terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

um dos meios pelos quais se faz o triunfo do socialismo e a mediatização dos acontecimentos pessoais e únicos é a sua naturalmente consequente prostituição.

Pode não se sentir vergonha enquanto se evacua e se copula mas é muito provável que se sinta vergonha quando essas gravações forem retransmitidas a um público reprovador.
William Burroughs, em Feedback de Watergate para o Jardim do Éden

mas o importante está em compreender qual o processo que faz com que algo com uma valoração positiva, isto é, um determinado signo com um significado positivo para uma pessoa se pode tornar em algo com um significado negativo.

no estado natural, uma determinada informação que uma e uma só determinada pessoa possui é algo precioso, isto é, esta informação é rara porque é apenas presente numa só pessoa. Como rara, é valiosa, porque não existe mais nenhuma informação igual a ela, torna-se uma única na sua espécie, e portanto é a fundação de um princípio de originalidade pessoal, de sentido de único, e de próprio. Muitas vezes essa informação é algo directamente relacionado com a pessoa que dela tem conhecimento, por vezes é até a própria pessoa. Esse factor contribui em muito para valorar ainda mais algo que se tinha em tão alta estima. Valoração positiva, portanto. O que é raro é valioso.

se essa informação for contada a uma outra pessoa, então a informação deixa de ser pessoal e única, e passa a tornar-se, em menor ou maior grau, cada vez mais pública. Assim, de uma pessoa passamos a duas, e aí já a informação estará mais dispersa. Mas há um perigo que temos que ter em conta. É que o mesmo signo pode ter, para pessoas diferentes, diferentes significações. Assim, dependendo das experiências pessoais, o signficado da informação pode tornar-se positivo ou negativo. Se continuamos a propor o modelo simples de evolução em progressão geométrica no qual cada pessoa transmite a uma outra essa informação, então temos que a probabilidade de haver mudança na valoração, isto é, no significado da informação é progressivamente maior.

esta situação poderá tornar-se limite quando a rede de significações das pessoas que recebem a informação a posteriori é muito diferente da rede de significações da pessoa que tinha inicialmente a informação. Eis como uma informação com um determinado significado pode vê-lo alterado pelo contacto com outras redes significantes.

o importante aqui será o peso que tem cada rede significante. Se é mantido tanto o significado original da pessoa de onde nasceu a informação, se ele não é deturpado, mitigado, alterado ou escondido, e se permanece o mesmo, então a probabilidade de compreensão da informação como ela era originalmente compreendida, ou como fora originalmente concebida, é muito maior.

mas temos que atentar noutro aspecto, também importante, que é a própria característica do fenómeno perceptivo que leva a conhecer essa informação. Se uma pessoa cega toma conhecimento de uma representação pictórica que nasceu na cabeça de outra pessoa, não vai poder compreendê-la senão por meio de palavras, e não por meios de desenhos. Assim, cria-se aqui o perigo de introduzir um elemento subjectivo na intenção objectiva de transmitir o mais fielmente possível a informação visada. A pessoa cega não pode senão ter um conhecimento, isto é, não pode senão percepcionar a informação de uma forma deturpada.

mas podemos imaginar outra situação: o homem que, não sendo cego, é, porém, daltónico. É certo que aqui a mensagem, a representação pictórica, será mais fielmente traduzida, mas, se esta for colorida, algumas das cores podem não ser percepcionadas correctamente pelo indivíduo, levando à deturpação, ainda que de grau menor em comparação com a anterior, da informação transmitida.

portanto, podemos concluir que são vários os graus de cegueira humana que a impedem de ver claramente a mensagem, isto é, a informação que é transmitida. Uns não se podem reduzir a outros, já que uns levam a uma deturpação de maior grau que outros.

e se pularmos do domínio da representação da imagem, da informação, física, para o domínio da valoração ou da semântica da informação, então aí crescem logo novas e mais perigosas dificuldades à sua transmissão porque o domínio da semântica é o domínio das ideias, isto é, das significações não físicas de uma informação e que lhes servem de base, justificando o uso de determinada linguagem - imagens, palavras, sons,...

quando a informação inicialmente é genuinamente única e exclusiva da pessoa de onde nasce, então a correspondência original e pura entre signo e significado é assegurada inequivocamente. A partir do momento em que a informação é transmitida, então esse equilíbrio, se não for mantido, pode fazer virar uma roleta de significações, levando à deturpação da mensagem ou informação inicial.

