quando olho e vejo esses campos de letras feitos de palavras e leitura, papel e anos de dedicação de escribas, mais ou menos dotados, que fizeram a cultura que hoje temos, não posso deixar de sentir uma sensação profunda e estranha de que gostaria de ter tempo de os ler a todos, e não fazer mais nada neste mundo, de gozá-los e de saboreá-los, de estudá-los e encontrar entre eles o que os une, já que a tarefa que mais sobeja por aí é a de encontrar aquilo que os separa e, portanto, nesse campo, pode-se dizer que já foram feitos muitos progressos, em nome de causas justas e injustas, de guerras e da paz. Mas o importante é a união e não a separação, porque assim como uma sinfonia é composta de várias notas mas aquilo que captamos é a sua harmonia, a harmonia do conjunto, a realidade não é separada em momentos diferentes uns dos outros, mas todos contínuos, desfilando como quadros únicos, mas sem molduras, e misturando-se uns nos outros, de tal modo que não nos é possível dizer onde uns acabam e onde outros têm início.
por isso, deixo-me de lamúrias e passo a sentir uma esmagadora sensação de insatisfação que pesa na alma como correntes que nos prendem a um cárcere, é claro que também quereria saber de ciência, e arte, e conhecer sobretudo, porque é isso que me move, aprender e conhecer o que não conheço, mas a verdade é que existe tanto que desconhecemos, e que, já o notara Sócrates, vejam lá de onde isto já vem, quanto mais sabemos mais tomamos consciência de que o que fica para saber é tanto e tão imenso que mais valia matarmo-nos já a vivermos na efémera sabedoria que não existe.
então que fazer? bem, se não é possível fazer tudo, faça-se ao menos aquilo que se deve fazer, se não nos é possível pedir a eternidade, talvez porque ela seja impossível, ou talvez porque ela já aqui esteja diante de nós e não nos pode ser tirada, e nós é que a não vemos, então parece-me que se deve fazer aquilo que se achar melhor em cada momento, isto é, viver, sim, conforme correr o rio ou cantam os pássaros, para que a vida nos possa mostrar as coisas com as quais mais poderemos aprender num dado instante, mesmo que esteja ele votado à fugacidade do tempo.
por isso, e como Mestre Caeiro, devemos contemplar a vida, sentindo, e como Reis devemos contemplá-la não com desejo, porque satisfeito ele, acaba todo o prazer, e portanto é também ele efémero como o conhecimento, mas sim com uma entrega silenciosa, que em esse silêncio nos diga tudo aquilo que devemos fazer - até porque há coisas com as quais aprenderíamos muito pouco, e portanto com as quais não vale a pena brincar com Kronos.
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