terça-feira, 21 de agosto de 2007

Receita Para Uma Vida Perfeitamente Normal

Eu não cresci em Lisboa.
Nem sequer tive tempo para viver em cidades grandes.
Ainda fui nascer numa, sabe-se lá porquê, quem sabe por engano.
Ou porque me queriam mostrar primeiro aquilo que não sou nem nunca serei para que não andasse a meter ideias na cabeça.
O meu pai não é nenhum diplomata. Ou grande comerciante. Não tem mais dinheiro que um ajudante.
Não é advogado, ou doutor. Não é artista ou chupista, e também não é escritor.
É um homem. E é quanto baste.
Não há por aí muitos assim, para falar verdade.
Só conheço príncipes e doutores.
Minha mãe também não é duquesa. Ou marquesa. Ou menina de louvores.
Não é professora universitária. Nem sequer como o meu pai bancária.
Só professora de pequenos terrores.
Aqueles que os pais já não educam e que são facilmente descartados na escola.
Esses é que são os verdadeiros horrores.
Mas também não é artista, ou chupista.
É uma mulher. E mais nada.
Porque para mãe não se pode ser criada. Talvez um pouco, mas sem abusar.
O que é preciso é saber dar de mamar. E isso ela sabe.
Por isso nasci eu.
Filho de nenhum matemático, e de nenhuma senhora de letras.
Apenas de um funcionário, de uma mulher de rendas pretas.
Não nasci em berço de ouro, só desinfectado.
Rodeado por aqueles que me amam. Ou que me fazem sentir-me amado.
O que já é outro tanto.
Mas também não tenho grande cuidado.
Vivi em pequeno num apartamento. Bem que podia ser alugado.
Mas tinha tecto e alento. E às vezes era apertado.
O que pode nem ser assim tão mau. Se se tiver cuidado.
Mas também não me apoquento.
Nem sequer com a escola que frequentei, e muito menos com a que frequento.
Também não fui grande doutor, apenas curioso. Por natureza.
Quis ela me prendar com a empresa de sonhar em ser doutor.
Mas não,
Que a franqueza deixei de lado no prato. Passei-a à mãe.
Ela bem que o não queria. Mas teve que ouvir.
Uns são com e outros são sem.
Mas nem a escola nem os colegas.
Nem o sítio me serviam.
Tinha o pé grande ou o sapato apertado,
A verdade é que não me ouviam. E nem sequer eu.
Mas andava lá, sempre pelo estrado
ou pelo passeio. Num passeio desengonçado,
sem ficar cheio.
Fosse ou não fosse atestado.
E mesmo sem o saber sem freio.
Que agora já foi arrancado.
Não estudei em nenhum Liceu Camões ou Pedro Nunes.
Nem fui colega do Mário Soares.
Tinha como companheiros a merda e o cagares.
E assim é que ia andando.
De alguns só tinha espanto.
Fiz amigos e inimigos. É sempre bom ter as coisas equilibradas.
Apaixonei-me por doutos e mendigos. E mandei-os à merda.
Que é o que se deve fazer quando nos cagam em cima.
Meti-lhes os culhões pelo cu acima. E ainda lhes soube a azedo.
Fiquei eu cheio de peninha, até tenho cara de galinha.
Se não podem com o andar, atirem-se da ponte abaixo!
Mas não façam cara de vítima. Ou de pobre coitado.
Que isso é coisa que não existe.
E com a boca aberta e o cu mais relaxado,
Lá fui endireitando a minha vida.
Não gosto de café, ou de drogas, ou de serões de veneração.
Prefiro o conforto de estar sozinho. Sem etiquetas e sem vinho.
Só com o gosto da minha podridão.
Ele é muito mais quentinho. E ainda dá para lavar a mão.
Que falam? De dificuldades? Mas vocês sempre dormiram em berço de ouro,
E cagaram em penico de prata,
E falaram do alto da gravata,
Foram colegas do Mário Soares e do Saramago,
Beberam cafés e andaram ao estalo,
Foram filhos de artistas de rua e de estrada,
E agora acham que não têm as curtas vistas
Mais vistas que as da minha entrada?
Vão-se foder sua cambada de chupistas!
Vocês não valem é nada!
Sabem lá o que é o Alentejo!
Quando o calor nos bate na face e o corpo destila de prazer,
Sabem lá o que é acordar com o ar fresco no olhar quando só apetece foder
Pintam uns riscos e são donos do mundo,
Mas que merda é que comem ao pequeno-almoço?
Vocês são as imagens que têm de vocês próprios
Aquelas que não envelhecem, só fazem é doer.
Matem-se todos, obnóxios.
Nunca souberam nem sabem o que é viver.

E se não gostarem destes despropósitos
Porque não nasci, não cresci, não estudei, não fumei
como vocês
Peguem neste rolos de palavras em enxurrada
Abram o rego que vos sulca a entrada
Metam-no no cu e sangrem de prazer.
Ainda vos hei-de ir todos ao cu
E hão-de pedir mais mesmo sem querer!


a Mestre Luiz Pacheco

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