e há um fenómeno interessante, que é o facto de as pessoas considerarem como sua a informação que lhes é transmitida, independentemente da sua fidedignidade. Essa apropriação resulta de uma identificação com a informação, mesmo se apenas a parcela do signo é a mais ou única visada deste binómio. Mas se, de facto, existe maior dispersão de informação, isto é, se o grau de entropia da informação aumenta, também é possível constatar que ocorre uma consequente despersonalização da informação original, que passa a ser vestida, isto é, passível de alteração pelas pessoas às quais ela foi transmitida. O carácter de unicidade, de importância, de raridade e preciosidade dessa informação desaparece, e ela torna-se banal, isto é, deixa de ter o seu valor, o seu significado perde-se porque não é algo que necessite de ser preservado, já que está presente em todas as pessoas, ou pelo menos numa grande parcela destas.

esta preocupante consequência é espelhada de forma clamorosa na concepção socialista que está hoje vigente. O nível de entropia da informação é hoje tão alto como nunca antes foi, e conduz a situações limite de globalização, isto é, consumo em massa da mesma informação, a banalização em massa da mesma e a sua despersonalização, a invenção da moda, que é algo que se altera constantemente devido a essa mesma despersonalização resultante do consumo em massa. O problema que atravessamos nesta viragem de século está na demasiada dispersão da informação que evolui até à desvalorização, isto é, à perda de sentido, de significado, seja ele bom ou mau, elementos que estão presentes na cultura do descartável, na noção light, no soçobrar de noções fundamentais como a vida quanto ao nascimento da cibernética, a tendência capitalista e capitalizante da economia, a valorização da sociedade em detrimento do indivíduo, o culto da democracia como elemento massificante, etc.

o problema reside exactamente nesse binómio signo - significado. Com a emergência de novos e mais rápidos meios de transmissão de comunicação e transporte é possível transmitir muitos mais signos do que fora antes possível. O problema é que nesse transporte em massa de signos, os significados, que são a verdadeira fundação dos signos, e a sua causa, são descurados, o que contribui em muito para a sua desagregação, a sua tendência dissolvente ou desagregante. Isso não quer dizer que eles não existem; eles existem ainda, pois é com base neles que existem os signos, pois todo o signo existe para significar algo, caso contrário não teria função nenhuma e deixaria progressivamente de existir, dado o seu carácter obsoleto. O que acontece é que os significados são desagregados à força, isto é, dado o nível de entropia vigente. Para que não cheguemos a uma situação extrema, em que os significados se tornem raros e o próprio propósito da linguagem se vá esvaindo, tem de ser mantido um estado neguentrópico que conserve os significados. Isto é, a nível de sintaxe, as palavras e os demais signos devem ser dispersados, de modo a que as pessoas possam ter livre acesso a eles. Por outro lado, a nível semântico, os significados devem ser cuidadosamente demarcados e associados aos signos, para que possa existir uma verdadeira comunicação, uma transmissão de uma mensagem, ou informação significante. Isso só é possível pela dispersão controlada de significados, isto é, pela restrição de determinados tipos de informação a todos, e sua abertura a apenas alguns, aqueles que são capazes de compreender por inteiro a relação signo - significado.

a democracia está, neste quadro, naturalmente votada à dissolução, pois cumpre apenas a função dispersante da informação, e não a sua função conservante. É necessário reacender a chama do republicanismo, isto é, da res pública, a coisa pública, porque a coisa é tudo menos pública hoje em dia. É preciso aumentar a dispersão de signos o suficiente para que essa coisa se torne realmente pública, que todos possam aceder a ela, mas, isto é, por outro lado, é preciso garantir igualmente que as mensagens ou informações de grande significação são cuidadosamente mantidas para que essa significação não se perca, e isso só é possível se essa conservação for levada a cabo por uma autêntica aristocracia, isto é, por uma centralização em pequenos grupos que têm como função manter essa ordem binomial correspondente, a do signo-significado. É neste quadro que a proposta do Doutor Agostinho da Silva tem toda a relevância, visto que a Monarquia Republicana, como ele próprio a designava, tem na sua constituição todos os elementos necessários a esta empresa entrópica e, ao mesmo tempo, neguentrópica. E Portugal tem aí um papel bastante importante, já que, como Nação, já passou por um período da história em que esse regime vigorava, e talvez não seja ingénuo supor que talvez um regime como esse fosse capaz de ir para a frente, se já o fez antes e com frutos tão grandes e importantes, não só para Portugal como para todo o Mundo.

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