não faço a mínima ideia do que é essa nuvem que rodeia as consciências das pessoas e que lhes diz que ciência é matemática. Nada disso! Se a ciência fosse feita por robôs, por autómatos e computadores, por máquinas que se regem por equações e por algarismos decimais e absolutos, por sucessões e limites, aí, e só aí, é que a ciência seria matemática. Mas esse não é o caso. E tanto não é que a ciência nunca evoluiu por causa da matemática. A matemática, como outro ramo do conhecimento humano, foi evoluindo por si, mas a causa de toda essa evolução não é numérica ou científica: é pessoal. A ciência é feita por pessoas, e portanto a ciência evolui consoante as pessoas que a fazem. Foi o facto de certas pessoas terem visto este ou aquele determinado fenómeno à luz deste ou daquele paradigma que fez com que surgisse esta ou aquela interpretação. Portanto, a ciência é apenas interpretação de fenómenos observáveis, directa ou indirectamente, mas não deixa de ser observação. E no que toca à observação, cada um vê o mundo do modo que melhor lhe serve, e consoante a sua própria disposição de ser. E é por isso que a ciência não é matemática, a ciência é, sim, pensamento. Pensamento humano, e digamos assim humano porque não sabemos se a formiga e o macaco possuem alguma forma de pensamento científico, lá por não rabiscarem umas coisas numa superfície e falarem por línguas como as nossas podem ainda ter as suas próprias línguas, que os levam a falar desta ou daquela maneira, seja por frequências de vibração das suas cordas vocais ou então por códigos de cores, ou padrões de comportamento.
Pensamento humano e evolução. É essa a base da ciência. E como o pensamento humano evolui (no sentido darwiniano do termo, isto é, no sentido em que muda consoante o contexto) no tempo mas também no espaço, o que acontece é que a história, por estudar a forma como se deram essas mudanças, adquire aqui um papel essencial. E é tão essencial ele que sem história não há ciência nenhuma, só há a matemática: uns números e umas equações que não fazem sentido nenhum, a não ser à luz dos seus próprios paradigmas matemáticos. Assim, o que é necessário fazer é perceber como é que a história evolui ao longo do tempo, ou melhor, como é que o pensamento evolui ao longo do tempo, como é que todos estes factores se relacionam entre si para concorrer (no sentido matemático do termo, isto é, para se aproximar) exactamente no sentido da construção daquilo a que chamamos conhecimento humano.
Qual a tarefa então? Talvez meter todos os cientistas, profissionais de uma área, a estudar história. Mas isso só também não basta. Porque a história também deve muito à ciência, e os desenvolvimentos científicos e tecnológicos em muito contribuíram para a modelação ou a paradigmatização do pensamento humano. E se exemplos são precisos, podemos ir aos clássicos dos modelos geocêntricos e geoestáticos e depois a passagem para os modelos heliocêntricos e heliostáticos. Podemos ver a sua influência pelas obras de Darwin, especialmente a teoria da selecção natural. Podem ver ainda, já mais próximo de nós, a influência que teve, depois da máquina a vapor na revolução industrial, o desenvolvimento da computação, que desde as calculadoras até aos modernos portáteis tem conhecido um desenvolvimento notável, que é daquele tipo de coisas que nem podemos prever até onde vão chegar, essa automatização, e é bom que chegue dentro em breve, e decerto irá chegar, para ver se temos todos mais tempo para a poesia que há dentro de nós, sem termos de lavar a loiça, a roupa, ou secá-las, esperar tanto tempo em transportes ou trabalhar, isto é, fazer coisas de que não gostemos, tarefas chatas e monótonas.
