele que se mostra como mais imediato, como por ser aquele que permite extinguir a pulsão em definitivo, e sobretudo ainda porque na nossa sociedade mostrar os sentimentos é sinal de fraqueza, ainda para mais quando vindo de um homem, e portanto, devido a todos os constrangimentos sociais e da educação que nos foram impondo, ao acto é dado este papel tão preponderante. Seria bem mais fácil se, libertos desses preconceitos sociais e superiores às contingências que nos são de fora impostas, e por isso mesmo postiças, os homens pudessem dar livre oportunidade a essas pulsões que os preenchem. O problema está em considerar que essas pulsões assolam o homem, e não que o preenchem, pois essas pulsões são, de facto, aquilo que nos faz ser humanos plenamente: são a nossa própria natureza.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Relembro com saudade este tempo em que, ouvindo a música que se faz hoje em dia, enchemos a alma de vibrações magníficas que um dia chegarão aos ouvidos daqueles que ainda não nasceram, tão distantes, e que dirão ser esta algo de irreal, de incrível, de tão manifestamente diferente daquilo que se fará, que de tão para trás deixada será como as velhas fotografias de pessoas que já morreram há muito mas permaneceram no fundo do baú à espera de serem descobertas por aqueles que não as conhecem...
O MISTÉRIO DA CRIAÇÃO
Todas as mulheres são estátuas gregas
porque todas foram talhadas da mesma carne
Os mesmos jeitos, as redondezas,
as figuras finas cheias de arte
no trocar de perna e no jeito lânguido
que jaz amordaçado contra a usura dos séculos
mas sempre sabendo puxar do seu peito,
dar de mamar aos filhos e aos netos.
O vigor da sua chama é porém outro,
o do equilíbrio da dama,
o cruel destino de terem o mistério divino
da carne e da criação na mama
ao aleitar a criança
para dela fazerem homem são.
Se a mulher é um templo, o homem é o deus
que com o vigor do seu falo fecunda a câmara imensa
e dá lume à chama intensa
daquilo que se fez criação.
O homem é a força no seu estado mais puro,
a força bruta que brota da natureza,
nele o equilíbrio dá lugar à destreza
de quem tem que lidar com os destinos do mundo.
O homem é todo força e músculo. É poder
de dar, vergar e receber. E usa-o
com sapiência, o seu mister absoluto
e absurdo, na sua essência, o de
num passo ir do querer ao fazer.
Ao amor em duas mulheres chama-se irmandade.
Partilham elas ambas o segredo da eternidade,
da geração e do saber ancestral. São as mães
de tudo aquilo que é natural.
Ao amor em dois homens chama-se vigor absoluto.
São eles ambos carne e força e músculo. Decisão de
avançar em terreno obscuro, ímpeto de chefiar,
de levar a alma ao Graal profundo.
Amor em homem assim como em mulher é criação.
Acto de fecundar, prazer e concretização. É expandir
no terreno natural a construção, edificar o Reino,
Coroar e temperar a conjugação.
Assim se fez mistério a criação.
porque todas foram talhadas da mesma carne
Os mesmos jeitos, as redondezas,
as figuras finas cheias de arte
no trocar de perna e no jeito lânguido
que jaz amordaçado contra a usura dos séculos
mas sempre sabendo puxar do seu peito,
dar de mamar aos filhos e aos netos.
O vigor da sua chama é porém outro,
o do equilíbrio da dama,
o cruel destino de terem o mistério divino
da carne e da criação na mama
ao aleitar a criança
para dela fazerem homem são.
Se a mulher é um templo, o homem é o deus
que com o vigor do seu falo fecunda a câmara imensa
e dá lume à chama intensa
daquilo que se fez criação.
O homem é a força no seu estado mais puro,
a força bruta que brota da natureza,
nele o equilíbrio dá lugar à destreza
de quem tem que lidar com os destinos do mundo.
O homem é todo força e músculo. É poder
de dar, vergar e receber. E usa-o
com sapiência, o seu mister absoluto
e absurdo, na sua essência, o de
num passo ir do querer ao fazer.
