já por vezes tem discorrido minha mente sobre uma questão que me parece interessante mas que, tanto quanto sei, nunca a vi tratada em sítio nenhum, embora seja possível que alguém já nela tenha pensado, tantos são os homens que habitam na terra, e tão diversos os seus pensamentos. Fernando Pessoa foi muitas personagens sendo apenas ele, Pessoa, um só, via-se de forma fragmentada para melhor se analisar, e para melhor ter consciência da sua análise, tarefa digna de um cientista, já que analítica, e talvez, digo eu, para que depois melhor pudesse colar esses pedacinhos uns aos outros, com tento e paciência, e, restaurando a sua imagem, pudesse ter a visão completa daquilo que era ele próprio, Fernando Pessoa, em suma, para se conhecer. Ou talvez isso fosse apenas um desejo insconsciente dele, e tudo o que o seu consciente fizesse fosse escrever, escrever simplesmente aquilo que lhe vinha à cabeça, pelo puro prazer de se escrever, de fazer, de obrar para a eternidade - e isto é coisa que o próprio refere como sendo o seu destino, contribuir para a evolução da humanidade.
mas o facto curioso é que, embora tendo sido Barão de Teive, Chevalier de Pas, Alexander Search, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e todas as outras personagens que para si e em si inventou, ou como talvez dissesse ele, fingiu, parece-me que todas têm nascimento e morte, e datas específicas, para não falar dos atributos físicos e psicológicos, já que ele os via por inteiro, como qualquer pessoa de Lisboa ou do Porto, mas, no meio de todas estas datas e desta precisão tão cirúrgica em que se embrenhou Pessoa, não encontro, ou pelo menos ainda não encontrei, a data da morte de Ricardo Reis. Engraçado acaso, que fez até nascer na mente de Saramago um livro inteiro, que contasse a história dessa personagem, desse monárquico, que vem para Portugal depois de uma estadia no exílio, enfim, um belo livro que ainda não li, mas que já faz as honras da casa, desta casa, porque é com a primeira frase desse livro que se inaugura este espaço.
E esse facto marcante, que, a ser verdade, digo eu na minha ignorância, não me parece ter despertado atenção por parte dos analistas, é importante, mais a mais porque tudo na vida de Pessoa teve uma importância, a importância significante que ele lhe dava, e é aí que me escorreu a ideia, vinda de não sei onde, que talvez tenha Pessoa morrido, ele próprio, para nós, claro, porque não sabemos se, da sua perspectiva, ele morreu realmente, como sendo Ricardo Reis. Até me parece fazer sentido, pois é Ricardo que tanto se ocupa da morte, e que, de um jeito budista, dá solução a esse dilema tão grande da humanidade, cantado, celebrado e chorado por tanto poeta e prosista. Posto isto, parece-me que Fernando Pessoa teve uma morte calma, serena como uma confiança estóica, e parece-me bem, já que talvez seja essa a melhor maneira de morrer, entregar-se ao desconhecido, que é a morte, como a qualquer outra coisa que temos ou que se nos vem em vida, já que, da mesma forma que a morte, o futuro ninguém sabe, e só a deus pertence, lá se dizia, ou se diz ainda, nalguns casos, e portanto não há grande diferença entre uma coisa e outra.
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