domingo, 19 de agosto de 2007

recordo uma vez ter assistido a algo surreal (e isso não significa que não pareça real, significa sim que foi tão real que explicava tudo). Tinha ido a um local bastante comercial, em que punham algumas pessoas num palco a entreter convidados que se empanturravam de marisco. Na verdade não sou grande apreciador de marisco. E quando passei por esse sítio onde estava um mar de gente, todos cuidadosamente dispostos em mesas redondas, ou mesmo que não fossem dizer mesa redonda fica sempre bem, estavam uns gajos, e sim, gajos é a palavra certa, a tocar qualquer coisa, e aqui qualquer coisa também assenta bem. Notava-se que esses gajos eram portugueses, e notava-se também, bastante bem, porque estavam a cantar em inglês, o que mostra que gostam mais do que é estrangeiro do que o que é nacional, mesmo que o que seja estrangeiro seja uma autêntica merda. De qualquer maneira, eles lá estavam a tocar algum pop/rock ou rock alternativo e bastante comercial (sim, como é que é possível fazer alguma coisa como essa?) e ninguém lhes estava a prestar atenção. A meu ver parece-me a atitude certa, eles não eram propriamente bons, apenas uns sósias mal-amanhados de qualquer coisa que ninguém sabe o que é, a berrar como um bando de ovelhas. E, seguindo essa longa tradição portuguesa de fazer figuras tristes e de venerar o estrangeiro (não são adoráveis aquelas palavras allgarve... nem por um momento lembram uma aberração da natureza lusa...), no final da actuação, ou da coisa que ali estavam fazendo, puseram-se a berrar, como fazem os estrangeiros, claro, e a chamar nomes às pessoas. O espectáculo era digno de ver. Mas o espectáculo não era o que os gajos estavam a dar, era o que o que o público estava a dar. Ignoravam-nos completamente. Nessa altura pensei que eles estavam a ser muito mal educados para com uma banda que ainda agora estaria a começar e que precisava de um incentivo moral (e financeiro, provavelmente) para se lançar no vetusto panorama musical português. Não estava propriamente errado, apenas era um pouco ingénuo, mas isso todas as crianças o são. Não me lembro se os aplaudi no fim, mas talvez o tenha feito. Pura compaixão, compreende-se. Sempre fui muito dado a sentir o sentimento dos outros como meu. Enfim, os gajos lá foram embora. Foi engraçado. E triste ao mesmo tempo. Sim, também é verdade que levo as coisas muito a sério. Mas o surreal foi ter havido uma troca de banda (de banda ou de bando?) para outros gajos (sempre gajos) estrangeiros horrorosos, piores ainda do que os primeiros. E eram piores não só porque eram estrangeiros, mas porque ainda eram mais comerciais. Eis que, no meio de toda aquela estranheza, uma coisa fantástica e fabulosa acontece: os estrangeiros põem-se a tocar e a cantar aquela sua música, tão conhecida de todo o sítio, tão badalada, e tão comercial, e as pessoas, lentamente, começaram a emergir da sua letargia colectiva e a dançar de forma autómata ao som daquela música (daqueles sons). Mas pior que isso, começou uma autêntica enxurrada humana para ver os estrangeiros e aqueles estranhos sons que produziam já embalados e digeridos para fácil e prático consumo de massas. Como passarinhos recém-nascidos, os portugueses e não-portugueses que ali se encontravam, e de certeza que seriam mais os não-portugueses porque estavam a venerar o que era estrangeiro, começavam a digerir a papinha que os segundos gajos vomitavam (regurgitar aqui talvez fique esteticamente mais atraente). Achei que a cena era um pavor. Na verdade era hilariante. Profundamente irónica, não é? Profundamente estúpida. Como toda a estupidez que ainda resiste em Portugal e em todo o mundo.

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