Ao amor em duas mulheres chama-se irmandade.
Partilham elas ambas o segredo da eternidade,
da geração e do saber ancestral. São as mães
de tudo aquilo que é natural.
Ao amor em dois homens chama-se vigor absoluto.
São eles ambos carne e força e músculo. Decisão de
avançar em terreno obscuro, ímpeto de chefiar,
de levar a alma ao Graal profundo.
Amor em homem assim como em mulher é criação.
Acto de fecundar, prazer e concretização. É expandir
no terreno natural a construção, edificar o Reino,
Coroar e temperar a conjugação.
Assim se fez mistério a criação.
ah, maravilhoso anonimato das horas vagas, como eu te adoro no meu átrio de clausura, como eu te venero sempre que fazes alguém esquecer-se de mim, sempre que a televisão permanece apagada e o telefone não toca, sempre que nem um olhar me fala e tudo permanece na mesma calma, nessa mesma calma em que tudo está, sempre, com um olhar indiferente, perante a vida e perante a morte, perante o azar e perante a sorte. Amo os grandes espaços em imensidão, aqueles que de tão grande a vastidão de me sentir pequeno morre no olhar a chuva das cinzas que cai devagar, e que caindo duplica a sua razão. Amo os grandes ermos sem gente nem pensamentos, só com as ideias do real a bailar em volta, amo os conceitos que há no voo das gaivotas, o planar do falcão, a canção do mocho. Amo os assobios do vento que nos trazem o ar que há em roda, amo essa plena incompreensão de estar-se imerso sendo e não precisar de mais conceitos ou argumentos de chavão, amo essa liberdade que é poder fazer querer sentir achar no seu sítio e em toda a parte, amo essa multiplicidade de formas com que nos partimos e nos repartimos para nos semearmos no chão onde tantos semeiam e tão poucos florescem, onde as ervas crescem a lutar umas com as outras, onde não há paragem ou sossego na vida em rebuliço, amo por isso os grandes silêncios e as grandes praias vazias de gente e cheias de águas e de ondas e de marés e de vidas diferentes da nossa, tão completas e tão cheias, tão perfeitas e tão porosas, tão imensas e tão naturais, tão assim até que não precisam de mais. Amo a prosa leve e descuidada, a rima breve e a fala desensaiada. Amo a canção e a dança que vêm do coração e nos trazem a esperança. Amo esses fins de tardes bravios aonde não chega ninguém, amo os desafios, amos os desabafos, amo os prados os montes os vales em estilhaços de azul e de verde, vermelhos em carmim, amo a fome e a sede, e o ir matá-las mergulhando em mim.
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Para ser um dandy bem sucedido
1. Só acreditar naquilo que as nossas sensações nos transmitem, tudo o resto é ilusório.
2. Andar pela rua com os olhos e com os ouvidos bem abertos, como o Cesário.
3. Desprezar 99,99999% da população mundial, sobretudo dirigentes políticos.
4. Desenvolver uma intensa e delicada agorafobia.
5. Ser amigo de todos sem se deixar prostituir.
6. Guardar muito poucos amigos.
7. Gostar dos grandes espaços abertos, livres, que ninguém conhece.
8. Lançar provocações sempre que se abra a boca.
9. Desprezar de uma forma altiva, sem pretensões, todos os seres que são pobres de espírito por opção própria, todos os seres que se cobrem de vergonha e para quem a palavra não significa nada.
10. Cultivar a palavra como algo sagrado, o gesto como um acto religioso.
11. Cuspir em cima das tumbas dos Antigos, mas sempre terminar com uma vénia.
12. Seguir o caminho sempre em frente, sem desvios ou atalhos.
13. Não tolerar a indecisão: falar apenas ou sim ou não.
14. Amar perdidamente tudo aquilo que for digno de louvor, desprezar tudo o resto.
15. Não ser menos exigente consigo próprio do que com os outros.
16. Usar todos os momentos da nossa curta existência para sonhar.
17. Criticar tudo aquilo que se vê e ouve.
18. Desconfiar de tudo aquilo que se vê e ouve.
19. Não dar ouvidos a ninguém.
20. Gastar todas as fortunas em coisas supérfluas para nos protegermos da estupidez do mundo.
21. Fazer grandes coisas em vida, mesmo que poucos ou nenhuns as consigam apreciar. Passados pelo menos quinhentos anos hão-de construir estátuas e escrever livros e baptizar ruas com o nosso nome.
