sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

só sabe quem se sonha, só sabe quem se entrega, o que é sentir sem sossego, o peso da refrega, o gosto do sem ter medo, só sabe quem não sossega, só sabe quem se mata, e se vive e se sente e se entrega, se faz em mil só para ser a outra metade, quem sabe o que sente e que sente o que esconde, quem mostra o que não pretende, quem vive o que pretender não esconde, é o culto sôfrego e ancião, a mistura da vertigem em fulgor, ante o espaço a imensidão em vertigem, o horror, o coração, a mágoa, o riso incontrolado e a expressão amarga, no céu, no inferno, em todo o lado, quando o sentir peso esmaga fica só o ser, e sua canção dolente na tarde calma faz aquecer e fervilhar o coração que se derrama e se desprende como água de canção ardente, arde no corpo e envolve a alma, faz descer o espírito que vem e não acalma, desprende, destroça, desfaz fazendo tudo, ante o mar e sobre o muro, sobe o monte e sob a capa, jaz nela o conteúdo, o peso que sentir esmaga, jaz do fundo até ao fundo, jaz sempre e nunca arrancada a semente que no véu tira a estrada do caminho que não há quem siga, com o vento, e abanando espiga, e trigo, mosto fervente e gelo quebrado, nem esmalte nem dente nem frio apertado, nem ouro, nem prata nem a mais pura platina pode quebrar o ser que ao ser se adivinha, nem a esfinge, nem o pathos, nem a ferida da tormenta resvala a barca dos assaltos, do planeta até aos Altos, só o fim que nunca chega, insanto e possesso, colérico e desfeito, grita alto ao ouvido do peito para se fazer gente presente, pessoa amada, amor ausente, prova dada e amigo que sente, o que esconde revela não atada a luz que imerge na mente, sentir é isto, sentir é nada, é tudo, o que há de diferente, sentir é sentir, sentir é basta, é isso nosso mundo, em que dele somos crente, contra maré e redemoinho, contra papagaio gritante, fica o silêncio, baixinho, soando como toada distante, estorninho ou rouxinol, mas sempre sorrindo ao longe, à nuvem que passa, a correr, ao ar que prende, e que quer agarrar, ao demente e ao normal, ao louco não insano, o ventre baixa e nele nos prende, desce à terra de repente sendo gigante de antanho, e é isso o ser, é essa a cura, o elixir para a doença obscura que ilude alma e crente, sol e lua, é a mais pura partida de diamante, nele e nela caem amante e amada, e dador e dada, mas a verdade é calada, a verdade é errante, não se prende num instante, dói e não dói nada, sente e é viva por instante, passa, não falada, explica não dizendo, foge do que é e do que vai sendo, fica só o presente, o futuro do irreal passado em que crente cria dizendo que mora já ao lado, foge o dente, foge a espada, por todos os vales erguida, sobe cortina, sobre véu, a balaustrada, o pódio, o louro de toga erguida não ensaiada, ferida e sempre curada, a fonte de toda a idade, o amor da vida com o sentimento da verdade não esquecida do início até ao final do tempo que não há nem tem lento nem rápido nem mau nem mais nem perigo nem poder, nem quem sirva nem quem mande, a vida desfila imponente e nunca jamais estanque, fica quieto, fica aqui, fica aquilo que há que ser, fica o que sempre esteve aqui e nunca deixa de viver, por isso canto, e rio, e choro como um perdido, correndo a lágrima como um fio de contas, colar de pérolas de abóbadas douradas e de fiel guardante, guardo o céu e as estradas, os tudos e os nadas, guardo-te a ti neste instante - o mundo é aquilo que sempre fora, a imagem da perfeição que soa, é tudo isto que apregoa, guardo o nada e liberto o restante.

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