Mas tanta conversa fiada é muito bonita, o problema é depois ir para a prática fazer as coisas. E a melhor maneira, segundo me parece, para lidar com este problema de como vamos meter o mundo a funcionar realmente, isto é, como vamos conseguir dar cultura a toda a gente e permitir que todos possam ter livre acesso a ela, e se deixar inspirar por ela, e fazer coisas belas para que outros se possam inspirar também, isso tudo passa, a meu ver, pela educação. Não vale a pena estar aqui a falar na situação da educação em Portugal, que é má. Mas também tenhamos em mente isto: é que não é só má cá, é má em tanto outro sítio, que as nossas misérias até nem parecem tão grandes como poderiam parecer à primeira vista. E porque é que é má, qual é a razão para tanto descontentamento? É que o modelo pedagógico em que se baseia a nossa educação foi importado da inglaterra capitalista, e do modelo capitalista que, servirá, sim senhor, muito bem à economia, mas quanto à educação não serve para quase nada. Nesta ânsia que têm todos de viver tudo tão depressa e sem ter tempo para nada, nem sequer para respirar, às vezes, o que acontece é que o momento não é saboreado pela simples razão de que temos que produzir, que nem máquinas numa fábrica, numa linha de montagem, de produção em série, resultados e mais resultados. Os cientistas têm que descobrir novos medicamentos e novas invenções, os professores têm que formar mais alunos, os investigadores têm que publicar muito (para encher o olho das pessoas que se dizem especialistas na matéria e conseguirem, assim, arranjar trabalho e financiamento), os operários das fábricas, se têm que fazer 100 peças por dia, precisam de fazer 200, e por aí fora, numa espiral estonteante, ao toque do relógio, parecendo que não temos vida própria nenhuma, só cabeça para pensar, corpo para trabalhar e boca para comer, que não é mais que investir para que se possa trabalhar mais e mais, até à loucura. Contentes com isto, decerto, ficarão os psicólogos, se não estivessem todos ou quase no desemprego, já que a psicologia, como nos querem fazer querer, não faz sentido e não serve para nada porque não produz peças, não refina ouro ou não faz automóveis. E com isto a filosofia, e a psicologia, e a própria história, e tantos outros exemplos que só nos podem por a nós maldispostos, e com vergonha, pois claro. Portugal não tem que ser mais uma fábrica inglesa ou francesa ou alemã, Portugal, ao contrário do que o nosso ministro tanto apregoa lá pela China, não tem que ter mão-de-obra barata, como a que existe na China (e só sabem eles a que custo, coagidos como se encontram numa ditadura neonapoleónica), Portugal tem que ser simplesmente aquilo que é, que é aquilo que sempre foi. Nada mais, nada menos. Dirão vocês que todos os países têm os seus quês, é verdade, e Portugal, digo-o eu, também os tem, evidentemente, e parecem-me estes quês de Portugal tão importantes no mundo em que hoje vivemos que me parece que o caminho está em deixar que todos eles se expressem da melhor maneira. Isto é, Portugal tem um sentido descobridor por natureza, e os nossos descobrimentos são prova disso mesmo. Qualquer povo quinhentista que sonhasse porventura em ir por esses mares fora até àquele país longínquo, que ninguém sabia muito bem onde ficava, traçar uma rota comercial, fazer um daqueles, digamos assim, negócios da China, diriam os outros povos, certamente, que esse povo não podia estar bom da cabeça – que é coisa que me parece que ainda se diz, mas noutros contextos, os que hoje são mais actuais. Bem, podíamos ser loucos sim senhor, e muito, mas a verdade é que conseguimos não só dar novos mundos ao mundo, para lembrar o nosso poeta, também demos novas terras à terra, que passou a ser povoada de repente por seres e por criaturas, incluindo as humanas, tão diferentes e tão iguais a nós que causavam espanto e admiração de toda a gente. De facto, tal empresa como esta não pode ser menos que admirável, e até no nosso tempo causa espanto, respeito e admiração, e não é para menos.
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1 comentário:
A nossa educação é má porque estamos a ensinar usando métodos cientificamente inválidos, desde há 20 anos. Publicamos uma análise que identifica as principais razões da crise na educação, e mostra os caminhos de saída. Esperemos que o Governo saiba ouvir a voz da razão.
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