2. Andar pela rua com os olhos e com os ouvidos bem abertos, como o Cesário.
3. Desprezar 99,99999% da população mundial, sobretudo dirigentes políticos.
4. Desenvolver uma intensa e delicada agorafobia.
5. Ser amigo de todos sem se deixar prostituir.
6. Guardar muito poucos amigos.
7. Gostar dos grandes espaços abertos, livres, que ninguém conhece.
8. Lançar provocações sempre que se abra a boca.
9. Desprezar de uma forma altiva, sem pretensões, todos os seres que são pobres de espírito por opção própria, todos os seres que se cobrem de vergonha e para quem a palavra não significa nada.
10. Cultivar a palavra como algo sagrado, o gesto como um acto religioso.
11. Cuspir em cima das tumbas dos Antigos, mas sempre terminar com uma vénia.
12. Seguir o caminho sempre em frente, sem desvios ou atalhos.
13. Não tolerar a indecisão: falar apenas ou sim ou não.
14. Amar perdidamente tudo aquilo que for digno de louvor, desprezar tudo o resto.
15. Não ser menos exigente consigo próprio do que com os outros.
16. Usar todos os momentos da nossa curta existência para sonhar.
17. Criticar tudo aquilo que se vê e ouve.
18. Desconfiar de tudo aquilo que se vê e ouve.
19. Não dar ouvidos a ninguém.
20. Gastar todas as fortunas em coisas supérfluas para nos protegermos da estupidez do mundo.
21. Fazer grandes coisas em vida, mesmo que poucos ou nenhuns as consigam apreciar. Passados pelo menos quinhentos anos hão-de construir estátuas e escrever livros e baptizar ruas com o nosso nome.
método para lidar com as pessoas: selecção truncada
todas as restantes interacções intraespecíficas evoluem no sentido de um parasitismo letal para o hospedeiro em última instância
Soneto já antigo
Olha, Daisy: quando eu morrer hás de
dizer aos meus amigos aí de Londres,
embora não o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de
Londres p'ra Iorque, onde nasceste (dizes...
que eu nada que tu digas acredito),
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes,
Embora não o saibas, que morri...
mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará... Depois vai dar
a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!
Álvaro de Campos
dizer aos meus amigos aí de Londres,
embora não o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de
Londres p'ra Iorque, onde nasceste (dizes...
que eu nada que tu digas acredito),
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes,
Embora não o saibas, que morri...
mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará... Depois vai dar
a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!
Álvaro de Campos
solução para os males do mundo: soltar a desordem contra a ordem, a loucura contra as ficções sociais.
Deve sublinhar-se que a importância da loucura na vida já foi defendida na Grécia Antiga: podemos ter registo, se não por outros meios pelo menos pelos diálogos platónicos, que Sócrates já fazia o elogio da loucura como estado fundamental para poder existir aquilo a que verdadeiramente se chama de criação, a criação como algo original e singular que faz surgir - por processos que desconhecemos - plenas realidades ricas e individuais como qualquer outro ser que podemos encontrar na rua, e por vezes até com maior riqueza que estes.
Ora, a loucura é o estado a que é necessário chegar, isto é, é o estado que é necessário atingir para que se possa criar - e isto também já o sabemos por Camões, que ouvia a voz da sua Musa, para não falar de todos esses inspirados poetas gregos. Mas a loucura é apenas um estado, isto é, é apenas uma condição, necessária, sim, à criação, mas que apenas predispõe a alma para que seja fecundada pela ideia, pelo conceito, que quando indistintos ou simbolizados aparecem diante de nós feitos sonho. Não é, portanto, de admirar que Fernando Pessoa elogie também, e em grande tom, a loucura, e sobretudo o sonho, posto que é o sonho a meta de todo o estado de loucura, o objecto simbólico e fonte de toda a criação que o Poeta pretende alcançar.
