quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Epitáfio de Fernando Pessoa

Quando um dia erguerem estes escritos e tentarem decifrar o que neles escrevo, e derem voltas aos recantos da mente para encontrar o significado que neles pus, aí estarei a rir-me dos confins do espaço que não há e do tempo que não existe, e o universo será testemunha reverberante daquilo que fiz e que tão poucos souberam dar devido valor em vida. Deve haver um desejo mesquinho e sádico entre vós que vos faça amar mais quem já morreu do que quem ora vive. É a prova viva de que quem vive e reina realmente na terra dos vivos é morto, cadáver em decomposição sem pira funerária. Pois oiçam, pode ser que na terra dos mortos reinem sempre e apenas os vivos, onde quer que eles estejam, e que vós estejais mortos e enterrados para eles, e eles vos não olhem com mais amor do que aquele que se tem pela formiga que não pensa, ou pela mosca que não fala. O ataúde dos mortos é o seu esquecimento, a verdadeira existência é a coroa dos que realmente vivem.

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