quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Mitologia da Saudade I

APOLOGIA À SAUDADE

Qual é a verdadeira importância e significado da saudade que é tão nossa, que é tão portuguesa? Há que distinguir os significados exotérico e esotérico. A saudade, que é entendida como o fado, para a maior parte dos portugueses, é a definição exotérica. A saudade enquanto sofrimento, enquanto destino inevitável, enquanto saga sofrida e de sofrimento. A perpetuação do sofrimento pela perda de algo mais, seja pela morte, seja pelo esquecimento, seja pelas vicissitudes da vida. A saudade no seu aspecto mais negativo, o do sofrimento perpétuo. Este é o pólo exactamente oposto daquilo que realmente significa a saudade. Entendida esotericamente, a saudade é o sentimento indefinível mas inteligível para nós, para os do nosso mundo, de que houve um tempo de abundância e de plena paz, houve um tempo do Ser e do Espírito, houve em tempos que não existem e em espaços que não o ocupam um tempo do Sopro que fazia com que a Potência e o Acto fossem Um e a mesma coisa. A verdadeira saudade é essa memória ancestral, arquetípica, uma autêntica memória do Céu das Ideias de onde tudo proveio, como diria Platão. Mas a saudade não é só isso. Para além do carácter estático de memória, aquilo que já foi, e para além do carácter dinâmico de sofrimento presente (pela inexistência da plenitude que em tempos idos houve), e que é hoje tão presente, há ainda um pequeno núcleo, um embrião frágil de esperança, da esperança que nos leva a pensar, a falar, e sobretudo a sentir, um mundo melhor, um futuro em que esse sofrimento tenha o seu derradeiro fim, e onde possamos novamente casar a Matéria com a Ideia, para sempre. E como se essa ideia de saudade, da verdadeira saudade, não fosse suficiente para manter a chama do Mito viva, e para que possamos andar para a frente, sempre para a frente e para cima, houve por força que gravar na pedra da história de Portugal esse mito sebastianista, que não é mais que uma projecção nas brumas da memória do futuro, o futuro que reencontra o passado, e que se cumpre no presente. Diremos, e sem sombra de dúvida, que Portugal está fundado sobre o Mito, e que Portugal é o próprio Mito, e que de outra maneira não poderia ser, porque Portugal nasceu no preciso momento em que essa saudade foi sentida de outra maneira, não da maneira exotérica, nem somente da maneira esotérica, mas sim quando uma foi casada com outra, e quando, por diversos agentes, neste ou naquele campo, Portugal foi cumprido. A Ideia foi certamente anterior à sua consubstanciação, mas essa mesma consubstanciação é que tornou possível a realidade do Sonho. E é por isso que nunca nós, portugueses, nos cansamos de sonhar - é que se o Sonho que já foi sonhado já se cumpriu porque não se poderão cumprir os outros Sonhos Futuros?

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