O grande infortúnio em que caímos nós, poetas da geração presente, foi o acaso, se é que acasos existem realmente, de termos nascido numa cultura ocidental extremamente tecnicista, cientifizada e mecanizada segundo estruturas cartesianas. A loucura, já severamente manchada pela psicologia de Freud, adquiriu o sentido, para a estrutura mental de um comum indivíduo, dir-se-ia, nesta nova linguagem probabilística, para a maior parte dos indivíduos da nossa população, um sentido nefasto, nefasto porque não se submete a qualquer tipo de controlo, e portanto nefasto porque não pode ser decomposta analiticamente sem perda das suas propriedades intrínsecas.
O único caminho que nos permitirá desenrolar todas as ideias criadoras que fazem andar o mundo para a frente será o caminho da libertação da loucura, e uma compreensão mais alargada daquilo em que consiste tal estado de abertura mental ao desconhecido. Para que isso possa ser uma realidade e não um mero amontoado de palavras escritas num papel, sugere-se o cultivo dos estados de espírito que podem conduzir a um pleno estado de loucura: procurar o esvaziamento da mente tão apreciado pelos taoístas e budistas, cultivar a ausência de pensamento, dar primazia às sensações, sobretudo as visuais e auditivas, para falar das que chegam do exterior até ao nosso interior, e obedecer às pulsões interiores, sobretudo àquelas que podem ser satisfeitas, para que não se instale um sentimento de impotência generalizado que seria prejudicial para a nossa estrutura psíquica.
Deve sublinhar-se que a importância da loucura na vida já foi defendida na Grécia Antiga: podemos ter registo, se não por outros meios pelo menos pelos diálogos platónicos, que Sócrates já fazia o elogio da loucura como estado fundamental para poder existir aquilo a que verdadeiramente se chama de criação, a criação como algo original e singular que faz surgir - por processos que desconhecemos - plenas realidades ricas e individuais como qualquer outro ser que podemos encontrar na rua, e por vezes até com maior riqueza que estes.
Ora, a loucura é o estado a que é necessário chegar, isto é, é o estado que é necessário atingir para que se possa criar - e isto também já o sabemos por Camões, que ouvia a voz da sua Musa, para não falar de todos esses inspirados poetas gregos. Mas a loucura é apenas um estado, isto é, é apenas uma condição, necessária, sim, à criação, mas que apenas predispõe a alma para que seja fecundada pela ideia, pelo conceito, que quando indistintos ou simbolizados aparecem diante de nós feitos sonho. Não é, portanto, de admirar que Fernando Pessoa elogie também, e em grande tom, a loucura, e sobretudo o sonho, posto que é o sonho a meta de todo o estado de loucura, o objecto simbólico e fonte de toda a criação que o Poeta pretende alcançar.
O grande infortúnio em que caímos nós, poetas da geração presente, foi o acaso, se é que acasos existem realmente, de termos nascido numa cultura ocidental extremamente tecnicista, cientifizada e mecanizada segundo estruturas cartesianas. A loucura, já severamente manchada pela psicologia de Freud, adquiriu o sentido, para a estrutura mental de um comum indivíduo, dir-se-ia, nesta nova linguagem probabilística, para a maior parte dos indivíduos da nossa população, um sentido nefasto, nefasto porque não se submete a qualquer tipo de controlo, e portanto nefasto porque não pode ser decomposta analiticamente sem perda das suas propriedades intrínsecas.
O único caminho que nos permitirá desenrolar todas as ideias criadoras que fazem andar o mundo para a frente será o caminho da libertação da loucura, e uma compreensão mais alargada daquilo em que consiste tal estado de abertura mental ao desconhecido. Para que isso possa ser uma realidade e não um mero amontoado de palavras escritas num papel, sugere-se o cultivo dos estados de espírito que podem conduzir a um pleno estado de loucura: procurar o esvaziamento da mente tão apreciado pelos taoístas e budistas, cultivar a ausência de pensamento, dar primazia às sensações, sobretudo as visuais e auditivas, para falar das que chegam do exterior até ao nosso interior, e obedecer às pulsões interiores, sobretudo àquelas que podem ser satisfeitas, para que não se instale um sentimento de impotência generalizado que seria prejudicial para a nossa estrutura psíquica.
terça-feira, 13 de novembro de 2007
A Little Learning
A little Learning is a dang'rous thing;
Drink deep, or taste not the Pierian spring:
There shallow draughts intoxicate the brain,
And drinking largely sobers us again.
Fir'd at first sight with what the Muse imparts,
In fearless youth we tempt the heights of Arts,
While from the bounded level of our mind,
Short views we take, nor see the lengths behind;
But more advanc'd, behold with strange surprise
New distant scenes of endless science rise!
Alexander Pope
Drink deep, or taste not the Pierian spring:
There shallow draughts intoxicate the brain,
And drinking largely sobers us again.
Fir'd at first sight with what the Muse imparts,
In fearless youth we tempt the heights of Arts,
While from the bounded level of our mind,
Short views we take, nor see the lengths behind;
But more advanc'd, behold with strange surprise
New distant scenes of endless science rise!
Alexander Pope
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
domingo, 11 de novembro de 2007
sábado, 10 de novembro de 2007
And now, for something completely different
Um tributo mais que merecido a todas as canções pop americanas que têm tanto sucesso além-fronteiras (será que é porque as pessoas não percebem nada do que elas dizem?)
Rihanna - "Umbrella"
Tu foste o dono do meu coração
[mantêm-se as relações de escravo e senhor, e não admira... a Rihanna é preta. Vem até mesmo a calhar, se fosse na Roma Antiga os dezanove anos dela eram já idade ideal para emprenhar e parir filhos]
Nunca estaremos em mundos diferentes
[e isso é que me assusta, perpetua-se a inacção e a estagnação, o mundo nunca muda, permanece sempre o mesmo]
Talvez em revistas
[que agradável quadro este, sobretudo se pensarmos na "Maria"]
Mas tu ainda serás a minha estrela
[estrela cadente, só pode: quanto mais alto eles sobem maior é depois a queda]
Baby, [bebé lembra mesmo pornografia infantil] porque na escuridão
Tu não podes ver carros reluzentes
[mas que pena! nem podes ver os videoclips de outros pretos cheios de ouro até aos dentes com gajas nuas/semi-nuas a abanarem os abonos de família]
É quando tu precisas de mim ali
[portanto só quando é preciso, ora aqui temos um caso típico de dependência]
Contigo eu sempre partilharei
[contigo e talvez não só, é a prostituição do ser em plena acção]
Porque
[será mesmo preciso explicar mais alguma coisa?! Nós já percebemos tudo...]
Quando o sol brilha
Nós brilhamos os dois
[isso só faz lembrar paparazzis, luzes da ribalta, cultos big brotherianos a coisas postiças e que não têm existência própria]
Disse-te que estaria aqui para sempre
[abre os olhos, amiga, tudo é impermanente! Quando um dia souberes o futuro fazes mais pela vida se começares a ler a sina]
Disse-te que seria sempre tua amiga
[também eu e já deixei de falar a umas quantas pessoas... e qualquer dia os dedos da mão não chegam para as contar!]
Então vem daí para fora e cola-te a mim até ao fim
[cá está, a constatação de que se trata realmente de uma relação baseada na dependência, como qualquer resposta a uma droga]
Agora que está chovendo mais do que nunca
[olhem aí os sinais do Grande Cataclismo, vem aí o fim do mundo, o Inimigo Muçulmano está mesmo prestes a cair sobre vós, tenham medo, protejam-se, desconfiem de todos!]
Fica sabendo que nós ainda nos teremos um ao outro
[o verdadeiro culto ao ter, não há nenhum vestígio do ser]
Podes ficar debaixo da minha sombrinha
[há quem prefira guarda-chuva]
Podes ficar debaixo da minha sombrinha
(inha inha, a a a)
Debaixo da minha sombrinha
(inha inha, a a a)
Debaixo da minha sombrinha
(inha inha, a a a)
Debaixo da minha sombrinha
(inha inha, a a a)
[de facto, ficar à sombra de alguém não abona muito a favor da pessoa... ficar à sombra da bananeira, ficar na sombra de alguém, no fundo, permanecer submisso àquilo que os governos ditam, ser bem-comportado, obediente, como um autómato perfeito]
Porque tudo
Nunca se virá meter no meio
[pois não, com o cu num sofá a ver televisão e a ser hipnotizado pelas políticas conservadoras Bush e pela Igreja Evangélica alimentando-se de lixo MacDonaldiano de certeza que não acontecerá nada de mal, e mesmo que aconteça ninguém dará por isso]
Tu és uma parte da minha entity
[por que carga d'água se entitula ela de entidade? Para isso era preciso que ela fosse alguma coisa, não é verdade?]
Aqui e para a eternidade
[agora esta já conhece o futuro e tudo, é o que eu digo: vai para cartomante, ou para cheiromante, que te safas melhor. Tem é cuidado, não te façam eles uma makumba das grandes...]
Quando a guerra tiver feito a sua parte
[mensagem de rodapé: vamos deixar a guerra lá no seu sítio, bem longe de nós, não temos nada a ver, desliguemo-nos da guerra, os governantes que o decidam]
Quando o mundo tiver jogado a sua carta
[deixa o mundo jogar as cartas todas, permanece impávido e sereno como um sereno estúpido mortificado]
Se a mão for pesada
[mas ainda restam dúvidas?!]
Juntos nós iremos medi-lo
[esta tendência ocidental de medir tudo o que lhes aparece à frente... mesmo que não faça sentido medir uma coisa que se ignora]
Porque
[mais do mesmo]
Quando o sol brilha
Nós brilhamos os dois
Disse-te que estaria aqui para sempre
Disse-te que seria sempre tua amiga
Então vem daí para fora e cola-te a mim até ao fim
Agora que está chovendo mais do que nunca
Fica sabendo que nós ainda nos teremos um ao outro
[estas palavras lidas assim todas de repente até me dão arrepios]
Podes ficar debaixo do meu guarda-chuva
[vamos ver se fica melhor]
Podes ficar debaixo do meu guarda-chuva
(uva uva, a a a)
Debaixo do meu guarda-chuva
(uva uva, a a a)
Debaixo do meu guarda-chuva
(uva uva, a a a)
Debaixo do meu guarda-chuva
(uva uva, a a a)
[conclusão: não, não fica melhor. Mas como tem fruta é mais saudável]
A exegese de todos os produtos culturais de uma dada cultura é essencial para chegar até ao seu verdadeiro significado.
Rihanna - "Umbrella"
Tu foste o dono do meu coração
[mantêm-se as relações de escravo e senhor, e não admira... a Rihanna é preta. Vem até mesmo a calhar, se fosse na Roma Antiga os dezanove anos dela eram já idade ideal para emprenhar e parir filhos]
Nunca estaremos em mundos diferentes
[e isso é que me assusta, perpetua-se a inacção e a estagnação, o mundo nunca muda, permanece sempre o mesmo]
Talvez em revistas
[que agradável quadro este, sobretudo se pensarmos na "Maria"]
Mas tu ainda serás a minha estrela
[estrela cadente, só pode: quanto mais alto eles sobem maior é depois a queda]
Baby, [bebé lembra mesmo pornografia infantil] porque na escuridão
Tu não podes ver carros reluzentes
[mas que pena! nem podes ver os videoclips de outros pretos cheios de ouro até aos dentes com gajas nuas/semi-nuas a abanarem os abonos de família]
É quando tu precisas de mim ali
[portanto só quando é preciso, ora aqui temos um caso típico de dependência]
Contigo eu sempre partilharei
[contigo e talvez não só, é a prostituição do ser em plena acção]
Porque
[será mesmo preciso explicar mais alguma coisa?! Nós já percebemos tudo...]
Quando o sol brilha
Nós brilhamos os dois
[isso só faz lembrar paparazzis, luzes da ribalta, cultos big brotherianos a coisas postiças e que não têm existência própria]
Disse-te que estaria aqui para sempre
[abre os olhos, amiga, tudo é impermanente! Quando um dia souberes o futuro fazes mais pela vida se começares a ler a sina]
Disse-te que seria sempre tua amiga
[também eu e já deixei de falar a umas quantas pessoas... e qualquer dia os dedos da mão não chegam para as contar!]
Então vem daí para fora e cola-te a mim até ao fim
[cá está, a constatação de que se trata realmente de uma relação baseada na dependência, como qualquer resposta a uma droga]
Agora que está chovendo mais do que nunca
[olhem aí os sinais do Grande Cataclismo, vem aí o fim do mundo, o Inimigo Muçulmano está mesmo prestes a cair sobre vós, tenham medo, protejam-se, desconfiem de todos!]
Fica sabendo que nós ainda nos teremos um ao outro
[o verdadeiro culto ao ter, não há nenhum vestígio do ser]
Podes ficar debaixo da minha sombrinha
[há quem prefira guarda-chuva]
Podes ficar debaixo da minha sombrinha
(inha inha, a a a)
Debaixo da minha sombrinha
(inha inha, a a a)
Debaixo da minha sombrinha
(inha inha, a a a)
Debaixo da minha sombrinha
(inha inha, a a a)
[de facto, ficar à sombra de alguém não abona muito a favor da pessoa... ficar à sombra da bananeira, ficar na sombra de alguém, no fundo, permanecer submisso àquilo que os governos ditam, ser bem-comportado, obediente, como um autómato perfeito]
Porque tudo
Nunca se virá meter no meio
[pois não, com o cu num sofá a ver televisão e a ser hipnotizado pelas políticas conservadoras Bush e pela Igreja Evangélica alimentando-se de lixo MacDonaldiano de certeza que não acontecerá nada de mal, e mesmo que aconteça ninguém dará por isso]
Tu és uma parte da minha entity
[por que carga d'água se entitula ela de entidade? Para isso era preciso que ela fosse alguma coisa, não é verdade?]
Aqui e para a eternidade
[agora esta já conhece o futuro e tudo, é o que eu digo: vai para cartomante, ou para cheiromante, que te safas melhor. Tem é cuidado, não te façam eles uma makumba das grandes...]
Quando a guerra tiver feito a sua parte
[mensagem de rodapé: vamos deixar a guerra lá no seu sítio, bem longe de nós, não temos nada a ver, desliguemo-nos da guerra, os governantes que o decidam]
Quando o mundo tiver jogado a sua carta
[deixa o mundo jogar as cartas todas, permanece impávido e sereno como um sereno estúpido mortificado]
Se a mão for pesada
[mas ainda restam dúvidas?!]
Juntos nós iremos medi-lo
[esta tendência ocidental de medir tudo o que lhes aparece à frente... mesmo que não faça sentido medir uma coisa que se ignora]
Porque
[mais do mesmo]
Quando o sol brilha
Nós brilhamos os dois
Disse-te que estaria aqui para sempre
Disse-te que seria sempre tua amiga
Então vem daí para fora e cola-te a mim até ao fim
Agora que está chovendo mais do que nunca
Fica sabendo que nós ainda nos teremos um ao outro
[estas palavras lidas assim todas de repente até me dão arrepios]
Podes ficar debaixo do meu guarda-chuva
[vamos ver se fica melhor]
Podes ficar debaixo do meu guarda-chuva
(uva uva, a a a)
Debaixo do meu guarda-chuva
(uva uva, a a a)
Debaixo do meu guarda-chuva
(uva uva, a a a)
Debaixo do meu guarda-chuva
(uva uva, a a a)
[conclusão: não, não fica melhor. Mas como tem fruta é mais saudável]
A exegese de todos os produtos culturais de uma dada cultura é essencial para chegar até ao seu verdadeiro significado.
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